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Colonização alemã no Espírito Santo

Venda de Karl Bullerjahn, em Santa Maria de Jetibá. [In WERNICKE, Hugo. Viagem pelas colônias alemãs do Espírito Santo. Vitória: Arquivo Público do Espírito Santo, 2013, p.107.
Venda de Karl Bullerjahn, em Santa Maria de Jetibá. [In WERNICKE, Hugo. Viagem pelas
colônias alemãs do Espírito Santo
. Vitória: Arquivo Público do Espírito Santo, 2013, p.107.

Antecedentes

Dizem os historiadores germânicos que a história dos alemães no Brasil começa com a descoberta da terra, pois sem a orientação de Mestre João (Meister Johann), Pedro Álvares Cabral dificilmente teria chegado a este país-continente.

O primeiro alemão, no entanto, que se tornou famoso no Brasil foi o hessiano Hans Staden, que permaneceu aqui de 1548 a 1555. Percorreu não só a costa, mas grande parte do interior do Brasil e quase foi devorado pelos índios, dos quais foi prisioneiro. Sobre isso escreveu um livro de título longo, mas bem sugestivo: “Estória verdadeira e descrição de uma terra de canibais selvagens, nus e ferozes, situada no novo mundo da América, desconhecido na terra de Hesse, antes e após o nascimento de Cristo…” Este livro, conhecido até hoje em sua forma simplificada, tornou famosos o autor e suas façanhas nele descritas, bem como os índios brasileiros e a terra que habitavam.

O primeiro grupo de colonos alemães chegou ao Brasil em 1818, antes, portanto, da independência. Estabeleceram-se na colônia Leopoldina, na Bahia, adotando as mesmas práticas dos portugueses e espanhóis no cultivo da terra: compraram escravos negros e tornaram-se fazendeiros abastados.

A segunda tentativa de colonização da terra com elementos não portugueses ou espanhóis foi realizada, já em 1819, com colonos suíços de fala francesa. Estes estabeleceram-se em Nova Friburgo, no atual Estado do Rio de Janeiro e tiveram muitas dificuldades de adaptação. Posteriormente, foram substituídos em parte por colonos alemães que fizeram prosperar essa colônia, deixando ali, até os dias de hoje, sua marca inconfundível.

Com a independência, o Brasil, naturalmente, deixou de receber o afluxo de portugueses para a ocupação dos extensos espaços vazios do país. Além disso, tornou-se difícil trazer escravos africanos para o serviço nas fazendas. O imperador, então, procurou colonizar a terra com agricultores e braçais livres de outros países, especialmente da Europa superpovoada. Para agradar à imperatriz, D. Leopoldina de Habsburgo, D. Pedro I deu preferência aos colonos de fala alemã: austríacos, suíços e súditos dos diversos estados alemães.

O início da imigração européia no Brasil se deu com a chegada ao Rio de Janeiro do navio holandês “Argo” a 13 de janeiro de 1824. Nele vieram 251 colonos alemães com destino a São Leopoldo, Rio Grande do Sul, e 29 homens da mesma origem para o exército brasileiro que tinha sido organizado pelo alemão Johann Heirinch Böhm, de Bremen, ainda no fim do século anterior. Esses colonos e especialmente os mercenários foram aliciados na Alemanha por um alemão, Georg Anton von Schäffer, médico, aventureiro e major da guarda pessoal de D. Pedro I, que conseguiu trazer para o Brasil uns 2.000 soldados e 5.000 colonos e artífices alemães, durante o curto reinado daquele monarca. Consta que von Schäffer, mais tarde, morreu no Espírito Santo, às margens do rio Doce, em extrema penúria.[ 1 ]

Além de instalar grandes contingentes de alemães, como colonos, nas províncias do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Rio de Janeiro, o Brasil importou muitos outros para trabalhar, como contratados, nas fazendas de café de São Paulo. Como quase todos esses empreendimentos fossem bem sucedidos, D. Pedro II quis fundar também uma colônia alemã no Espírito Santo.



