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Capítulo VIII – Barra do Triunfo



1. Cronologia – os primeiros proprietários. 2. Mapas da fazenda. 3. Construção da igreja e cemitério centenários. 4. A primeira visita pastoral do Bispo. 5. Informações de um colono ao Cônsul italiano. 6. A época de Guilherme Batista. 7. Atualidade: os laços de família.

1. Cronologia – os primeiros proprietários

A história de Barra do Triunfo deve ser vista e situada num segundo momento da história da imigração italiana no Espírito Santo. A “fazenda” — como hoje é chamada — só vai se destacar quando o governo imperial retoma e incrementa o movimento imigratório para o Estado. Há uma interiorização na busca de espaços, ao mesmo tempo em que se cumpre a lei de também se vender terras aos filhos de imigrantes maiores de 18 anos. Relatórios, mapas, requerimentos, ofícios e outros documentos escritos do Arquivo Público Estadual mostram a origem deste centro de imigração italiana.

O primeiro proprietário das terras devolutas onde hoje se encontra a “fazenda” foi Aurélio Fernandes de Alvarenga Rosa. No dia 11 de março de 1882 já consta, em requerimento, um seu pedido para comprar aquela localidade. O Diretor da então colônia de Santa Leopoldina, Luiz Cavalcanti de Campos Mello envia ao Presidente da Província a seguinte correspondência:

Devolvendo a V.Exa. o incluso requerimento de Aurélio Fernandes de Alvarenga Rosa, e em cumprimento ao despacho nele exarado por V.Exa., venho informar que achando-se ele fora das linhas coloniais, parece não haver inconveniente algum em se lhe conceder o que requer, obrigando-se às condições impostas pelo Governo. Com esta informação, e caso seja-lhe concedido o terreno que pede o requerente neste requerimento datado de 6 do corrente, fica completamente inutilizado o requerimento que o mesmo dirigiu a essa Exma. Presidência em 29 de fevereiro último, e por V.Exa. mandado informar em 1 do corrente, cujo documento também ora incluso devolvo a V.Exa. a quem Deus Guarde.

No verso aparece o seguinte despacho do contador:

Em vista da informação do Diretor da Colônia de Santa Leopoldina, constante do presente ofício, acerca da pretensão de Aurélio Fernandes de Alvarenga Rosa a compra de cinco prazos de terras no lugar denominado — Córrego do Ubás —, parece-me que poderá ser deferido o suplicante. Em 27 de março de 1882.

De onde se conclui que o local pedido está situado fora das linhas ou limites marcados para colonização. Estas terras eram chamadas devolutas e significava que eram do Governo Imperial, eram terras virgens, habitat de animais silvestres e, possivelmente, de tribos errantes de índios. Isto há menos de 120 anos . Conclui-se também que o contador chamou o local de “Córrego dos Ubás”, especificando a dimensão de cinco prazos. Como o governo imperial era centralizador, qualquer iniciativa que se tomasse na mais próxima ou remota das províncias devia passar pelo crivo da corte. Sendo assim foi o Diretor da Agricultura do Ministério dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras públicas, no Rio de Janeiro, que emitiu a ordem ao novo presidente da Província do Espírito Santo:

Autorizo V.Exa. a vender em hasta pública a quem mais vantagens oferecer, mil e quinhentos (1500) metros em quadro de terras devolutas na “Barra do Córrego Ubás”, junto ao picadão que dá trânsito para os núcleos “Conde D’Eu” e Petrópolis, da ex-colônia Santa Leopoldina, e requeridas por Aurélio de Alvarenga Rosa, cuja petição foi por essa Presidência informada em ofício de 25 de maio último; devendo, na forma da Lei, o pagamento do valor das referidas terras efetuar-se à vista, depois de pagas pelo comprador todas as despesas de medição e demarcação. (G 15).

