Voltar às postagens

Capítulo VI – A imigração italiana e o I centenário de Ibiraçu (1877-1977)

Ibiraçu comemora, no ano de 1977, o seu primeiro centenário. Aos 15 de agosto de 1877 desembarcavam no porto de Vitória, no navio Columbia, as 55 primeiras famílias que iriam fundar o novo núcleo de Santa Cruz. Tal fato é relevante na história da colonização italiana do Espírito Santo, por concentrar as atenções governamentais da época e por ter envolvidas nele numerosas famílias capixabas de hoje.

Inserida dentro da política de imigração desenvolvida pelo Governo Imperial, a fundação de Ibiraçu foi ocasionada por, pelo menos, três motivos importantes depreendidos nos relatórios dos diretores da Colônia de Santa Leopoldina e nos relatórios dos presidentes da Província do Espírito Santo. 1º — Havia uma concentração de 6 a 7 mil imigrantes nos arredores do Porto de Cachoeiro de Santa Leopoldina e na direção do Timbuí, atual Santa Teresa. 2º — Os terrenos desbravados se mostravam pouco aptos à cultura, conforme relatório de 14/8/1876 de José de Nápoles Tales de Menezes. Falando do núcleo de Timbuí (Santa Teresa) diz o doutor Affonso Peixoto de Abreu Lima, presidente da Província, em seu relatório: “Ao entrar quase em seu 4º ano de fundação não oferece meios eficazes de subsistência com auxílio dos quais possa ele dispensar os favores do estado. Grandes e onerosos devem ser os dispêndios com a colonização neste ponto.” 3º — A distância dos centros de comercialização ia se tornando cada vez maior, o que exigia construção e conservação de estradas e encarecia os gêneros de primeira necessidade.

Diante de tais motivos, áreas ocupadas, pouco férteis e cada vez mais distantes, os responsáveis pelo grande empreendimento de progresso nacional escolheram uma nova área que obviasse os inconvenientes apontados. A responsabilidade da fundação de Ibiraçu coube ao presidente Affonso Peixoto de Abreu Lima que nomeou diretor da Colônia de Santa Leopoldina o senhor Aristides Armínio Guaraná. O novo diretor, sergipano, que fora ajudante de ordens do Conde D’Eu na guerra do Paraguai, estabeleceu residência no novo núcleo de Santa Cruz que em breve revelou prosperidade.

Sob a denominação de Colônia de Santa Leopoldina estavam integrados os núcleos de Santa Leopoldina, Timbuí (Santa Teresa) e o recém fundado Santa Cruz que passou a denominar-se Conde D’Eu (lbiraçu).

O navio Columbia, transportando 55 famílias e 275 pessoas gastou 35 dias de viagem entre Gênova e Vitória. A Agência de Colonização em Vitória registrou o fato, comunicando ao presidente da Província:

Damos ciência a V. Exa. que no dia 14 do corrente às 2 horas da tarde fundeou fora da barra desta cidade o vapor italiano Columbia, que conduzia 55 famílias italianas, imigrantes com destino à Colônia de Santa Leopoldina. Para poder dar desembarque aos imigrantes e suas bagagens, mandamos no dia 15 a nossa Sumaca Áurea, ao lugar em que se achava fundeado o vapor Columbia, para receber os imigrantes e bagagens, o que se realizou sem novidade alguma, chegando a esta agência às 3 horas da tarde desse mesmo dia. Aos imigrantes demos agasalho e sustento de conformidade com as ordens em vigor. Oportunamente remeteremos a V. Exa. a relação nominal dos referidos imigrantes. Deus guarde a V. Exa.

Relação dos 54 chefes de família que vieram no Columbia:

Amadio Pietro, Bit Antonio, Bit Caterina, Bit Xatale, Bresciani Antônio, Bazzo Tiziano, Cao Domenico, Cao Giovanni Battista, Chiaradia Sebastiano, Cozzuol Liberale, Cozzuol Angelo, Dal Gobbo Gioacchino, D’Ambros Francesco, Dell’Antonia Giovanni, Del Puppo Teresa, Fantin Liberale, Fantin Matteo, Fiorot Giovanni, Fullin Antonio, Furgeri Marco, Franco Giuseppe, De Lunardo Antônio, Levis Francesco, Marin Cassiano, Moro Giovanni Maria, Moro G. Maria do Capo, Mazzulo Francesco, Nardi Vincenzo, Nardi Antônio, Peruch Giovanni Battista, Peruch Angelo, Peruch Antonio, Pessot Antonio, Peruch Angelo Luigi, Pianca Luigi, Pignaton Basilio, Pizzinat Giuseppe, Redivo Natale, Rizzo Antonio, Rosalen Andrea, Rui Andrea, Sagrillo Antonio, Scarpat Michele, Scarpat Celestino, Soneghet Giuseppe, Spinazzé Sante, Spinazzé Natale, Susana Francesco, Venturini Giovanni Maria, Zandoná Giovanni Battista.

Depois de aqui estabelecidos resolveram retirar-se do núcleo: Cisana Giovanni, De Mattia Luigi, Garbelotto Antonio, Sarzi Giovanni.

Um mapa estatístico apresenta 42 casados, 9 viúvos e 177 solteiros, incluindo as 42 esposas para perfazerem o total de 278 pessoas. Provinham do Veneto e os lugarejos e vilas eram: Cordignano, Caneva, Bonate, S. Fior, Tarzo, Seren, Revereto, Vittorio, Polcenigo, S. Benedetto, S. Nazario, Sarmede, Sacile, S. Lucia, Gajarine.

