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Capítulo XIX

Os orçamentos. Contribuições social e econômica. Adendas. Algumas canções. Nossa Senhora de Caravaggio.
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Durante a monarquia os orçamentos provinciais se compunham de duas rubricas: a Provincial propriamente dita e a da União. Em 1888 a primeira foi estimada em 431:150$500 e a segunda em 305:867$618. A despesa absorveu toda a parcela da Provincial e a da União sofreu um déficit de 152:637$314, 49% do previsto!

No exercício seguinte, ano da proclamação da república, a receita conjunta atingiu 636:765$000, na qual o café contribuiu com 500:000$000, o equivalente ao tributo de 1$800 sobre a safra de 277.780 sacas.

Esse informe, colhido nas estatísticas oficiais, focaliza a influência da colonização no cultivo do café e, conseqüentemente, no acréscimo da receita da província, pois, no advento da entrada dos estrangeiros, a arrecadação fiscal mal atingia a cifra dos duzentos contos anuais. Ao findar do século passado estimava-se o contingente italiano entre 40 e 50 mil indivíduos, em torno de 40% da população do Estado.

Com a proclamação da república, a província passou a se chamar Estado e ganhou autonomia política e financeira.

Como as terras passaram a constituir o patrimônio do Estado, as colônias ou núcleos coloniais foram automaticamente transferidos à soberania estadual.

Se a monarquia foi deficiente na assistência aos imigrantes, é fácil compreender o embaraço de que as mesmas se ressentiram ao passar de um senhor rico para um protetor pobre.

Não obstante, o primeiro presidente constitucional, José de Melo Carvalho Muniz Freire, empossado em 1892, entusiasmado pelo resultado da colonização estrangeira, contratou com Domenico Giffori a vinda de 20.000 agricultores italianos. Muniz Freire, baseado no crescimento vertiginoso da receita do Estado e beneficiado pelo crédito que encontrou com os banqueiros franceses, lançou um vasto programa de governo, porém de planejamento pouco realista.

O Departamento de Terras e Colonização escolheu, para localizar o novo contingente imigratório, as terras quentes, baixas e pantanosas das contravertentes do Piraquê, em demanda das margens do rio Doce, lagoa do Limão e adjacências, sujeitas ao impaludismo, beribéri e opilação. Foi o cemitério dos últimos italianos chegados. A hecatombe, como disse Guidetti, representante consular em Pau Gigante, ao enviado especial do governo italiano, em 1901.

Assim fracassou o núcleo Muniz Freire, cuja repercussão, com as demais queixas do tratamento dispensado aos italianos, chegou às autoridades do reino da Itália, resultando no célebre decreto do ministro das Relações Exteriores.

Prinetti, pelo decreto de 20 de julho de 1895, proibiu a imigração italiana para o Espírito Santo. A medida extrema se fundava em velhas reclamações que se acumulavam ano a ano: a extorsão dos fornecedores, a má localização de muitas famílias, o atraso nos pagamentos das diárias e, finalmente, o malogro da colônia Muniz Freire, resultante das mortíferas epidemias do seu território. Com esta medida termina a imigração contratada e subvencionada.

Torna-se praticamente nula a vinda de agricultores. As poucas famílias que vieram depois desse incidente diplomático fizeram-no a chamado de parentes que aqui residiam e sem contar com a ajuda oficial. Algumas dessas famílias vieram também de outras regiões do Brasil.

Para que se possa fazer um juízo crítico do resultado da imigração, do impulso impresso ao desenvolvimento agrícola do Estado, analise-se o quadro estatístico dos vinte primeiros anos de governo constitucional do Estado e ter-se-á a imagem real da contribuição dos imigrantes. Pode-se também aquilatar, pelas bruscas variações do preço do café, o sacrifício ingente dos colonos que não haviam constituído patrimônio básico e, por motivos óbvios, não cultivavam produtos de subsistência.

Toda a atividade do colono se concentrava na obtenção de dinheiro. Distantes dos centros de consumo, era lógico que se dedicassem exclusivamente ao café, capaz de suportar o frete de tropa por dezenas de léguas até aos pólos fluviais ou marítimos.

Imprevidência, aliás, que custou anos de amargura, pois, quando o preço do café baixou além do custo de seu cultivo e frete, os colonos tiveram que adquirir os gêneros alimentícios sob garantia hipotecária aos negociantes, na maioria onzenários e desumanos.

A miséria aniquilou noventa por cento desses colonos, daqueles que não tiveram a temperança da formiga e se assemelharam à cigarra da fábula.

Este demonstrativo estatístico é trágica advertência à monocultura do café, da qual nem o colono nem o Estado se libertaram senão tardiamente.