Há um erro colossal no despacho. Não são 1.500 metros mas 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil metros quadrados). Concede-se a licença para a venda mas não se cria uma nova frente pioneira de colonização, o que só vai ocorrer cinco anos mais tarde. Especifica-se a quantidade total de cinco prazos e o nome da localidade como “Barra do Córrego dos Ubás”. A única justificativa que existe para que a mudança do nome tenha sido feita para “Barra do Triunfo” é que a moradia do senhor Aurélio, de fato, vai ser construída ao lado do rio Triunfo. Curiosa é também a menção que se faz da estrada que ligava aquela inóspita paragem a outros dois núcleos de colonização, a atual Ibiraçu e Barracão de Petróplis. O nome é bem próprio e diz que era uma estrada muito primitiva. O segundo proprietário da fazenda Barra do Triunfo foi Giuseppe Battisti (este é o nome correto; o cognome italiano “Battisti” vai sendo escrito com muitas variantes e até mesmo é abrasileirado para “Batista” por causa da segunda guerra mundial; foi adotado para evitar problemas com a polícia de Getúlio Vargas). Foi ele o responsável pela formação e atual estado da fazenda. Giuseppe chegou em Vitória, juntamente com a família , vindo do Rio de Janeiro no paquete Bahia em 4 de novembro de 1876. Sendo natural de Calliano, Trento, era natural que fosse integrar-se aos seus conacionais trentinos, em Santa Teresa, recentemente fundada com o nome de Núcleo Timbuí. A família era constituída do pai Gio Batta Battisti de 38 anos, da mãe Anna Rossi de 35 e dos filhos Giuseppe de 12, Gio Batta de 9, Giovanni de 7, Anna de 4, Guglielmo de 2 e Enrichetta de um mês. O pai era cavouqueiro e prático em quebrar pedras. Na construção da estrada que vai de Santa Teresa para o Barracão de Petrópolis, teve a infelicidade de querer desarmar um último cartucho de dinamite. Morreu com a explosão . A viúva recebeu um lote de terras no lugar chamado “25 de julho”. Foi a partir dos 17 anos que Giuseppe agregou-se a um jovem engenheiro, medidor de terras, chamado Antonio Athayde. Desfrutando desta amizade conseguiu adquirir animais de carga que, naquela época, valiam mais do que um caminhão. Giuseppe, além de trabalhar com o Athayde, começou a transportar café para Santa Leopoldina, ao mesmo tempo em que trazia mantimentos. Conforme depoimento de seu filho Renato, em 1888 foi abrir a fazenda de Barra do Triunfo pois já se casara em novembro de 87 e lhe nascera a filha mais velha, Virgínia, em 8 de agosto de 88. Trouxe os irmãos para ajudá-lo na administração. E os filhos foram nascendo: Lúcia Catarina, Hermínia, Paolina, José B. Filho, Evelina, Renato, Deolindo, João Batista e Maria. Quando se casou em 1887 com uma jovem de Ibiraçu, ele tinha 21 anos e a esposa 18. A certidão de casamento resume o acontecimento:

Aos doze dias do mês de novembro de mil oitocentos e oitenta e sete pelas sete horas da manhã neste oratório do Conde D’Eu Província do Espírito Santo, Bispado do Rio de Janeiro, decorridos os proclamas sem aparecer impedimento algum tendo os contraentes confessados habilitados, em presença das testemunhas abaixo assinado João Schmitberger, Engenheiro Antônio Francisco de Athayde além de outras pessoas presentes, uni em matrimônio por palavras de presente na forma do Ritual Romano segundo o Concílio de Trento a Giuseppe Battisti com Teresa Pissinati. Ele filho legítimo de Giovanni Baptista Battisti e Anna Rossi, nascido e batizado na paróquia de Calliano Província de Tirol Itália. Ela filha legítima de Giuseppe Pissinati e Lúcia Fiorot, nascida e batizada na paróquia de S. Stefano Província de Treviso Itália ambos contraentes moradores no Conde D’Eu. Em seguida dei-lhes as benção nupciais dentro da missa. E para constar fiz este termo e assino. O vigário João André Casella. Conde D’Eu 12 de novembro de 1887.

Padres e escrivães, por diversos motivos, são responsáveis pelas alterações dos sobrenomes italianos. O cognome italiano PIZZINAT, que é o correto, apresenta, só nas certidões de casamento mais doze variantes incluindo esta da certidão acima.