O jornal O Espírito Santense noticiou a chegada e acompanhou os fatos. Relata que Sua Excelência o presidente da Província visitou os alojamentos dos colonos, na hospedaria da Pedra D’Água, ficando satisfeito com a recepção e tratamento oferecido aos imigrantes pelo senhor comendador José Ribeiro Coelho, agente de colonização na capital.

O Espírito Santense, 21/8/1877:

Os colonos ultimamente chegados a esta capital no vapor italiano Columbia embarcam hoje, às 8 horas da manhã no vapor Presidente, que tem de conduzi-los à Santa Cruz, onde vão se estabelecer. Acompanha-os para dirigir o serviço de seu desembarque e estabelecimento naquele lugar o ativo e inteligente engenheiro doutor Cunha Pinto. S. Exa. o senhor presidente da província, doutor Abreu Lima, foi a bordo do vapor assistir a este embarque examinando nessa ocasião a diária de alimentação fornecida aos colonos e achando-a convenientemente ordenada devido ao zelo do senhor comendador José Ribeiro Coelho, digno agente da colonização nesta cidade. Por sua parte observou-se também grande contentamento entre os colonos que reconheciam as comodidades com que eram recebidos na terra para onde se imigraram. Para esse resultado lisonjeiro foram por S. Exa. o senhor presidente da província tomadas todas as possíveis providências, entre as quais a de comissionar um médico habilitado para com uma pequena farmácia ambulante, acompanhar os colonos até a chegada de outro médico já nomeado pelo Governo Imperial.

Os colonos chegaram a Santa Cruz às 4 horas da tarde do dia 21 de agosto. Aí foram agasalhados em casas alugadas para tal finalidade. A condução dos imigrantes que estava a cargo do engenheiro Cristiano Boaventura da Cunha Pinto, foi por ele narrada em dois documentos. Primeiro enviou um relatório ao Inspetor Geral de Terras e Colonização, datado de 3 de setembro de 1877; o segundo, datado de 8 de setembro é um ofício dirigido ao diretor da Colônia, Aristides Armínio Guaraná:

No dia 24 foram transportados para o lugar denominado Morro das Palmas, em canoas, 126 colonos e no dia 26 o resto; aí foram agasalhados em um barracão, que existe do tempo do finado Podro Tabachi quando recebeu colonos, de conformidade com um contrato que fez com o Governo.

O Morro das Palmas, ou Fazenda das Palmas, de propriedade de Pedro Tabachi, com a morte deste, ocorrida em 21 de junho de 1874, passou à viúva, Ana Fontoura Tabachi e ao genro Eduardo Gabriolli. O mesmo barracão que servira, três anos antes, à malograda colônia Nova Trento, serviu aos fundadores de Ibiraçu. O local histórico, hoje abandonado e desabitado, pertence a funcionários da Aracruz Florestal.

Continua o mesmo engenheiro:

Por onde vê V. Exa. que em 7 dias foi feito todo o serviço de recepção e agasalho, recebendo eles no dia 28 trabalhos de estrada, conforme manda e regulamento e podem sustentar-se com o produto de seus trabalhos, tendo eu cortado a praxe seguida no Núcleo de Santa Teresa, de se dar por conta do Governo, aos colonos, durante os 6 primeiros meses de seu estabelecimento, os mantimentos necessários para seu sustento, além dos salários que percebem nas estradas.

Ibiraçu nasceu por economia e tática política. Os responsáveis pelo núcleo de Santa Cruz tinham ordens de evitar que os colonos deste núcleo mantivessem contato com os colonos do Timbuí, onde reinavam exigências e descontentamentos. A história de Santa Teresa está marcada com diversas manifestações de revolta como a dos que chegaram no navio Italia em 1876 e a revolta dos Lombardos em 1877. Com 108 machados, 109 foices, 160 enxadas e um pequeno auxílio em dinheiro os fundadores de Ibiraçu deixaram um patrimônio de sangue e de bens do qual hoje nos orgulhamos.

A ocupação e posse das terras eram programadas dentro das possibilidades da época. Primeiro se fazia uma exploração na mata virgem; depois, chegava a comissão de engenheiros e agrimensores que procedia às medições dos prazos. Feita a primeira derrubada, o colono tinha 6 meses para construir sua casa e fazer as primeiras plantações. Os colonos não podiam comercializar ou dedicar a outras atividades, mas deviam cultivar a terra, arrancar dela o seu sustento e o lucro para efetuar o pagamento da dívida contraída.

A região onde se localiza hoje o município de Ibiraçu era a mata virgem e os mapas anteriores assinalavam para ela medidas falsas no que diz respeito a cursos de água e topografia em geral. O engenheiro Cunha Pinto, no dia 13 de maio de 1877 se encontrava na foz do Rio Santa Maria do Rio Doce, onde, às 5 horas da manhã, conforme ele mesmo relata, plantou um marco de madeira de lei com as formalidades do estilo. Estava, pois, a 50 metros da margem do rio Doce, num local próximo ao atual hospital Silvio Avidos de Colatina. Lançava, desta forma, o marco de fundação das medições de Colatina e recebia logo a seguir instruções para que efetuasse uma urgente transferência para as terras devolutas de Ibiraçu.