A cotação do café, no quadro da página seguinte, como é sabido, é o preço oficial obtido pelo exportador na praça de Vitória. Imagina-se o que terá sobrado ao produtor, em 1906!

Observe-se o aumento da produção: em 1862 Costa Pereira menciona 56.000 sacos. Em 1900, 394.150; doze anos depois, 568.160. São dados eloquentes do trabalho dos colonos.

Contribuição social e econômica

Espiritualmente, os italianos contribuíram para a renovação da fé católica, difundindo devoções, erigindo capelas e igrejas, educando seus filhos no amor de Deus e no respeito à família.

Quadro demonstrativo da receita do Estado, produção e preço do café nos 20 anos, primeiros da República



Ano
Receita
Saco café
Preço médio
Governos
1892
3.1881:450$000
277.760
13$740
Muniz Freire
1893
3.186:138$300
362.700
18$890
 
1894
4.489:042$600
387.610
18$420
 
1895
4.669:417$100
410.510
19$200
 
1896
3.875:021$400
419.220
14$810
Muniz Freire / Graciano Neves
1897
4.170:324$700
579.850
12$310
Graciano Neves / José Marcelino
1898
3.660:755$600
557.500
11$140
 
1899
3.130:592$200
456.320
10$660
 
1900
2.926:282$000
394.150
11$030
José Marcelino / Muniz Freire
1901
2.496:312$100
428.650
7$070
 
1902
2.801:585$200
643.720
6$680
 
1903
2.214:985$500
657.880
6$670
 
1904
2.365:466$400
607.130
6$420
Muniz Freire / Henrique Coutinho
1905
2.471:986$100
588.800
6$200
 
1906
2.442.770$400
589.790
2$250
 
1907
2.444:862$200
747.600
5$560
 
1908
2.405:053$400
708.350
5$210
H.Coutinho / Jerônimo Monteiro
1909
2.663:900$600
416.120
7$310
 
1910
3.162:841$900
407.970
7$490
 
1911
4.756:158$600
483.000
11$900
 
1912
5.397:196$300
568.160
13$000
Jerônimo Monteiro / Marcondes
(Quadro anexo à mensagem do presidente Dr. Bernardino de Souza Monteiro em 12.10.1919. Para facilidade arredondei os milésimos dos quantitativos. I.D.)

Não tiveram preconceitos raciais. Irmanaram-se desde o início com os brasileiros, adotaram muitos de seus costumes e difundiram os próprios hábitos ancestrais. Deram nova dimensão à vida rural, com métodos e disciplina de trabalho que aos poucos serviram de exemplos benéficos.

A contribuição demográfica foi decisiva para o progresso econômico do Estado. Não há unanimidade quanto ao número de imigrantes italianos entrados nos primeiros 17 anos de vigência do convênio. Mas, pelas indagações que fizemos, podemos estimar a média de 2.700 indivíduos por ano, o que nos leva a admitir a respeitável contribuição de 45.900 habitantes, ou seja, 33% da população recenseada em 1890, que foi de 135.998 almas.

No censo de 1920, o Estado tinha 268.384 hectares cultivados, dos quais os italianos eram senhores de 160.422, uma área em torno de 60% do total.

Indubitavelmente a imigração italiana foi a alavanca que venceu a inércia tricentenária do Espírito Santo. Rejuvenesceu a raça, incrementou a riqueza, concorreu galhardamente para que nos orgulhemos do sacrifício de nossos maiores.

Conclusão

O martirológio por que passaram os imigrantes, notadamente os italianos, porque foram em maior número, sem a proteção direta do imperador D. Pedro II, como aconteceu aos austro-alemães, se os engrandece, pela epopéia que escreveram, fome, desconforto e abandono, confirma a pobreza da província e o descaso que lhe tributou o governo monárquico.

Nossa história pré-republicana, quer no longo período colonial, quer nos setenta e sete anos de monarquia, é um registro de apelos e de pedidos de socorro encarecidos pelos habitantes miseráveis, perseguidos, desesperançados, e que não tiveram acolhimento pelas autoridades competentes.

Dadas as características geofísicas, o coeficiente vegetativo da população foi imponderável. O homem vivia na orla marítima, onde o solo é menos fértil e o clima mais hostil.

Interiorizar-se, conquistar o sertão, era ventura irrealizável. Havia dois grandes obstáculos: o selvagem e a impenetrabilidade da floresta.

Para vencer essas barreiras era necessário o homem. O homem ambicioso, tenaz, que fosse tangido pelo imperativo da sobrevivência, que tivesse no subconsciente séculos de energia criadora e de ambição. Só o imigrante poderia realizar essa empresa, porque ele não representava o nômade, o pária, mas sim o descontente de uma civilização saturada de discórdias.