Em 1897 Giuseppe foi à Itália passear e trouxe aproximadamente uns trinta conterrâneos seus. Pode-se incluir o Raizer casado com Maria Battisti. Trouxe também uma estampa grande de São José. O Varnier fez a moldura e o quadro ficou na igreja local que tinha o santo como padroeiro. Conforme o filho Renato, durante este tempo Giuseppe intensificou o comércio na direção da atual Ibiraçu onde comprou o sobrado dos Bissolati e comprou também um depósito no Córrego Fundo. Depois de l2 anos na fazenda mudou-se para Ibiraçu por volta de 1900. Deixou a fazenda para os irmãos. Em Ibiraçu foi por mais de duas vezes prefeito e várias vezes membro da câmara, tornando-se político de influência na região, recebendo de muitos o tratamento de coronel.

2. Mapas da fazenda

O primeiro mapa que se pôde descobrir no Arquivo Público Estadual é um Diagrama dos trabalhos efetuados durante o mês de julho de 1888 nas margens do Rio dos Ubás pelo engenheiro ajudante Antônio Athayde. Aí ele assinala “Terras de Alvarenga”, sendo que metade da área não está delimitada por marcação de lotes. Para que a área medisse 1.500.000m2 ela devia ter uma lateral de dois mil e outra de setecentos e cinqüenta metros. Quando em 1890 se medem os lotes do lado do rio Triunfo, aparece uma lateral de 1.320m e onde se assinala “Terreno de Giusepi Batista”. Ora, multiplicando as duas laterais se chega a uma área de 2.640.000m2, ou seja, o equivalente a 8 prazos e não mais aos 5 de Alvarenga Rosa. Mais tarde outros informantes vão apontar 8 prazos comprovando a possibilidade de produção de mil e quinhentas arrobas de café. Há quem mencione mais de 20 prazos dos irmãos Battisti mas em áreas separadas.

Os lotes coloniais a serem distribuídos aos imigrantes foram padronizados no tipo médio de 302.500m² previstos na lei de 17 de janeiro de 1867. Sua configuração não era quadriculada como no Rio Grande do Sul e, inicialmente, nos mapas da colônia de Santa Leopoldina onde se estabeleceram os alemães. No Espírito Santo o prazo colonial media 275 metros de frente para os rios de modo que todos tivessem aguadas e 1.100m de profundidade, em direção aos morros ou terras devolutas.

Antônio Athayde deixa um enorme arquivo de lotes medidos e descritos tecnicamente, especificando até a presença das madeiras de lei neles contidas.

Mapas de 1890, 1892, 1894 e 1896 enumeram os lotes com números. Quando ocupados eles aparecem assinalados com as letras TP e TD que significam, respectivamente, com título provisório ou título definitivo. Alguns mapas das colônias, e são muitos, trazem dentro da área o nome do seu dono. A fazenda de José Baptiste é visível, e com destaque, em todos estes mapas. Quando se fundou o núcleo Acioli Vasconcelos em 1887, o primeiro entreposto e barracão que acolhia os imigrantes era Barra do Triunfo. Havia aí um engenho movido a água e uma venda com gêneros de primeira necessidade. Deste comércio Giuseppe Battisti tirará ganhos econômicos consideráveis e ocupará mais tarde postos chaves em Ibiraçu e Córrego Fundo.

Com a morte de Giovanni Battisti em 1904 a fazenda foi dividida entre Guilherme e a viúva Dona Páscoa e seus filhos menores em maio de 1908, cabendo a parte Oeste a Guilherme com 1.465.200m² e 1.372.800m² a Dona Páscoa na parte Este. No total dividem uma área maior que nove prazos ou colônias. Em 1920 parte da área de Dona Páscoa vai ser vendida a Modesto Zuccolotto e também a Antonio Pellizzon.