Quatro meses antes da chegada dos colonos, o então diretor da colônia de Santa Leopoldina, José de Nápoles Tales de Menezes, encaminhava o ofício nº 445 datado de 19 de maio de 1877, ao engenheiro Cristiano Boaventura da Cunha Pinto, nos seguintes termos:

Ilmo. Sr. A bem dos interesses da colonização e para maior economia dos dinheiros públicos, convém que a Comissão a seu cargo suspenda os trabalhos no Rio Santa Maria do Rio Doce e se dirija quanto antes para Santa Cruz, a fim de medir aí para o estabelecimento de 2.500 colonos próximos a chegar, conforme me comunicou a Inspetoria Geral de Terras e Colonização, devendo partir do lugar denominado Cachoeiro de Barro onde principiam as terras devolutas, procurando ligar as medições às já feitas por V. Sa. no Rio Santa Maria do Rio Doce. Para bom acolhimento dos colonos que têm de ser introduzidos por este ponto, por ser o mais próximo do litoral e por isso mesmo menos dispendioso, fará V. Sa. construir um barracão com capacidade para comportar 500 colonos, no mesmo lugar Cachoeiro de Barro, em terreno devoluto. Para que os mesmo tenham agasalho durante os trabalhos preliminares de seu estabelecimento nos seus respectivos prazos, fará V. Sa. construir novos barracões à proporção que se forem tornando precisos para cujo serviço lhe serão apresentadas turmas de colonos. Para que possam os colonos se estabeleceram, mandará V. Sa. alargar a picada de exploração que aí existe, de modo que não se dispenda por cada 2m² linear mais de 1.800 réis, preço máximo a que tem atingido as braças de caminho nesta Colônia; devendo ter o mesmo picadão 60 palmos mais ou menos de largura de derribadas das quais 10 palmos no meio, completamente limpos e os troncos cortados rente ao chão, de modo a poder ser transitado facilmente.

O engenheiro Cunha Pinto estabeleceu um acampamento de agrimensores na confluência do rio Sapateiro com o Taquarassu e acelerou os trabalhos. Pôde, desta forma, elaborar um mapa, o primeiro da região, datado de 26 de dezembro de 1877, onde apresenta os serviços de explorações e medições dos lotes coloniais nos rios Santa Maria do Rio Doce, Taquarassu e seus afluentes, Santa Cruz e Itapirá e seu afluente. Como era de praxe, o mesmo engenheiro não se esquecia de enviar os relatórios. O relatório dos seus trabalhos realizados no trimestre de abril a junho de 77 diz o seguinte:

Medição em Santa Cruz — Em vista do ofício 445A, de 1º de maio da Diretoria desta Colônia suspendi os trabalhos de medição do rio Santa Maria do Rio Doce e dei princípio às medições em Santa Cruz, a partir do lugar denominado Cachoeiro do Barro, onde principiam as terras devolutas em seguida aos terrenos que foram pela Câmara Municipal de Nova Almeida aforados a diversos particulares quando ainda era termo daquela Comarca, a atual Comarca de Santa Cruz em (1848). Considerando a grande necessidade exigida para pronta medição de prazos suficientes para o grande número de colonos que tem de chegar, procedi no dito lugar nas margens do Rio Taquarassu e seus afluentes medição de 52 prazos, dos quais 8 ficaram prontos com laterais de 1100,0m cada uma, e 44 foram medidos de frente com as laterais para os fundos de cumprimento suficiente para indicar a sua direção e os limites dos mesmos prazos.
Fizeram-se em Santa Cruz derrubadas em 20 prazos e continua-se neste serviço a fim de que passa ir acompanhando as medições tanto quanto possível sem grande aumento de pessoal nas turmas. Tenho a honra de remeter a V. Sa. a cópia do ofício sob o nº 502 que me foi dirigido pelo senhor inspetor especial de Terras e Colonização da Província, e diretor interino desta Colônia, reiterando-me todas as recomendações feitas pelo senhor doutor Telles de Menezes no seu supracitado ofício sob nº 445A, de 1º de maio último em relação aos serviços, caminhos e modos de agasalho para os colonos que se devem estabelecer em Santa Cruz. Pelas explorações e medições que fiz em Santa Cruz cheguei a reconhecer a superioridade deste vasto terreno ainda completamente inculto, ocupando uma área superior a 36 léguas quadradas, limitando pelo norte com o rio Doce, pelo leste com o rio Santa Maria, atualmente já quase todos medidos e ocupados por colonos italianos, pelo sudoeste com as terras do Timbuí, pelo Sul digo pelo sudeste, leste e nordeste com terrenos particulares situados nos rios Fundão que deságua no mar depois de se unir com o Rio Timbuí meia légua aproximadamente da Vila de Nova Almeida, rios Taquarassu, Cachoeiro Comprido, os quais unindo-se no terreno foreiro a Alfredo de León seguem a desaguar no rio de Santa Cruz com a denominação de rio Cachoeiro do Barro em frente da fazenda do falecido Pedro Tabachi.
Fizeram-se na frente de todos os prazos medidos caminhos provisórios para o trânsito dos colonos que aí se estabelecerem. Procedi ao levantamento de picada de caminho que aí existe a partir do nosso rancho situado no afluente do rio Taquarassu até o lugar denominado Santa Ana, que é o porto do rio de Santa Cruz, mais próprio para embarque e desembarque dos colonos e mercadorias que se importarem ou exportarem pela Vila de Santa Cruz. Estimo em quatro léguas a distância entre este porto e a mesma Vila, No corrente trimestre levantarei a planta do caminho que aí existe seguindo mais ou menos a margem esquerda do rio Santa Cruz, a fim de poder conhecer-se a posição e distância da mesma Vila em relação ao porto de Santa Ana, Cachoeiro do Barro e Rio Taquarassu, ponto de partida de nossas medições. De conformidade com os ofícios 445A, de 1º de maio a mim dirigido pelo senhor doutor Telles de Menezes e sob nº 502 de 17 de junho dirigido pelo senhor doutor João de Carvalho Borges Júnior, tenho a honra de remeter à V. Sa. a cópia do contrato que fiz com Alfredo Leon, de duas léguas de picadão para servir de futura estrada entre o Cachoeiro de Barro e o lugar denominado Mundo Novo para onde pretendo estender as medições e para daí explorando ligar as medições de Santa Cruz às medições do rio Santa Maria do Rio Doce. Mediu-se durante o próximo passado trimestre 136km 152,2 metros correntes conforme se vá dos memoriais descritivos e do mapa que juntos deste tenho a honra de remeter a V. Sa. Despendeu-se durante o mesmo trimestre com os trabalhos de explorações derrubadas e caminhos provisórios a quantia de quatorze contos seiscentos sessenta e nove mil duzentos e vinte cinco réis (14:669$225 réis). Tendo me sido apresentado por ordem da Diretoria desta Colônia uma turma de colonos alemães para fazer os barracões necessários ao recebimento dos colonos que têm de se estabelecer na zona de nossas medições dei já princípio a este serviço.
Colônia de Santa Leopoldina, 6 de Julho de 1877. (Assinado) Cristiano Boaventura da Cunha Pinto. Encarregado da comissão de medição.