O imigrante sonha e persegue o triunfo. Sabe pagar, com abstinência e perseverança, o preço da vitória.



ADENDA

Eis algumas das canções mais cantadas pelos italianos, contribuição do comendador Walfredo Zamprogno, vice-cônsul da Itália no Espírito Santo.




NOI SIAM PARTITI

Noi siam partiti dai nostri paesi

Noi siam partiti con grande onore
Con trenta giorni di forza e vapor
Nell’America noi siamo arrivà.

Nell’America che siamo arrivati
Non abbiam trovato ne paglia ne fieno
Abbiam dormito sul solo, al sereno
Come le bestie abbiam riposà.

E con la industria dei nostri italiani
E con lo sforzo dei nostri paesani
Nel fratempo de pocchi anni
Abbiam formato Paesi e Città.

IL MAZZOLIN DI FIORI 

Quel mazzolin di fiori…
Che vien dalla montagna…
E bada ben che non si bagna
Che lo voglio regalar.

Lo voglio regalare
Perchè l’é um bel mazzetto
Lo voglio dare al mio moretto
Questa sera quando ‘l vien…

Stassera quando ‘l viene…
Sará una brutta sera
E perche sabato sera…
Non l’é vegnú da mé…

Non l’é vegnú da mé…
L’é andá dalla Rosina!
E perche mi son poverina
Mi fá piangere e sospirar.
Ciomba lalilalela eviva l’amore.

HO GIRATO L’ITALIA E’L TIROL

Ho girato l’Italia e’l Tirol
Sol per trovare una verginella
Ciomba lalilalela eviva l’amor!

La verginella non posso trovar
Solo mi basta che la sia bella
Ciomba falilalela eviva l’amore!
Eviva l’amore e chi lo sà far
Che belle giovane da maridar.

* * *

Lindas melodias, principalmente acompanhadas por concertinas e vozes molhadas por bom vinho tinto. A duas vozes, naturalmente masculinas e femininas, as biondas não podem faltar.

NOSSA SENHORA DE CARAVAGGIO — Festa a 26 de maio

Sua História

No começo do século XV vivia em Caravaggio, diocese de Cremona, a 80 km de Milão, uma piedosa jovem, Gianetta Vacchi, muito devota de Nossa Senhora. Casou-se, obrigada pela família, com Francesco Varoli. Mau marido, maltratava e batia na esposa. Esta sofria pacientemente, porém orava sempre a Nossa Senhora. No dia 26 de maio de 1432 o cruel marido agrediu mais ferozmente a pobre Gianetta, mandando-a cortar feno em um campo a légua de distância. Quando declinava o dia, Gianetta percebeu que não poderia carregar sozinha todo o feno cortado. Atemorizada com o que lhe poderia acontecer chegando em casa, volveu os olhos para o céu e exclamou: “Oh! Senhora caríssima, ajudai-me, só de vós posso esperar socorro!” É quando lhe aparece uma senhora de aspecto nobre e venerando, porte belo e majestoso, com a cabeça coberta po um véu branco. “Oh! Senhora minha Santíssima!” exclamou Gianetta. “Sim, eu sou tua Senhora,” replica Maria. “Tuas súplicas foram por mim levadas ao meu divino Filho.” O resto se imagina. Não se pode descrever. A primeira pedra da igreja nesse local foi lançada a 31 de julho desse ano. Hoje é um majestoso santuário. No Brasil, em Canelas, no Rio Grande do Sul, há uma bela igreja construída em basalto pelos cremoneses com essa invocação de S. S. Virgem. No Espírito Santo conheço duas pequenas capelas: uma no Limoeiro, na propriedade de João Scárdua, outra no vale do rio Benevente, próximo a Matilde.

UMA FAMÍLIA ILUSTRE: OS MONJARDIM

Entre a comunidade ítalo-brasileira, tem destacada projeção a família Poli Monjardim, pela sua dupla nobreza genealógica.

Seria uma circunstância toda fortuita se a história política do Espírito Santo, desde o último quarto do século dezoito, não tivesse sofrido forte influência dessa família.

Não obstante o prenome do primeiro representante da estirpe ser nitidamente italiano, veio de Portugal como autoridade reinol, por volta de 1780, a comandar o forte de São Francisco Xavier (Pirapetinga), com a patente de capitão-mor. Inácio João Monggiardino, como se assinava o homem de armas da era pombalina, era descendente direto de família de navegantes genoveses radicada nos Açores. Em 1782, as crônicas da capitania registram-no como capitão-mor da mesma. Toma posse em 29 de maio. Os arquivos acusam abundante correspondência do zeloso e enérgico mandatário ao governo da Bahia, a que estava subordinada a capitania do Espírito Santo. A correspondência de 11 de julho de 1790 é muito significativa: radiografa com exatidão o estado lamentável da terra de Vasco Coutinho. Governou em vários interregnos. Transferiu o mandato ao discutível Silva Pontes, e depois substituiu Albuquerque Tovar (1810) e se afastou definitivamente com a posse de Francisco Alberto Rubim em 1812.