Fundação da colônia de Santa Isabel

A ocupação do solo espírito-santense foi uma das mais tardias na costa brasileira. Em meados do século XIX apenas uma pequena faixa costeira tinha sido tocada pela mão do homem. O restante era mata virgem. D. Pedro II achou por bem desenvolver também esta província, que ficava justamente entre a antiga e a nova capital: Salvador e Rio de Janeiro. Fez criar a colônia de Santa Isabel, a oeste de Viana, já em território montanhoso. Viana, a primeira colônia de imigrantes na então capitania, foi fundada em 1812 por colonos das ilhas dos Açores, parte dos quais a abandonaram por causa da malária e dos ataques dos botocudos.

Como os botocudos de Viana já estivessem quase todos integrados à civilização, o governo empregou-os na abertura de picadas e na demarcação dos primeiros lotes de terra da nova Colônia de Santa Isabel. Naturalmente esse serviço estava apenas começado quando, em 1847, chegaram a Vitória os primeiros colonos alemães. Eram 38 famílias com 163 pessoas vindas de Hunsrück e Hesse, na região do Reno, na Alemanha. Enquanto aguardavam as providências para instalação nas novas terras, os alemães executaram o calçamento do largo em frente ao palácio do governo, em Vitória.

Finalmente chegou o dia da partida para seu novo “lar”. Atravessaram a baía e aí encontraram apenas uma estrada mal conservada que a maioria tinha que percorrer a pé, pois não havia animais para todos. Em Viana sentiram a recepção fria dos colonos estabelecidos e logo adiante puderam avistar os primeiros botocudos. A maior decepção, no entanto, tiveram ao chegar aos seus “prazos”. Não havia as casas prometidas e, na maioria dos casos, nem os terrenos tinham sido demarcados. Além disso, mal começaram a se instalar, os índios de Viana desapareceram na floresta. O governo provincial, temendo um ataque à colônia, mandou que os colonos alemães voltassem para Viana, sob proteção militar, até que o grupo de botocudos fosse novamente contactado e apaziguado.

Começaram então outros problemas. Os gêneros alimentícios que deveriam receber não chegavam em tempo e os colonos de Viana não queriam vendê-los a eles. Tinham que comer coisas de que nunca tinham ouvido falar na Europa: aipim, farinha de mandioca, cará, pão de milho e principalmente feijão preto e arroz. Quanto à carne, abasteciam-se de caça, o que lhes roubava muito do tempo necessário ao trabalho na lavoura.

Doenças desconhecidas, agravadas pela falta de médicos, causavam terror. Esse sentimento, aliado ao medo dos índios, das cobras venenosas e dos animais selvagens, piorava o estado de ânimo dos imigrantes. E, se a isso somarmos a saudade da terra natal, o desconhecimento da língua falada pelas pessoas que encontravam e a falta de escolas e igrejas, podemos imaginar o quadro de completa desolação e desânimo que se apossou dos imigrantes alemães nos primeiros anos. Logo de início faleceram nove pessoas, em sua maioria por problemas gástricos causados pela alimentação estranha, pelo tifo e pela malária. O clima ameno de montanha e o trabalho pesado não os faziam desanimar. Estavam acostumados a trabalhar e, por isso, aos poucos foram progredindo, principalmente quando começaram a cultivar café.

Cada família recebia pouco mais de 50 hectares de terra para seu cultivo. Mas havia aquelas que conseguiam duas e até três parcelas deste tamanho. Com isto o intercâmbio entre as diversas famílias tornou-se difícil. As distâncias e as matas ainda existentes entre as casas dos diversos colonos quase impediam a comunicação entre eles. O isolamento das famílias contribuiu para o desânimo inicial. Por isso, mais tarde, o governo destinou apenas 25 a 30 hectares para cada família e ainda exigiu que pagassem pela terra, depois de instalados.

No início, cada família recebia de 24 a 59 mil réis mensais a título de ajuda financeira, além de sementes e ferramentas. Isto fez com que alguns passassem os dias caçando ou bebendo a “cachaça” brasileira, que logo chegaram a conhecer e a apreciar.