A exatidão das informações prestadas e de outras mais, no que diz respeito às medições de prazos e aos gastos efetuados fez explodir no final do ano, uma querela entre o engenheiro e o diretor da colônia. Em ofício de nº 119 dirigido ao inspetor geral de Terras e Colonização, senhor José de Cupertino Coelho Cintra, o doutor Guaraná expõe o seu ponto de vista, o estudo da questão e da confusão. O engenheiro Cunha Pinto foi demitido. O doutor Aristides Armínio Guaraná assumiu a diretoria da Colônia Santa Leopoldina no início de setembro de 1877 e passou a residir no Cachoeiro de Barro para acompanhar de perto os trabalhos preparativos e de estabelecimentos dos colonos e pôde avaliar o que foi feito.

A segunda leva de imigrantes chegou no navio Izabella a 27 de setembro, tendo partido de Gênova no dia 25 de agosto. Eram 353 imigrantes (77 famílias) remetidos por Joaquim Caetano Pinto Júnior, em virtude de seu contrato celebrado com o Governo Imperial, contrato ente rescindido pelo Aviso de 27/6/1878. Os imigrantes nem chegaram a saltar na hospedaria da Pedra D’Água por causa de um surto de varíola em Vitória. Foram, pois, reembarcados no vapor Presidente e levados para a Vila de Santa Cruz de onde, em canoas, subiram até o porto de Santa Ana, na Fazenda das Palmas. Desta forma, no dia 15 de outubro de 1877 as estatísticas do Dr. Guaraná apontavam 160 famílias com 280 indivíduos aboletados no porto de Santa Ana, 120 no Cachoeiro de Barro e 351 no barracão do governo no núcleo Conde D’Eu. Este último barracão media 50 palmos por 200, estava situado no alto de uma chapada à margem direita do rio Taquarassu, era coberto de tabuinhas e fora construído por um grupo de colonos práticos vindos para este fim, de Santa Leopoldina.

Ora, um terço das famílias vindas no Izabella foram para Santa Cruz por engano, para não dizer displicência. O livro da colônia apontava 117 famílias e 457 pessoas. Começaram, pois, os enganados a apertar o doutor Guaraná com passaportes e recibos, afirmando terem pago suas passagens e ser outro o seu destino a que, portanto, não iriam trabalhar na construção de estradas como os demais.

Os agentes de colonização de Vitória enviaram um ofício ao doutor Abreu Lima, datado de 24 de setembro, nos seguintes termos:

Comunicamos a V. Exa. que ontem entrou neste porto o vapor italiano Izabella conduzindo 353 imigrantes italianos que de Gênova foram remetidos por Joaquim Caetano Pinto Júnior, em virtude de seu contrato celebrado com o Governo Imperial.
Aqueles imigrantes conservam-se a bordo do vapor Izabella, para amanhã às 7 horas da manhã, embarcarem no vapor nacional Presidente, para conduzi-los para a vila de Santa Cruz, de conformidade com as ordens verbais de V. Exa. Mandamos o fornecedor de víveres preparar as quantidades precisas dos mesmos para ali serem distribuídas pelos imigrantes para o que fizemos seguir para ali um nosso empregado.

Pode-se imaginar que os víveres destinados para 353 tiveram que servir para 475 e onde embarcaram uns, foram os outros até a fazenda das Palmas. A situação tornou-se melindrosa. Houve um princípio de tumulto em que o diretor, doutor Guaraná foi ameaçado de foice por um dos colonos. No ofício nº 101 de 21/11/1877, doutor Guaraná diz ao inspetor geral interino senhor José de Cupertino Coelho Cintra:

Outra questão, não menos momentosa e para a qual peço a V. Sa. providências urgentes é o fato de não querer grande parte dos colonos vindos no Izabella para Santa Cruz, trabalhar, afirmando ter pago suas passagens para outros pontos. Como conseqüência de tal procedimento a nenhum salário têm direito tais colonos, mas precisando de subsistência me atormentam noite e dia para que eu lhes dê abonos de mantimentos. Tenho recusado peremptoriamente, mas sem força nenhuma em Santa Cruz, principia a insubordinação a lavrar entre eles, tendo produzido já seus maus efeitos, porquanto, já fui ameaçado por um com uma foice. Não é a agressão pessoal que faz pedir providências a V. Sa. O único móvel que me leva a isto é o receio que tenho de que Santa Cruz, que tão bons elementos possui, para ser uma colônia modelo, venha a sofrer por causa de poucos transviados. Neste momento não quero perder a oportunidade de dizer a V. Sa. que é unânime a queixa contra a agência Caetano Pinto em Itália; afirmando todos os colonos que a imigração daquele país para o Brasil é espontânea, mas que a dita agência, aproveita o veemente desejo que todos manifestam de emigrar e fá-los pagar preços exorbitantes por suas passagens. Tal reclamação é aprovada com recibos e outros documentos.