Lamego diz que foi autoritário e vingativo. Quem não o foi, com os exemplos da corte, com a reviravolta da ascensão de D. Maria I, quando todos clamavam contra a ditadura do marquês de Pombal deposto?

Pelos bons serviços prestados e por contar mais de oitenta anos de idade, foi o capitão promovido a coronel.

Seu filho, José Francisco de Andrade Almeida Monjardim, o célebre coronel Monjardim, com o nome aportuguesado, em 1822 já era capitão, sendo eleito membro da junta governativa e credenciado para representar a província na coroação de D. Pedro I. Lá estava ele: garboso, no painel de Debret, carregando o pálio imperial. José Francisco fez carreira política e militar. Foi deputado provincial, vice-governador e governador inúmeras vezes. Foi um dos acompanhantes de D. Pedro II quando, em 1860, este visitou o Espírito Santo, divertindo sua majestade com suas “petas”.

Longevo como seu pai, acompanhou a carreira política e administrativa de seu filho, Alfeu Adelfo Monjardim de Andrade e Almeida, elevado a barão em 1889. Não atinamos com a inversão do sobrenome. A família Monjardim gozou de amplo prestígio no correr do século passado, o que se prolongou por toda a primeira metade do que se escoa. Quando da proclamação da república, os adeptos do novo credo político, em controvérsias irreconciliáveis, acharam denominador comum na pessoa do barão para primeiro presidente constitucional. Todos os seus filhos gozaram de gerais simpatias e prestígio social. O bacharel José Francisco foi deputado à constituinte nacional, jornalista e tribuno de fôlego.

Argeu, vice-presidente do Estado e diretor do Banco do Espírito Santo. Manoel Silvino, médico humanitário, deputado e senador. De segundo matrimônio com Beatrice Poli, renovou-se o generoso sangue italiano nesta notável e privilegiada família.

“O conde Bartolomeu Poli, tendo-se arruinado com as lutas da unificação do reino da Itália, imigrou com toda a família para o Brasil, localizando-se em São Paulo, não permanecendo nesse Estado por motivo de saúde.

“Vindo depois para o Espírito Santo, estabeleceu-se em Pau Gigante e posteriormente em Vitória, onde faleceu com toda a família, disseminada pela febre amarela, com exceção da filha Beatrice. Era natural de Veneza, tendo seu nome inscrito no livro de ouro da cidade como membro da aristocracia veneziana.

Era casado com Florenza Bataglia Poli, havendo do matrimônio os seguintes filhos: Catarina Poli, Del Antonio, Cristóvão, Jerônimo e Beatrice, que veio a se casar com o barão de Monjardim.

“Deste consórcio houve seis filhos, três de cada sexo.[ 38 ] Distinguem-se nessa descendência, particularmente, Américo Poli Monjardim e o comendador Adelpho, irmão mais moço. Américo, recentemente falecido em idade provecta, na cidade do Rio de Janeiro, uma semana antes de seu passamento me forneceu os informes em destaque. Foi clínico de grande merecimento e de muito conceito social, sólida cultura e esmerada educação. Por duas vezes governou sua cidade natal: Vitória. Na estreiteza de recursos, administrou com sabedoria, justiça e simpatia incontestáveis. Trouxe a cidade limpa, jardins floridos, renumerou as ruas pelo sistema decimal, completou a denominação dos logradouros públicos com nomes representativos da história e geografia estadual. Fomentou a cultura capixaba instituindo prêmios aos trabalhos literários. Mandou construir a estrada contornando a periferia da ilha, de Santo Antônio a Maruípe, obra projetada por este signatário e executada pelo empreiteiro Serafim Derenzi, cujo nome foi dado à estrada pela Câmara Municipal.

“O bacharel Adelpho Poli Monjardim, membro do IHGES e da Academia Espírito-santense de Letras, alia raras qualidades: é escritor, romancista, historiador de nome internacional condecorado pelo Exército Brasileiro e pelo governo italiano. É dono de sólida cultura clássica e política. Não obstante seu pendor pelas belas letras, por duas vezes foi eleito prefeito de Vitória, onde se situou entre os administradores de escol. Como seu ilustre pai, que foi o primeiro presidente constitucional na implantação da república, Adelpho foi o primeiro prefeito eleito pelo povo. Ocupou também a tribuna do legislativo Estadual. É baluarte da linha dos fundadores do Clube Ítalo-Brasileiro. Seu irmão Áureo, industrial, reside no Rio de Janeiro. Tem três irmãs viúvas cujos filhos desfrutam prestígio social.”