3. Construção da igreja e cemitério centenários

A fazenda de Barra do Triunfo se situava num ponto estratégico e ficou sendo também um lugar de referência para os colonos imigrantes. Como os italianos sempre foram muito católicos, não ficavam sem um oratório, uma capela ou uma igreja. O culto religioso era exigência fundamental na vida do colono A igreja católica era uma necessidade em todos os núcleos, era um lugar privilegiado ao redor do qual se manifestava não só o traço forte da catolicidade mas toda uma trama de relações sociais. Depois da reza vinha a festa, o leilão, os jogos, os negócios. Começavam os namoros, estreitavam-se os laços da boa vizinhança e tudo o mais.

Também em 1887, um imigrante trevisano e bom carpinteiro veio morar no lote 50 do rio Triunfo. Luiz Varnier viera, primeiro para São Paulo, depois para Ibiraçu, para Santa Teresa e enfim para Barra do Triunfo. Tendo um pouco mais de cultura que a média, lia e explicava a doutrina cristã para a comunidade, funcionando como um padre leigo. Usava um livro intitulado Libro D’Istruzione e di Divozione Cristiana do padre Goffine. O padre comparecia uma ou no máximo duas vezes ao ano. Então batizava, casava e procedia a todas as celebrações de que a comunidade precisava. Era sempre uma festa o dia de missa. O culto religioso requeria um lugar apropriado e Luiz Varnier, encabeçando uma comissão,os fabriqueiros, tomou a iniciativa de compra de um terreno para se construir uma igreja e um cemitério apropriados já que existiam, de fato, na base e no alto do morro. Consta que a primeira pessoa a ser enterrada no local foi Maria Marim, de 16 anos, em1892. Houve um cemitério mais abaixo do rio Ubás que provocou briga e até incêndio de uma casa.

Com letra elegante — conservando-se o texto e grafia original — o Varnier escreveu:

Nos abaixo assignados, Varnier Luigi, Mazzega Giuseppe, Zucoloto Modesto, João Paulo Bizera e José Francisco de Barro residente no Nucleo Accioli Vasconcelos Municipio da Villa Pão Gigante, da Comarca de Santa Cruz, attendendo a grande destancia que está a sede da Villa, resolvemo promover uma subscrição para a compra de terreno e construção de uma capella e Cemiterio neste nucleo em o lugar que mais conveniente acharem ficando por em quanto a Commissão composta dos nomes a cima, inscripto ficando esta en carregada de angariar donativos de todos a quellis que se dignarem prestar seus auxilho. Pao Gigante 5 de Decembro de 1896. A Commissão Varnier Luigi, Mazega Giuseppe, Zuccoloto Modesto, João Paulo Bizerra, José Francisco de Barros.

Os fabriqueiros compraram 2.500m² para a igreja e 5.000m2 para o cemitério, pagando a quantia de 60 réis o m². A Comissão se obrigava a dar andamento à construção da capela e acabá-la com o auxílio do povo até o mês de julho do ano vindouro de 1897 sob pena de tornar-se nula a venda. Nesta época Giuseppe trouxera da Itália, para onde viajara, uma estampa de São José padroeiro do lugar que, emoldurada por Luigi Varnier, foi entronizada na igreja. O mesmo senhor Varnier construiu os bancos e o altar em madeira entalhada, conjunto desmanchado recentemente para facilitar a nova liturgia.

4. A primeira visita pastoral do Bispo

Quando Dom João Néry, primeiro Bispo do Espírito Santo fez a primeira visita pastoral nos meados de 1900, deixa por escrito um primeiro painel histórico de Barra do Triunfo:

Geralmente se dá este nome às terras que formam e circundam a propriedade do Sr. Baptiste José. A residência deste senhor se acha pouco acima da confluência dos rios Triunfo e Ubás, sendo o segundo um dos principais afluentes do rio Pau Gigante que corre entre os rios Santa Maria e o Santo Antônio. Por enquanto só existem três ou quatro casas, modestas e um engenho de cana tocado a água com aparelhos também para beneficiar café. É esta uma das situações que mais se prestam a uma localidade, pela bondade de seu clima e considerável extensão de seu horizonte. Pouco adiante da casa de residência do Sr. Baptiste se acha a capelinha consagrada a São José, com pequenas mas decentes acomodações.
Tem a capela mor 4,50m de comprimento sobre 5m de largura, o corpo da igreja 9,75m de comprimento sobre 6,10m de largura, a sacristia 1,30m de comprimento sobre 5m de largura. Tem de altura 7,50m. Ainda é nova só tendo por isso a capela mor assoalhada. O altar ainda é provisório(de panos). Não tem sinos. No mesmo valão hora e meia abaixo se acha outra capela do antigo barracão de Pau Gigante que não visitamos. A colonização nesta região já não é puramente italiana, é mista, havendo muitos cearenses, alguns sergipanos e polacos. Calcularam a população em 2.000 habitantes.
É aqui um dos pontos de litígio sobre limites entre Linhares e Pau Gigante; mas os povos parecem querer pertencer a Pau Gigante.
Corre em toda a extensão deste vale o rio Pau Gigante que nasce no Alto Bérgamo, tendo, além de muitos córregos os seguintes afluentes: Santa Clara, Santa Ana, Ubás e Esperança.

O senhor Bispo soube reconhecer as vantagens que o lugar oferecia e mesmo a sua beleza. Quanto ao litígio sobre os limites deve-se dizer que, além da briga política, também estava em jogo uma disputa econômica na captação de impostos. Quando na década de 90 Gabriel Emílio da Costa transferiu a sede da administração da colônia para Linhares, provocou a demissão do engenheiro Antônio Athayde que conhecia a temeridade de enfrentar terras paludosas, infestadas de febre. Se Acioli começou afugentando alguns alemães que tentaram sediar-se no Pau Gigante, mais tarde, em 1895, os ocupantes do Núcleo Moniz Freire foram simplesmente dizimados pela desorganização e pelas febres. Agora, na virada do século, quem procurava atrair as terras de Acioli e vizinhanças para Linhares era o coronel Calmon. A população de Barra do Triunfo e de Acioli em peso se opôs à investida política do coronel. No meio desta intriga, o judeu francês Edmond Lempé mandou um significativo bilhete ao subdelegado de polícia de Barra do Triunfo, Modesto Zuccolotto, bilhete que mostra o envolvimento das autoridades da época na momentosa questão:

O Dr Guaraná me escreveu que o Domício foi que combinou com o Dr Jerônimo deixar o Acioli para Linhares para ter Comarca, mas que ele ia novamente ver se convence o Dr Jerônimo. Quando você vier cá lhe mostrarei a carta do Dr Guaraná. Já mandei cópia da mesma ao Beppi. Seu amigo E Lempé 12 Dez 1910.

Um longo abaixo assinado encabeçado por Giuseppe Battisti, seu cunhado João Schmidtberger, seu irmão Guilherme, seu compadre Luiz Varnier e mais uns 283 nomes, solicitava a intervenção ao Presidente do Estado Muniz Freire para que não fossem erradicados do município de que eram originários. E assim ficou. O jornal O Trabalho, de Ibiraçu, de 1959, cujo redator era Antonio Vescovi Possato historia muito bem a questão.

5. Informações de um colono ao cônsul italiano

Depois que foi proibida a imigração italiana para o Espírito Santo em 1895 por causa dos fatos ocorridos no núcleo Muniz Freire às margens do Rio Doce, logo logo o Governo italiano criou um consulado em Vitória. Tal posto diplomático tinha como função proteger a cidadania dos imigrantes, se bem que, com a emancipação das colônias, automaticamente os imigrantes eram considerado brasileiros. Um desses cônsules deixou por escrito vasta documentação publicada num boletim oficial do Ministério das Relações Exteriores da Itália. Rizzardo Rizzetto teve o cuidado de fazer apontamentos de tudo o que os colonos italianos lhe contavam. Para resguardar a identidade do informante o cônsul escrevia apenas as letras iniciais do cognome e nome. Embora o boletim tenha sido publicado em 1905 as informações são do final do século passado. Eis o que anota o cônsul enquanto o colono vai falando:

…diz o sr. S……G……da província de T.; habita em Pau Gigante no Rio Triunfo, a 5 horas acima da Vila Pau Gigante, ex Núcleo Acioli Vasconcelos: a região compreende montes e poucas planícies; o cultivo do café é intenso; é uma colônia nova que remonta a 12 ou 13 anos somente e foi fundada por cearenses; existem também muitos italianos; no Rio Triunfo devem existir cerca de 150 famílias; não se pode saber ao certo quantas sejam porque estão muito espalhadas pelos vales e se reúnem somente quando chega o padre ou quando se faz uma festa; a igreja está na fazenda de G. B., tirolês, o único italiano que hoje está bem de vida; os B. são três irmãos, os colonos que chegaram primeiro; primeiro estavam sozinho, mas depois chegaram italianos e cearenses; um dos B. vendeu o terreno onde está a igreja e o cemitério; o padre está na vila Pau Gigante e aparece a cada três ou quatro meses na localidade para fazer o eventuais batizados, casamentos etc.; o B. possui 8 prazos, isto é, oito colônias. Tem uma casa de comércio na vila; da fazenda, isto é, do campo, se ocupam os irmãos; os prazos valem pouco hoje; nas terras que lhe pertencem ele mantém seis famílias como meeiros; a sua produção de café no ano passado foi de 1.500 arrobas; a média de produção dos colonos é de 200 arrobas; as dificuldades, contra as quais os colonos têm que lutar, dependem do preço do café que se vende ora a 3.000 réis a arroba, de cujo preço precisa descontar a despesa de pila do café que é de 400 réis por arroba e a despesa do transporte até a casa do comerciante que compra o café, despesa que varia de acordo com a distância; os preços dos gêneros nas vendas são extraordinários, muito caros, uma caixa de sabão de 3kg 5.000 Rs; uma quarta (10 litros) de sal 3.000 Rs; uma lata de petróleo 9.500 Rs; não existe padeiro; os colonos não comem pão porque não têm forno e a farinha de trigo é muito cara custando 10.000 Rs 15 quilos; a carne seca custa de 1.500 a 1.700 Rs o quilo; os colonos comem carne seca quando podem; não há botequim; às vezes ao sábado um colono mata uma cabeça de gado, e os vizinhos informados vão lá e compram a carne que é fresca e custa em geral 900 ou 1.000 Rs o quilo; a carne de porco ou de galinha se come com mais freqüência, mas tendo em vista o preço do café a dieta do colono o obriga a consumir arroz, milho e feijão que é o que produz no terreno; com o milho se faz aquilo que aqui chamam de fubá e com ele fazem a polenta. Na localidade de rio Triunfo existem 4 moinhos que moem o milho; paga-se 1.600 Rs para moer um saco de 60 kg; cada colono pila o seu arroz porque existem muitas correntes de água; a água é boa e não se vê muito a opilação; quando os colonos ficam doentes, curam-se por si mesmos; o remédio principal é um fruto de uma planta que cresce espontaneamente; ela se parece com o nosso figo; os seus filhos se livram da opilação com aquele remédio; não existem médicos; é preciso vir a Vitória, 3 dias de viagem a cavalo, para se tratar; existem no entanto alguns colono práticos que preparam os remédios; quando um tem um livro de medicina e sabe ler, é consultado de preferência; nas vendas existem pílulas, senna, óleo de rícino; em fim, se um colono fica doente se trata como pode aconselhando daqui e de lá; não existem parteiras; as mulheres se ajudam entre si na ocasião dos partos; não existem escolas; somente na vila Pau Gigante existe uma estadual; um grande número de crianças cresce sem nenhum instrução; os colonos não poderiam manter escolas por sua conta; para que um professor ou professora pudesse viver, seria necessário que cada colono pagasse 4 ou 5 mil réis por cada criança e isto é impossível com o atual preço do café, tanto mais que as famílias italianas são muito numerosas. No Rio Triunfo a maioria é de cearenses; os terrenos são muito bons; basta que o tempo seja favorável; os legumes crescem se não houver seca; o trigo não dá, já fizeram experiência; talvez nas baixadas o cacau pudesse dar bem pois até ele mesmo tem dez a doze pés altos e bonitos; também dá muita cana de açúcar e alguns colonos possuem alambiques para destilar a cachaça e para fazer rapadura.

