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Capítulo V – Caçando com Valter

Em sua primeira caçada de macuco, Valter estava em companhia de meu pai, Dr. Ruschi, Neguinho, Tio Antônio, Miguel Frota e Tio Bernardo, além de mim. Acampamos na propriedade de Pasto Novo. Por insistência minha, Tio Bernardo, coordenador da expedição, concordou em levar meu amigo, jovem como eu, para essa caçada de quinze dias.

Valter possuía uma espingarda de um cano, calibre 28. Tio Bernardo, pela manhã, escondido numa choça, tentara inutilmente matar um macuco que nem sequer piou… Pois deixou o Valter justamente nessa choça, dizendo que ali era um ótimo lugar e que os macucos piavam bastante. O neófito não só acreditou como ficou entusiasmado. Ficou ali, sozinho, e Tio Bernardo avisou-lhe que na volta o apanharia.

Ao regressar, eis que o rapaz sai da choça sorridente, afirmando que os macucos estavam realmente doidos para morrer. E exibe o bonito casal de macucos que caçara. Tio Bernardo, egoísta como a maioria dos caçadores, afirmou, indignado: “Esse filho da puta matou meu casal de macucos que na parte da manhã nem sequer piou…” Caçada tem dessas coisas.

Valter tomou gosto pelo esporte e, posteriormente, comprou do Dr. Schwab uma espingarda de dois canos, calibre 20, da marca Galant. É hoje um caçador emérito, chegando a fabricar pios especiais de macuco.

Certa vez, com companheiros de Colatina, foi caçar próximo à reserva florestal de Sooretama. Levaram a figura indispensável que é o cozinheiro.

Atualmente os caçadores são mais fominhas ou pragmáticos. Os tempos mudaram bastante. Hoje dispensam os caboclos e ficam na mata, devidamente munidos de farnel, até às dezoito horas. São mais objetivos, mais produtivos, já que em nossa época o espírito esportivo se extinguiu.

Nessa caçada na reserva florestal, o cozinheiro ficou na barraca enquanto os outros caçavam. Estava de sandália havaiana e saiu para observar alguma coisa e foi picado por uma cobra surucucu. De posse de uma vara, matou a cobra, o que nada adiantou, é claro, para efeito de antídoto. Isso nos faz lembrar que uma simples botina pode evitar ocorrências desagradáveis.

Quando os companheiros retomaram, o veneno já tinha atingido o ponto máximo. O soro anti-ofídico estava no carro, estacionado a alguma distância, na estrada de rodagem. A solução era levar o cozinheiro até o carro, numa caminhada exaustiva pelo meio da mata. No meio do percurso, dependurado do jirau, o homem balbuciou: “Estou morrendo, não adianta essa jornada penosa. Vocês fiquem aqui, e me levem ao clarear o dia, já morto.” O que efetivamente aconteceu.

Nas minhas caçadas de macuco, nunca deixei de levar uma seringa fervida, isolada na caixa por esparadrapo, com as ampolas de soro na capanga. Por sorte nunca vi uma cobra.

Nas minhas caçadas de perdiz costumava caçar só, acompanhado apenas pelo cachorro. Fiquei sabendo, porém, que o soro anti-ofídico perde o efeito com o sol. Então tomei as providências cabíveis. Mais uma vez usando meu espírito inventivo, guardei as ampolas de soro no interior de uma garrafa térmica, por sua vez isolada por um invólucro de isopor, isolando totalmente, assim, a temperatura ambiente.

Cacei muitas vezes em São Gabriel da Palha em companhia de Fernando Rua e outros médicos, que declararam: “Nós, médicos, não precisamos trazer medicamentos, o Luiz se encarrega de tudo…”

Nas caçadas de perdizes, eu costumava ir só, acompanhado apenas pelo cachorro. Uma vez, estando no Rio, fui ao apartamento, no Flamengo, do Dr. Geraldo Albernaz, pai de Marco Aurélio, ex-professor do Centro Tecnológico da Ufes. No bate-papo, ficou sabendo que eu caçava só; então relatou que um seu parente também caçava só, escoteiro, até que um dia escorregou numa laje de pedra e ficou preso pelo pé, tendo morte horrível. Ouvi com atenção o relato, que também me comoveu bastante; porém, continuei caçando só…

[ALVES, Luiz Flores. Caçadas. Reprodução parcial do livro publicado em Vitória-ES, pelo Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e Prefeitura Municipal de Vitória em 1999. Reprodução autorizada pelo autor.]

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Luiz Flores Alves nasceu em Vitória, em 1920, e mudou-se no mesmo ano para Cachoeiro de Itapemirim-ES. Trabalhou na CVRD de 1942 a 1946 como administrador na construção de vários trechos da estrada de ferro. No Rio de Janeiro trabalhou em várias obras públicas e formou-se em Economia. Aposentou-se em 1985 como diretor do Centro Jurídico e Econômico da Universidade Federal do Espírito Santo. Faleceu em Guarapari, ES, no ano de 2003.

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