IÚNA E MUNIZ FREIRE
VIVACQUA-LOFEGO DE BIASE

Nas regiões não ocupadas por correntes imigratórias, famílias italianas pouco penetraram. Contudo, já em fins de 1870, um certo Lacerda Amigo era encontrado com propriedade e negócio em Rio Pardo, hoje Iúna, entendendo-se com fazendeiros, raros embora, nessa zona fronteiriça com o Estado de Minas Gerais. Apesar de ser uma região montanhosa, suas terras eram férteis, de matas soberbas e clima saudável.

Lacerda Amigo, em negócios no Rio de Janeiro, encontrou-se com conterrâneos recém-vindos da Itália, da mesma província e cidade: os Vivacqua, da Basilicata, da minúscula cidade de Castellucio Superiore. Essa família imigrou por questões de política e seqüestro. Induzido pelas referências e pelo convite alviçareiro de Lacerda Amigo, Giuseppe o acompanhou. Viera “fazer a América”, segundo sua expressão, para se quitar dos prejuízos sofridos. Gostou de Rio Pardo e oito anos depois mandou buscar a família: esposa de segundas núpcias, Margarida Millione, Domingos, filho do primeiro casamento, e seus meios irmãos Egídio, Braz, Antônio, Giuseppe (Pepinos) e Filomena. Em Iúna a prole cresceu com Manuel, Maria Angela e Pedro. Por influência desse patriarca, da mesma cidade e para a mesma vila de Rio Pardo vieram logo depois os Lofegos e os De Biase.

Entrelaçaram-se. Domingos casou-se com uma Lofego e Pietrangelo Debiase com Maria Angela (Mariarcangela). Prosperaram rapidamente com tropas e comércio e se estenderam por Muniz Freire, Castelo, Vitória e Rio de Janeiro. Filomena casou-se com filho de fluminense, fazendeiro abastado, dando origem à família Vivacqua Vieira, cujos representantes principais são o industrial Átila e o engenheiro Manuel Vivacqua Vieira. A família conta centenas de membros e o saudoso advogado e senador Atílio Vivacqua, filho de Antônio, foi o seu mas conspícuo representante.

MUQUI

Ao tempo da recolonização empreendida pelos italianos, Muqui, distrito de Cachoeiro de Itapemirim, era trabalhado por uma série de fazendeiros, possuidores de muitos alqueires de boas terras.

Atraiu, naturalmente, colonos italianos, no começo como meeiros e depois como proprietários e comerciantes. Eis alguns nomes que se devem registrar: Rabalduci, Bighi, Belero, Roncasi, Tedoldi, Rigoni, Stefanoto, Brioschi, Sechim, Casadei, Bissoli, que foram agricultores. No comércio, estabeleceram-se Del Core, Rizzo, Siano, Curcio, Finamore, Lofego, Regatieri, Volpini e Caetano.

Entre estes se destacaram, como representantes da segunda geração, Mileto Rizzo, médico, poeta e político; Vicente Caetano, jurista e desembargador; Rômulo Finamore, bacharel, jurista, desembargador; Isabel Curcio, artista; e o eminente historiador Levi Rocha.

* * *

Síntese do memorial elaborado pelo meu prezado amigo, o filólogo, jurista e desembargador Fortunato Ribeiro.

Tosi Antonio

Tosi Antonio, sua esposa Luiza Vechieto e filho Vicenzo chegaram no fim do século passado com destino a São Mateus, onde não se adaptaram. Vieram para Vitória. Tanto ele como Vicenzo eram formados em Direito pela Universidade de Padova. Mas ou por não poderem advogar ou, talvez, por modéstia, se dedicaram ao serviço de contabilidade, empregando-se em várias firmas comerciais de patrícios seus.

Após o falecimento do pai, Vicenzo guardou o anonimato. Foi guarda-livros de Nicoletti & Cia por muitos anos.

É a surpresa que a professora Rita Tosi Quintais nos revela. E assim, muitos letrados e artistas, desviados de suas profissões, por falta de oportunidade, passaram desapercebidos.

Família Modenese 

Ibiraçu. Modenese é o segunda à esquerda. Fotógrafo não identificado.
Ibiraçu. Modenese é o segunda à esquerda.
Fotógrafo não identificado.