Tal relato é um desfecho. O diretor da colônia havia prevenido ao presidente da província no ofício nº 8 de 5/10/1877:

À exceção de algumas famílias que tendo pago suas passagens querem seguir para outras províncias, todos os mais estão nas melhores disposições e mostram-se muito satisfeitos. Em relação aos que querem retirar-se peço a V. Exa. providências e instruções pedindo eu licença a V. Exa. para dizer que é de grande inconveniência a continuação destes homens entre os outros.

No dia seguinte escreve ao seu ajudante, Francisco Leite de Freitas Guimarães:

Tendo urgência de partir para o Timbuí e esperando resposta de sua Exa. o presidente da província e do senhor inspetor geral de Terras e Colonização sobre o destino que devem ter os colonos que para aqui vieram por engano, declaro-lhe que se no telegrama esperado vierem ordens, determinando que os mesmos colonos se devem retirar, parta imediatamente para a Fazenda Morro das Palmas onde eles se acham, e relacionando-os facilite-lhes passagem até a Vila de Santa Cruz, se não houver ordem contrária. Para que na relação não vá incluído alguém que não esteja nas condições daqueles de que telegrafei a sua Exa., deve V. Sa. inspecionar pelos documentos que existem na Secretaria, quais os que pagaram passagens com destino a outros pontos. Fica entendido outrossim que se dentre estes alguns quiserem aqui ficar devem ser atendidos precedendo declaração escrita, que é isto por sua livre e espontânea vontade.

Assim se retiraram umas 43 famílias e perto de 120 pessoas, depois de mais de dois meses de inatividade, uma quarentena que não existiu na Pedra D’Água. Os demais estavam trabalhando na construção de estradas. Como diz o diretor no ofício nº 679 de 15/10/1877 ao presidente da província:

Tem atualmente este núcleo 505 indivíduos em trabalhos diários de estradas, sendo 193 homens, 186 mulheres e 126 meninos e que sendo pagos os primeiros a 1.600 réis, os segundos a l.000, e os terceiros a 800 réis por dia perfazem a soma de 15:485$600 mensais. Não deve V. Exa. estranhar que mulheres e meninos tomem parte nestes trabalhos porquanto há famílias que especialmente, quase que só se compondo de indivíduos desta natureza, não deixam por isso de ter como todos os outros, as mesmas necessidades vitais. Rapidamente feito o cálculo dos jornais a despender mensalmente em caminhos, não quero perder a oportunidade de declarar a V. Exa. que a despesa que com tal verba tem sido feita, não tem sido improfícua; porquanto, do Porto de Santa Ana até o barracão em que se acham estabelecidos os imigrantes, já se encontra uma excelente estrada de rodagem com 6 quilômetros proximamente feitos, em um mês e meio apenas de trabalho.

Relação dos chefes de família vindos no vapor Izabella saído da Itália no dia 25 de agosto e chegado no dia 27 de setembro de 1877:

Artifoni Giovanni Battista, Basso Andrea, Barbarioli Agostino, Barbarioli Alessandro, Barbarioli Anibale, Bazzo Pietro, Brambilla Bartolomeo, Benicchio Giacomo, Bellini Giovanni, Bellini Bonífacio, Benicchio Giovanni Battista, Bolis Giuseppe, Carlesso Giuseppe, Cometti Giovanni, Cottini Francesco, Castellani Carlo, Da Ros Sebastiano, Cavalleri Pietro, Carni Giovanni Battista, Casati Francesco, Conti Giovanni Battista, Cavalleri Giuseppe, Conti Giuseppe, Conti Benedetto, Del Piero Antonio, Debarba Giovanni, Del Caro Giuseppe, Farina Davide, Foresti Sante, Guidolini Giovanni, Ghidetti Pietro, Garrusi Alessandro, Loser Lorenzo, Locatelli Giuseppe, Liberti Leonardo, Minchio Pietro, Marin Sebastiano, Morlacchi Giovanni, Musso Antonio, Maffeis Antonio, Mossa Pietro, Pusiol Damiano, Pozzato Luigi, Pontini Giuseppe, Pellizzari Francesco, Perut Angelo, Polesi Francesco, Poletto Raimondo, Piazzini Giovanni, Pagani Antonio, Pasquot Antonio, Pessoti Giuseppe, Pizzinat Michelo, Pizzinat Lorenzo, Piol Agostino, Pelucchi Giovanni Battista, Pissaballa Angelo, Paravisi Francesco, Prandi Antonio, Roni Michele, Rampinelli Camillo, Sfalcin Giovanni, Schiappati Giovanni Battista, Tulissi Antonio, Trazzi Giuseppe, Tonon Giovanni, Vazzoler Giovanni, Vescovi Bartolomeo, Zanchetta Giovanni, Zatt Luigi, Zandomenico Giacomo.

Não se poderá escrever a história de cada família de imigrante embora tivessem essas mesmas famílias vidas e objetivos comuns. Existem, porém, alguns dados particulares que convém ressaltar, como os primeiros nascimentos e óbitos do núcleo, porque marcam as primeiras oscilações no novo grupo social e levantam problemas até o momento, sem resposta. Onde foram enterrados? Onde, para tantos mortos, existiu tal cemitério?