Há fortes indícios para se crer que o informante seja o sr. Giovanni Soneghet. Só ele e o Varnier eram os italianos localizados no Rio Triunfo. Todos os demais eram cearenses. O informante demonstra ter um espírito prático e familiarizado com os problemas locais. Do que diz se conclui que só havia uma casa de comércio em Barra do Triunfo. Onde não há concorrência ocorre a exploração. Na virada do século o preço do café caiu tanto que no final de cada ano, quando iam ajustar conta, os colonos verificavam que toda a produção de café não dava para pagar os gêneros de primeira necessidade comprados na venda. O primeiro inconveniente disto consistia na monocultura do café e o segundo era a falta de competição nos transporte e venda dos produtos necessários para os colonos. Não foi um nem dez os colonos ou viúvas que tiveram hipotecadas as colônias para saldar as dívidas anuais nas chamadas vendas. Muitos se arruinavam, vendiam tudo e procuravam sair para a Argentina. Luigi Varnier depois de 28 anos de Brasil caiu nesta armadilha. Percebeu que nunca ia poder ter nada trabalhando no campo como pequeno proprietário ou mesmo como marceneiro. O que mais lhe assustava era a injustiça social. Mesmo sendo compadre do Giuseppe Battisti e líder comunitário voltou para Cordignano, Itália, em 1908 com a mulher e duas filhas solteiras para morrer em 1935. Ele é a imagem viva do imigrante dividido entre duas pátrias e o coração repartido entre dois continentes.

6. A época de Guilherme

Depois que o “Bepe” foi morar em Ibiraçu, os dois irmãos Giovanni e Guilherme ficaram na fazenda. Viviam em sociedade. Giovanni trabalhava de tropeiro indo até Santa Cruz, levando café e trazendo mercadoria. Numa de suas viagens apanhou uma febre e morreu em Capuba em 1904. Deixou a viúva com os filhos menores: Florêncio, Malvina, Roberto, Amábile e Gentila. Páscoa Vaccari, na partilha dos bens em 1908 ficou com a parte Este da fazenda que tinha uma área de 1.372.500m².

Guilherme, o irmão mais novo, tendo-se casado com Maria Casoti em 1894 em Santa Teresa teve doze filhos. Depois da divisão da fazenda Guilherme empreendeu a construção de um sobrado de aparência aristocrática, em substituição à antiga casa de estuque. Construído depois de 1910 teve como construtor a João Plotegher (um dos trentinos por ele trazido em 1897?). Em fotos da época ainda são visíveis as ruínas da primitiva casa de estuque atrás do sobrado. Os informantes do Cônsul Rizzetto eram unânimes ao afirmar que os únicos a estar bem de vida na região eram os irmãos Battisti.

Começa uma era de prosperidade. Além de movimentar o alambique e a máquina de pilar café, tinha a casa de comércio. Muitas de suas iniciativas perduram até os dias atuais. Foi juiz distrital em 1908. Em 1910 construiu a escola de primeira entraça cujo primeiro professor foi Joaquim de Azevedo Araponga. Mais tarde notabilizou-se o professor Odorífico dos Santos. Em 1913 Guilherme criou a banda de música “Lira Triunfense”, na qual também ele tocava. Em 1915 fundou o time de futebol “O Camponês”. Em 1917 construiu a estrada que liga Barra do Triunfo a Acioli. Foi um dos construtores da usina elétrica em 1922. Comprou o primeiro automóvel na década de 30. Juntamente com seus parentes e amigos impunha-se com uma autoridade moral indiscutível na resolução de conflitos e na pacificação dos ânimos. Guilherme faleceu no dia 27 de setembro de 1941 com 67 anos.


7. Atualidade: os laços de família

Barra do Triunfo se originou da família Battisti cercada por uma população de imigrantes vênetos, tiroleses e muitos cearenses que eram mais de trinta famílias só no Rio Triunfo. A população local, hoje, mantém linhas diretas de parentesco. Continua uma tradição que já existiu nos começos.

Embora Giuseppe fosse trentino, sua mulher Teresa Pissinati era de Cordignano e, portanto, vêneto-trevisana. O pai de Teresa, Giuseppe Pizzinat foi um dos fundadores de Ibiraçu. Chegou na primeira turma no navio Colúmbia com a mulher Lucia Fiorot e as filhas Giovanna, Regina, Luigia, Teresa, e Antonia.