Francesco Modenese chegou ao Espírito Santo em 1886. Veio de Modena, província de Emília. Desembarcou em Santa Cruz e foi levado para Alto Bergamo, município de Ibiraçu. Casou-se com Judith Dell Piero, que habitou Pendanga. Tinha estudos. Liderou os companheiros e se fez político.

Dos seus dois irmãos, um foi para Viana e o outro ficou em Pau Gigante. Prosperou. Fidalgo, alegre, filantropo. Sua família remonta aos duques de Modena, de onde lhe vem o sobrenome. O casal Modenese teve os seguintes filhos: Fioravante, Florina, Terezinha, Hermínia, Angelina, Rezieri, Aquiles, Yolanda e Helena. Foi o primeiro industrial de Pau Gigante, com fábrica de cerveja de grande aceitação.

Pau Gigante, hoje Ibiraçu. Modenese é o segundo da esquerda. Fotógrafo não identificado.

Sua filha Hermínia, tipo de beleza, foi provavelmente a primeira filha de imgrante a se diplomar professora normalista. Depois de casada com Mario Seve Wanderley, cursou a Faculdade de Direito juntamente com o marido, bacharelando-se com brilhantismo. A família Modenese é tronco de ilustre descendência.

(Bozze di stampa riservate)

R. COMMISSARIATO DELL’EMIGRAZIONE
CONDIZIONI DEI COLONI ITALIANI
NEGLI STATI
DI SPIRITO SANTO E DI MINAS GERAES
(BRASILE) 
RELAZIONI DEL DOTT. ARRIGO DE ZETTIRY
ROMA
Tipografia Nazionale di G. Bertero E. C.
Via Umbria
1902

AS CAUSAS DA PROIBIÇÃO DA IMIGRAÇÃO PARA O ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

A imigração italiana para o Espírito Santo foi suspensa pelo decreto de 20 de julho de 1895 do governo italiano. O ato do governo italiano teve por causa principal o relatório apresentado pelo cônsul da Itália no Espírito Santo, Carlos Nogar, que se fundamentava nas seguintes razões principais:

a) Deficiência dos meios de transporte para os imigrantes da Hospedaria Central aos núcleos coloniais;
b) Barracões distritais infectos e apertados, com aglomeração, sem distinção de idade nem de sexo, de centenas de pessoas durante muitos meses e algumas vezes anos, à espera da medição dos seus lotes;
c) Demora excessiva na medição e divisão dos terrenos;
d) Alimentação escassa, má e a preços exorbitantes;
e) Pagamento em bônus, em vez de dinheiro, e demora destes pagamentos;
f) Abusos de polícia e justiça tardia, custosa e incerta;
g) Insalubridade do clima nos pontos destinados aos núcleos coloniais;
h) Deficiência do serviço médico, do serviço postal, de vias de comunicação, de escolas etc.;
i) Remuneração pouco lucrativa aos colonos em relação ao trabalho, perigos, incômodos e ao preço elevado dos víveres.

Uma vez publicado em folheto, foi o relatório do cônsul Nagar largamente difundido na Itália, maculando seriamente a reputação do Estado e a do Brasil. Achava-se na presidência do Estado do Espírito Santo o ilustrado J. de M. C. Muniz Freire, que no seu relatório manifesta-se a respeito:

Devo reconhecer que há algum fundamento nas três primeiras acusações, mas todas as outras não resistem à mais ligeira análise. Efetivamente nunca se conseguiu organizar até hoje um serviço regular de transporte entre os diversos pontos marítimos do Estado e os núcleos coloniais do interior, esse serviço foi sempre feito por contrato e raros têm sido os contratantes escrupulosos na sua execução. O Estado paga para o imigrante ser bem tratado, mas em regra ele é apenas explorado; demoram-no no porto para aumentar o ônus dos cofres, mas dão-lhe má hospedagem, má condução e mau alimento até o núcleo. Os barracões distritais em geral não são bons, e as demarcações têm realmente demorado, algumas vezes a designação de lotes dos recém-chegados; mas estes dois inconvenientes não têm a gravidade que se poderia supor. Em primeiro lugar não há aglomeração de um tão grande número de pessoas, nem a promiscuidade que se alega; e depois, a não ser no rio Doce, onde todos os núcleos são novos, é raro os imigrantes ficarem nos barracões: todos eles são imediatamente atraídos pelos grandes e pequenos lavradores dos arredores, e vão trabalhar nas lavouras existentes; a maior parte mesmo prefere conservar-se nas lavouras, enquanto prepara as suas, a ir trabalhar nas estradas que o Estado mandou abrir para dar-lhes os meios de subsistência. Além disso, a demora nos barracões é ato voluntário do imigrante, porque, apenas ele chega, o Estado dá-lhe o necessário adiantamento para a construção da sua habitação provisória no lote que lhe é designado. A demora na medição dos lotes também não tem trazido maiores vexames aos imigrantes; nos núcleos do rio Doce, onde ela seria sensível, há sempre uma grande quantidade de lotes disponíveis, mas nos outros é o próprio imigrante quem retarda a sua localização, seduzido pelas facilidades que encontra nos serviços de parceria que os lavradores proporcionam. Uma ou outra vez têm aparecido reclamações contra a impontualidade das comissões, e ainda ultimamente recebi uma do consulado italiano relativamente à terceira; porém, se alguém pode considerar-se com isso prejudicado é o Estado, que paga esse pessoal e nem sempre é bem correspondido por ele no cumprimento rigoroso do dever.