O primeiro filho de imigrante a nascer no Morro das Palmas foi Leopoldo Scarpat, no dia 2 de setembro de 1877, filho de Celestino Scarpat de 37 anos e de Catarina de 33 anos. Tinha como irmãos, Stefano, Giuseppe e Maria de 9, 6 e 3 anos respectivamente. No dia 9 do mesmo mês nasceu Leopoldina Peruch, filha de Luigi Angelo Peruch, de 27 e de Tereza, de 25 anos. O padre Domenico Martinelli, vindo do núcleo do Timbuí, os batizou no dia 16 e foram padrinhos do primeiro o doutor Guaraná e dona Doverlina Gabrielli. Foram padrinhos do segundo, o doutor Guaraná e a viúva de Pedro Tabachi, dona Ana Fontoura Tabachi. Seriam os nomes dos neonatos uma homenagem ao filho do doutor Guaraná, ou era referência à colônia de Santa Leopoldina?

Até o final do ano de 1877 nasceram mais 18 crianças de que se tem registro, no mesmo núcleo.

O primeiro a falecer foi o menino de 6 meses chamado Liberti Giovanni, no dia 6 de outubro, filho de Leonardo Liberti, recém-chegado no navio Izabella. O segundo foi Del Puppo Matteo de 45 anos, natural de Polcenigo na Itálía, que faleceu no dia 12 de outubro e deixou a viúva Tereza Del Puppo e os filhos Osvaldo, Giacomo e Marco. O senhor Matteo chegara no Columbia e pode ser considerado a primeira vítima dentre os pioneiros fundadores de Ibiraçu. Até o final daquele mesmo ano morreram 40 imigrantes dentre os quais 33 crianças menores de 8 anos e 7 adultos.

Estas listas altamente significativas para a história do atual município, foram registradas em um livro que tem a abertura do senhor Francisco Leite de Freitas Guimarães, auxiliar da Diretoria da mesma colônia, com os seguintes dizeres: “Servirá este livro para assentamento de Nascimento e Óbitos dos colonos deste Núcleo Colonial, atualmente sob a administração da Colônia Santa Leopoldina. Cachoeiro de Barro Núcleo Colonial de Santa Cruz 1º de setembro de 1877.” Tal livro, bastante danificado, se encontra, atualmente, preservado no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.

No dia 25 de outubro do ano de 1877 chegou a terceira turma de imigrantes em número sempre mais crescente. O jornal O Espírito Santense noticiou o fato em crônica local, baseado no ofício que a Agência de Colonização na Vitória enviou ao presidente da província, ofício que está nos seguintes termos:

Damos ciência a V. Exa. que ontem às 5 horas da tarde fundeou neste porto o vapor italiano Clementina, procedente de Gênova, conduzindo 472 imigrantes italianos remetidos por Joaquim Caetano Pinto Júnior, de conformidade com o contrato celebrado com o Governo Imperial. De conformidade com as ordens de V. Exa. os referidos imigrantes embarcam hoje no vapor Presidente com destino a Santa Cruz. Oportunamente faremos remessa a V. Exa. da relação dos imigrantes.

É a seguinte a relação dos sobrenomes dos chefes de família vindos no vapor Clementina saído da Itália no dia 27 de setembro e chegado em Vitória no dia 25 de outubro de 1877. Dentre eles muitos se retiraram e um quarto morreu na epidemia de febre amarela que assolou o núcleo de Santa Cruz:

Ardenghi, Armond, Alchieri, Avvanzi, Bosi, Bazzoli, Michelin, Battistin, Barbi, Prandi, Boscardelli, Belloni, Biada, Bortolini, Bissolati, Bodolin, Bonesi, Bonaretti, Balanzini, Cottini, Cadallora, Colosp, Cometti, Ceresoli, Cozzuol, Cavicchini, Collevati, Coppelli, Campana, Colombo, Cattani, Caron, Centurelli, Cogol, Cristoforetti, Casa, De Micheli, Dal Piaz, Dadda, Dallosto, Ettori, Ferro, Fumani, Ferrari, Fretta, Frittoli, Facchinetti, Frigieni, Frassi, Grassi, Gervasi, Gorda, Guy, Gardoni, Guzzo, Gritti, Giroldini, Gadioli, Guasti, Guernieri, Gobbi, Lodi, Medici, Marinelli, Minotti, Marchet, Maneró, Mortumi, Manfredini, Nelli, Marchetti, Micheloni, Menegaz, Nossa, Negri, Piva, Poltronieri, Pezzenti, Paoli, Personelli, Paggi, Pauletti, Pellegrini, Portesani, Perencin, Puttini, Pegorari, Pedrini, Rossoni, Recla, Sartori, Saggio, Soprani, Sirtuli, Spidini, Spelta, Toller, Tirloni, Toso, Tabaglio, Valvassori.

Seguiram o mesmo trajeto das turmas anteriores sem cumprirem nenhuma quarentena. De Santa Cruz subiram até a Fazenda das Palmas e daí foram abrigados nos barracões que a esta altura já eram quatro. O senhor Alfredo de Leon, morador no Cachoeiro de Barro havia feito um contrato com o engenheiro Cunha Pinto para abrir um picadão que partia daquela localidade e ia terminar no Mundo Novo, proximidades da atual João Neiva.

O barracão do Mundo Novo era um ponto intermediário das explorações e mediações que deviam se estender ao 25 de Julho e ao rio Santa Maria do Rio Doce, ligando, desta forma uma região à outra.