A família Pizzinat vai marcar presença na nova frente pioneira de ocupação por meio dos seus maridos. Poucos percebem que João Schmitdberger foi casado com Giovanna e se estabeleceu nos lotes 16 e 18 do rio Ubás. Giovanni Soneghet casou-se com Regina e morava no lote 51 do rio Triunfo. Giovanni Polese casou-se com Luigia e ocupava a colônia ao lado do Schmidtberger. Antonio Polese casou-se com Antonia. Assim, todas as cinco irmãs eram vizinhas, criando-se um verdadeiro matriarcado. Os homens, apesar de nomes e procedências diferentes, eram os que mantinham os nomes de família numa linha patrilinear. Quando as mulheres se casavam, perdiam o sobrenome do pai e, em compensação entravam na herança do marido que devia ser possuidor de terras. Exemplo típico desta condição é o caso da família de Giovanni Battisti. Com sua morte, a herança das terras passou automaticamente para a mulher e filhos. O que se quer dizer é que o agrupamento destas famílias em Barra do Triunfo tinha uma explicação na irmandade das mulheres da família Pizzinat.

Havia outras razões, é claro, para que os imigrantes escolhessem suas terras e, portanto, seu modo de vida. A presença de Luigi Varnier na fazenda não se explica apenas porque era um bom marceneiro que ensinava aos novos a sua profissão. Ele era velho conhecido e conterrâneo dos Pizzinat, Fiorot e mais cem moradores do grupo inicial de Ibiraçu, formado de imigrantes de Cordignano, Treviso. A sedimentação dos costumes tinha procedência numa forte trama de laços de sangue que continua até hoje em Barra do Triunfo. Pouco se tem falado sobre o regime de matriarcado de nossas “nonnas”.

Forte laços de família permanecem na atualidade em crescente complexidade. Muitas famílias foram embora por causa da erradicação do café promovida pelo Governo Federal na década de 60. Outras permaneceram sem jamais abandonar sua terra. Assim são os Battisti, Casoti, Cecato, Marinot, Vacari, Fornaciari, Botan, Pellizzon, Zuccolotto, Varnier, Polese, Favarato, Marim, Busato, Mazzolini, Bortolini, Vazzoler, Mazzega, Arten Giacomin, Dalla Barba, Costa e tantas outras. Também devem ser lembradas famílias de nacionais como Barcelos, Miranda, Landolfo, Teixeira, Dos Santos, Souza, Lemos, Barbosa, Rodrigues, Aguiar e outras mais. Elas fazem a saga da imigração italiana no Espírito Santo. Deve-se lembrar que é impossível contar a história de uma só família porque ela se inclui num grupo social maior de um povo. Aí então é mais fácil falar dos múltiplos aspectos da sua existência e de sua presença num país, com identidade própria, com estas marcas de comportamento que servem de assunto tanto para obras de arte como para a conversa do dia a dia. Tradição e família são duas características marcantes da cultura italiana e sobretudo dos vênetos. Os descendentes destes pioneiros andam sequiosos à procura de informações sobre eles, porque buscar raízes é hoje, no Espírito Santo, uma busca da própria identidade.

[BUSATTO, Luiz. Estudos sobre imigração italiana no Espírito Santo. Vitória, 2002. Reunião de artigos relacionados com imigração italiana, publicados em diversos periódicos. Reprodução autorizada pelo autor.]

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© 2002 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
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Luiz Busatto nasceu em Ibiraçu-ES, em 1937. Graduado em Letras, com cursos de especialização em Portugal (Teoria da Literatura e História da Literatura Portuguesa), na Itália (Filosofia), mestrado em Letras pela PUC/RJ e doutorado na mesma área pela UFRJ. Professor da Ufes e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Colatina (1969-1983). É membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e da Academia Espírito-santense de Letras. Foi presidente do Conselho Estadual de Cultura (1993/4) e vice-presidente (1986/7). Tem várias obras publicadas, sendo um estudioso da imigração italiana. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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