BREVE NOTIZIA DESCRITTIVA DELLA PROVINCIA DELLO SPIRITO SANTO
(Mandadas publicar e distribuídas na Itália pelo Ministério da Agricultura)

Prima di occuparei colia notizia descrittiva della Provincia dello Spirito Santo, diremo qualche parola concernente l’organizzazione delle due piante che accompagnano questa notizia, procurando così rendere più comprensibili, tanto una che l’altra, per coloro che non visitarano mai quella Provincia, e che non ne conoscono la sua posizione geografica, il suo aspetto fisico, la sua estensione, il suo clima, la sua fertilita, la sua ricchezza minerale e vegetale, in somma lo stato attuale di sviluppo e progredimento della sua popolazione, del suo commercio, della sua industria e agricoltura.

L’Ispettoria Generale delle Terre e Colonizzazione, in vista della insufficenza e imperfezione dei Mappa della Provincia dello Spirito Santo finora pubblicati, resolvette organizzare le due piante topografiche che accompagnano la presente notizia, facendo uso degli elementi esistenti nel suo archivo, presentati dalle commissioni d’ingegneri che si occuparono delle misurazioni di terre ed altri lavori di quella Provincia.

Competentemente autorizzata dal Ministro d’Agricoltura, Commercio ed Opere Publiche, detta Ispettoria Generale le fece pubblicare collo scopo principalmente di renderne meglio conosciute dagli europei, si che dirigono al Brasile per stabilirvisi nell’agricoltura, le ricchezze naturali ed i vantaggi che ne possono ritrarre.

Perchè potessero essere più facilmente maneggiate, fu adottata per ciascuna una scala propria a raggiungere tale desideratum. Così è che la pianta rappresentando tutta la Provincia è ordinata colla scala di 1 – 500,000 metri, e colla scala di 1 – 250,000 metri quella che comprende la parte della provincia dove si trovano stabilite le colonie.

Nella prima di quelle due piante, oltre esservi rappresentate tutte le città, ville, borghi e tutti gli accidenti naturali, ha pure segnalate le linee telegrafiche terrestri e quelle di navigazione marittima.

DESCRIPTION ABRÉGÉE DE LA PROVINCE D’ESPIRITO SANTO

Nous commencerons par dire quelques mots sur l’organisation des deux plans auxquels nous ajoutons cette notice, afin de la mieux faire connaître à ceux qui n’ont jamais vu cette province, et ne connaissent pas sa position geographique, son aspect physique, son extension, son climat, sa fertilíté, sa richesse minérale et végetale, enfin, l’état actuel du developpement de sa population, son commerce, son industrie, et son agriculture.

L’inspection générale des terres et colonisation, vu l’imperfection et le peu de cartes publiées jusqu’aujourd’ hui, a ordonné l’organisation des deux plans topographiques qui accompagnent cette notice, se servant des éléments qui existent dans ses archives, presentés par les commissions d’ingénieurs qui se sont occupés de mesurages et autres travaux dans la province d’Espírito Santo.

Autorisé par le ministre de l’agriculture, commerce et travaux publics, ce travail a été publié, afin de rendre plus connues aux Européens les richesses naturelles et les avantages qu’ils peuvent rencontrer en venant s’établir dans cette province.

Afin que ces cartes puissent être facilement maniées, on a adopté pour chacune, des échelles pouvant satisfaire ce desidératum. C’est ainsi que le plan qui représente toute la provínce est fait à l’échelle de 1 – 500,000 mètres; et à léchelle de 1 – 250,000 mètres celui qui comprend la partie de la province, où sont établies le colonies.

Le premier de ces plans, en outre de toutes les villes, villages, bourgs, et accidents naturels, présente les lignes télégraphiques terrestres, et celles de navigation maritime.

Dans ce même plan, on désigne le temps que les bateaux à vapeur emploient d’un port à l’autre, depuis Rio de Janeiro jusqu’à S. Matheos.