As atividades do novo núcleo tinham à frente a firme e segura orientação do doutor Aristides Armínio Guaraná. No dia 5 de dezembro de 1877 escreve ao presidente da província o seu ofício nº 111, dizendo:

Efetuado o pagamento dos meses de setembro o outubro às duas primeiras turmas de colonos vindos nos vapores Columbia e Izabella, melhorou consideravelmente a disposição de respeito dos mesmos e, salvo exceções raras, estão eles animados dos melhores desejos. É, porém, de toda a necessidade e instantemente rogo a V. Exa. que no primeiro vapor se digne fazer vir o pagador com dinheiro suficiente para as despesas do mês de novembro. Não é simples desejo de que o pagamento esteja em dia que me faz pedir a V. Exa. tal concessão. Acresce à vantagem que da regularidade do mesmo pagamento provém, a circunstância de estar a turma de colonos vinda no Clementina incluída pela primeira vez na folha de novembro e ser de necessidade que tal turma veja imediatamente o resultado do seu trabalho. Tanto mais espero de V. Exa. um favorável acolhimento ao meu pedido, quanto será o único modo de fazer desaparecer dentre estes colonos a ideias que alguns outros do Timbuí lhes deram de seis meses de auxílio gratuito. Vendo o produto dos seus salários lhes aparecerá o desejo de viverem independentes e livres de abonos, causa principal da maior parte dos males que afligem todas as colônias.

A preocupação dos fundadores de Ibiraçu é pioneira nos métodos e visa corrigir erros graves cometidos em outros núcleos. Um dos acontecimentos mais sérios e graves havido na colônia Santa Leopoldina no ano de 77 foi a revolta dos Lombardos. A amotinação dos colonos de Nova Lombardia, no Timbuí foi sufocada com prisões e confinamento, episódio que merecerá maior atenção em outra oportunidade. Era nisto que se baseava o doutor Guaraná para tomar medidas tão acertadas quanto justas em relação aos colonos fundadores de Ibiraçu.

Com a turma chegada no Clementina cessaram as remessas de colonos que se tornaram esporádicas e em números reduzidos. Depois da lista dos imigrantes chegados no Clementina constam ainda os seguintes nomes:Alda Giuseppe, Zanotti Alessandro, Zabot Antonio.

Vieram no vapor Izabella saído da Itália no dia 25 de dezembro de 1877 e chegado aos 26 de janeiro de 1878 com 802 imigrantes. Foram para Santa Cruz apenas as famílias de: Gatti Giuseppe, Giungo Enrico, Reali Antonio, Trazzi Giovanni, Rossi Pietro, Bassani Pietro, Bassetto Carlo, Rui Ermenegildo, Zaggo Giuseppe, Cavalli Sante.

Chegaram no dia 10 de novembro de 1879: Santuz Girolamo, De Favari Giacomo, De Favari Samuela, Tonon Gio Batta, Confalonieri Francesco, Vergna Francesco, Costa Giuseppe, De Biasi Domenico.

Chegaram no dia 30 de dezembro de 1879: Filipetto Pasquale, Baiocco Bortolo, Baiocco Giacomo, Gasparini Francesco, Baiocco Giovanni, Baiocco Luigi, casado com Teresa Colli.

Chegou no dia 30 de janeiro de 1880: Della Valentina Matteo.

Chegaram no dia 20 de fevereiro de 1880: Poli Bortolo, Costacurta Giovanni, Montaner Francesco, Susana Giacomo, Della Pasqua Domenico, Trichies Luigi, Modenesi Giovanni, Modenesi Andrea, Modenesi Anselmo, Modenesi Francesco, Vazzoler Antonio, Breda Francesco, Sarcinelli Giuseppe, Segatto Pietro, Mattiuzzi Bortolo, Bit Giovanni.

No dia 26 de junho de 1880 chegou Varnier Luigi.

Em 1879 vieram do núcleo de Santa Teresa onde estavam estabelecidos: Martinelli Giocondo, Martinelli Luigi. E o livro encerra a lista das 327 famílias com o nome de Fraccalossi Giuditta.

Depois desta data, até o novo surto de 1891/92, entraram apenas famílias isoladas.

Quando o doutor Affonso Peixoto de Abreu Lima deixou a presidência da Província do Espírito Santo em março de 1878, depois de sete meses de governo, apresentou um relatório ao seu substituto o tenente coronel Alpheu Adelpho Monjardim de A. e Almeida, publicado integralmente na Gazeta da Vitória.

Aí expõe as metas do seu governo e os resultados obtidos durante sua administração. Saía da Província o homem sob cuja administração se criou o núcleo Santa Cruz (atual Ibiraçu) e que afirmava ser a colonização “um dos assuntos que mais mereceu a sua solicitude.”

A epidemia — Era o mês de março de 1878 e a febre amarela atingia o seu auge. Com a mudança de clima e sem defesa orgânica os colonos começaram a ter vítimas no mês de outubro de 1877 e o mal foi crescendo com índices assustadores de modo que no final de 1878 eram 200 os mortos. Do navio Clementina morreram 111 numa proporção de 1 sobre quatro. Não houve família poupada e ninguém na colônia ficou sem contrair a febre amarela. Mandou-se buscar no núcleo de Santa Leopoldina todo o sulfato de quinina disponível.

Ainda durante este mês chegaram as primeiras das 57 famílias de cearenses com objetivos determinados dentro da política de imigração. Apesar de sua presumível resistência a este tipo de epidemia, morreram 41 pessoas sendo 10 chefes de família. De 298, incluindo-se 14 famílias que se retiraram, logo estavam reduzidos a 202 (segundo relatório do doutor Guaraná: 209).

Entre os italianos, com a morte do chefe de família, a mulher voltava para a Itália com os filhos restantes e sobreviventes. Quando morria o casal, os órfãos eram distribuídos entre as outras famílias, de modo que a criação de orfanatos se tornou uma preocupação do governo. O que resta desta epidemia são dois cemitérios desaparecidos: um no Córrego Fundo, provavelmente ao lado da antiga usina do doutor Guaraná; outro no Cachoeiro de Barro, perto do Rio Comprido, onde ainda se vêm marcas de sepulturas.