Sur ces plans sont également tracées toutes les routes, incluse la voie ferrée, projetée depuis la ville de Victoria, jusqu’à proximité du bourg nommé Porto de Souza, qui est situé à peu de distance des bords de la rivière Doce.

MATTEO BRUZZO

Foi a 7 de fevereiro do ano de 1894. De âncoras arriadas, beijando o fundo desta nossa encantadora baía, o grande transatlântico de La Veloce, o Matteo Bruzzo, descansava no recanto fronteiro à bela vivenda da família Neto, próximo ao Penedo.

Cinco para seis horas da tarde. Tarde azul, límpida, ainda banhada de luz, cujo astro já se escondia, entretanto, por trás das serranias.

Forasteiro ainda na terra onde chegara havia cinco dias, dali, do Eden-Parque, onde está plantado hoje o Glória, só eu contemplava, surpreso, um dos belos aspectos da nossa natureza, desta filha da Guanabara.

Atracado ao costado do navio italiano, um grande saveiro recebia uma leva de imigrantes procedentes da bela Itália.

Coalhado o tombadilho da embarcação de pessoas de ambos os sexos e de todas as idades, soltas as amarras que a prendiam ao paquete, um rebocador começou a arrastá-la para Hospedaria de Imigrantes da Pedra d’Água, convertida há alguns anos em penitenciária.

A cidade de Vitória era, a esse tempo, com uma população de 12.000 almas, uma quase aldeia, confrontada com a de hoje, com seus quase 40.000 habitantes.

Silenciosa, triste, monótona. Não se ouvia então nem o ruído das rodas de uma carroça sobre o calçamento, onde este havia.

Era, talvez, o som dos sinos das igrejas, o único eco, levando aos fiéis, naquele instante, que jamais esqueci, o aviso da hora do Angelus, o também único ruído que se espalhava até longe, perturbando aquele sossego dos nossos velhos centros de vida de outrora.

Aquela gente que chegava à nossa terra para arrancar de seu seio essa formidável riqueza, que se lhe deve quase toda, sentia, naquele momento, a dor cruciante da saudade, ao afastar-se do costado do navio que a expatriou, um pedaço, que este era mesmo, da sua querida pátria distante.

Foi então, naquele silêncio daquela tarde morna, taciturna e triste para mim, ainda sob o peso da saudade da terra natal, que eu assisti ao espetáculo mais emocionante da despedida.

Quando o grande saveiro serenamente se afastava, distanciando-se do grande barco, em cuja popa tremulava a bandeira tricolor, da boca daquela gente aventureira, de pé, no tombadilho do saveiro, que arrancava o último pedaço da pátria, partiram pelo espaço afora centenas de vozes harmoniosas, num coro maravilhoso, que dominou todo o ambiente, esmagando corações, dilacerando almas, regando o rosto com contas de aljofre do pranto derradeiro.

Era o hino da pátria que eles cantavam emocionados, olhos fitos pelo subconsciente, nos píncaros dos Alpes, nas águas do Pó, no Tibre, na cratera fumegante do Vesúvio, no Vaticano, no Coliseu, em Veneza ou Nápoles, qualquer destas, o ponto de partida donde emigraram, presos por um misto de dor e esperança…

Já lá se foram 43 anos, quase meio século. Os adultos terão todos partido para a eternidade, os moços hão de ter ainda agora guardada no coração aquela cena empolgante, que se experimenta, mas que a linguagem é impotente para descrever…

Só, recém-chegado, ainda com o pensamento em alvoroço, cheio de dúvidas, incertezas, mas também de esperanças, eu assisti a tudo aquilo comovido.

Os anos e os dias passaram, outros acontecimentos, outros fatos, outras cenas e outros espetáculos se sucederam nestas quatro décadas que o tempo consumiu…

Mas aquela tocante despedida do Matteo Bruzzo, com o coro harmonioso com que aquela gente simples do campo saudava a pátria ali presente, pela bandeira tricolor do mastro ao antigo barco, jamais se apagou, não se apagará nunca do meu espírito…

Matteo Bruzzo!

Josias Soares
Vitória, 5 de dezembro de 1938.
[Transcrição de A Gazeta]

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NOTA

[ 38 ] Relato telefônico feito ao autor por Américo Poli Monjardim, justamente oito dias antes de seu falecimento.

[DERENZI, Luiz Serafim. Os italianos no Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. Reprodução autorizada pela família Avancini Derenzi.]

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Luiz Serafim Derenzi nasceu em Vitória a 20/3/1898 e faleceu no Rio a 29/4/1977. Formado em Engenharia Civil, participou de muitos projetos importantes nessa área em nosso Estado e fora dele. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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