Em 10 de janeiro de 1880 o diretor da Colônia, Aristides Armínio Guaraná, apresentava mais um relatório ao presidente da Província e dizia de Ibiraçu:

Com uma população de 2.000 almas, pouco mais ou menos, é habitado por 308 famílias italianas, 57 cearenses e 55 de índios naturais desta Província. Dividido em 7 distritos coloniais, estão todos eles ligados por boas estradas com a sede, estradas que têm as extensões seguintes: 1º Distrito de Pendanga 12 km; 2º Distrito de Perobas 6 km; 3º Distrito do Sapateiro 8km; 4º Distrito de Santa Maria 10 km; 5º Distrito de Mundo-Novo 13 km; 6º Distrito de Aracajú 11 km; 7º Distrito de Monte Seco 8 km. Convenientemente colocadas as famílias coloniais em seus prazos, entregam-se com verdadeiro entusiasmo aos trabalhos agrícolas, havendo colonos que na primeira colheita já terão café produzido em seus prazos.

Consolidada a colonização, novas metas são procuradas por seus administradores. Nos meados de 1880 um novo diretor está ocupando o lugar de Aristides Armínio Guaraná, é o senhor Luiz Cavalcanti de Campos Mello. Em ofício que envia ao Inspetor Geral de Terras e Colonização, com data de 4 de dezembro de 1880, diz eufórico:

mais um elemento de progresso para o núcleo de Santa Cruz acaba de ser posto em evidência com a inauguração que fiz no dia 2 do corrente mês, de uma escola mista, para cuja frequência se inscreveram naquele dia 11 meninas e 38 meninos. Fundei esta escola na casa pertencente ao Estado e existente no povoado do núcleo; mandei repará-la convenientemente, consegui alguns donativos de particulares de forma a possuir hoje este núcleo uma escola decente, frequentada por 49 crianças e com o material necessário. À testa dessa escola coloquei o colono Jerônimo Santuz, homem morigerado e que tem alguns conhecimentos.

O professor recebia o auxílio de 15$000 réis mensais.

O livro da Colônia registra o senhor Girolamo Santuz como imigrante que chegou no dia 10 de novembro de 1979. Tinha 50 anos e sua esposa, Augusta 44. Era pai de Pietro, Ermenegildo e Valentino de 14, 9 e 2 anos respectivamente. Recebera, como todos os outros as ferramentas discriminadas: 2 foices, 2 machados e 2 enxadas.

Em ofício de 26 de abril de 1880, nos últimos meses de sua gestão, o doutor Guaraná trata da emancipação do porto de Cachoeiro e do Timbuí. Diz que dentro de mais um ano também Santa Cruz poderá se emancipar. Os colonos estão estabelecidos e “cheios de prosperidade em suas lavouras.” Este prognóstico só veio a se realizar 11 anos mais tarde. O núcleo colonial Bocaiúva, como então se chamava pela Lei estadual nº 23 de 11 de setembro de 1891, tomou o nome de Vila Guaraná sendo esta instalada em 10 de outubro do mesmo ano o pelo disposto do Decreto estadual de março de 1892 o município de Guaraná passou a denominar-se Vila de Pau Gigante. Eduardo Gabrielli foi o primeiro presidente da Intendência da Vila.

No mês de setembro de 1891 o navio Adria desembarcava uma leva de imigrantes em Vitória, dentre os quais muitos vieram para os distritos de Ibiraçu. Mas um fato notável é a chegada do navio Birmânia com 1.425 passageiros, no dia 10 de dezembro de 1891 e dentre os imigrantes, 716 foram para Santa Cruz naquele ano.

O crescimento do antigo núcleo Conde D’Eu, dos seus distritos, o aumento dos imigrantes durou até a proibição do ministro italiano Prinetti, que encerrou uma fase na história da imigração pelo Espírito Santo.

[BUSATTO, Luiz. Estudos sobre imigração italiana no Espírito Santo. Vitória, 2002. Reunião de artigos relacionados com imigração italiana, publicados em diversos periódicos. Artigo publicado no Caderno Dois de A Gazeta, 07 de agosto de 1977. Reprodução autorizada pelo autor.]

———
© 2002 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
———

Luiz Busatto nasceu em Ibiraçu-ES, em 1937. Graduado em Letras, com cursos de especialização em Portugal (Teoria da Literatura e História da Literatura Portuguesa), na Itália (Filosofia), mestrado em Letras pela PUC/RJ e doutorado na mesma área pela UFRJ. Professor da Ufes e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Colatina (1969-1983). É membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e da Academia Espírito-santense de Letras. Foi presidente do Conselho Estadual de Cultura (1993/4) e vice-presidente (1986/7). Tem várias obras publicadas, sendo um estudioso da imigração italiana. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

6 Comments

  • Unknown
    06/07/2018

    Que bom saber um pouco da história dos meus antepassados. Sou tataraneta do Giovanni Dell'Antonia.

  • Unknown
    23/07/2018

    Barbarioli, show !!!

  • Anônimo
    21/08/2018

    Minha historia,meu começo,minha vida,também está aí!Parabéns pelos fatos narrados

  • Unknown
    05/09/2018

    Boa noite,

    Não consegui encontrar a família De Lunardo na lista do navio Columbia no site do Arquivo Nacional. Alguém pode me ajudar se a informação procede?
    Obrigado.

  • Unknown
    10/03/2019

    muito interessante. Parabéns para o autor

Deixe um Comentário