Outro problema surgiu em seguida. Os produtos da lavoura não encontravam mercado, por falta de estradas. Ninguém comprava a produção e os colonos não possuíam animais para transportar as mercadorias pelo longo trajeto até Vitória. Uma pequena parte das colheitas era carregada nas costas até Vitória, de onde os colonos voltavam carregando da mesma forma as poucas compras que conseguiam realizar. Alguns faziam todo o longo percurso empurrando carrinhos de mão.

Consolidação da colônia de Santa Isabel

Em 1858, o administrador da Colônia, Adalbert Jahn, conseguiu pôr ordem nas coisas e os colonos começaram a prosperar. Com a solução dos principais problemas econômicos e de saúde pelo atendimento médico conseguido, os colonos principiaram lentamente a se adaptar.

Passaram então a pensar em escolas e igrejas. Queriam uma vida social semelhante àquela que levavam em sua terra natal.

Os católicos não haviam tido grandes problemas com sua prática religiosa, pois tinham a igreja em Viana, embora não conseguissem entender-se com os padres, a não ser por intermédio de intérpretes. Esse fato dificultava muito a comunicação e o conseqüente aconselhamento e orientação que os padres queriam prestar aos recém-chegados. Especialmente a juventude ficou prejudicada pela falta de escolas e de orientação religiosa. Com isso os desentendimentos entre católicos e protestantes se agravaram e dividiram a colônia. Os católicos continuaram na sede da colônia, em Santa Isabel, e os luteranos construíram sua capela no campinho mais acima, dando origem à cidade de Campinho, atual Domingos Martins.

Em 1857 os protestantes conseguiram seu primeiro pastor e professor de seus filhos, o jovem C. Held que, após breve tempo de serviço, morreu de uma doença misteriosa. Até hoje falam em envenenamento.

Sorte semelhante teve seu sucessor, H. Eger, a quem foi concedida igualmente a quantia de oitocentos mil réis ao ano, a título de gratificação, pelo imperador.

Com boa administração e renda razoável dos colonos a colônia Santa Isabel prosperou e expandiu-se com a vinda de mais colonos em 1858. A maioria destes eram franceses e trouxeram grande número de agregados. Estes, logo a seguir, conseguiram estabelecer-se por conta própria, recebendo terras como os outros.

Nos dois anos seguintes chegaram mais imigrantes alemães. A maioria era da mesma região dos pioneiros de Hesse e Hunsrück, mas havia também entre eles bávaros, prussianos e outros. Destarte, em 1860 a colônia era constituída por 628 pessoas. É interessante notar que, das 38 famílias, com 163 pessoas, chegadas a Santa Isabel em 1847, treze anos após havia 39 famílias, mas apenas 158 pessoas, de acordo com os registros oficiais de pagamento da ajuda de custos. Isso significa que nos primeiros anos a mortalidade superou os nascimentos em cinco pessoas, naquele primeiro grupo chegado ao Espírito Santo. A tendência inicial se inverteu dali para frente de tal maneira que Heinrich Schüler, em 1912, exclama: “A taxa de natalidade nas colônias de língua alemã é extraordinariamente alta, enquanto a mortalidade é mínima. Famílias com 12 a 20 filhos são comuns. [ 2 ]

Fundação da colônia de Santa Leopoldina

Em 1857, D. Pedro II criou a Colônia Imperial de Santa Leopoldina, um pouco acima da atual cidade com o mesmo nome. Nela instalaram-se 99 suíços, 24 hanoverianos, 6 luxemburgueses, 3 prussianos e 8 holsteinianos[ 3 ] descontentes com seus contratos de parceria nas fazendas de café, em Ubatuba, São Paulo. Estes tiveram os mesmos direitos e vantagens dos colonos de Santa Isabel. Estabeleceram-se no alto rio Santa Maria, em terras muito acidentadas e de pouca fertilidade, que denominaram Suíça. Assim não é de admirar que, três anos depois, ainda vivessem em situação precária, como constatou o enviado da Confederação Helvética, J. J. Tschudi. Ele relatou que moravam “em péssimas condições… e nenhum suíço chegou a possuir a parcela legal de 62.000 braças quadradas”, porque as medições eram feitas “a olho”. Por não poderem alimentar-se com o produto da terra, definhavam e “aumentavam a fome e as doenças.[ 4 ]

No ano seguinte chegaram mais prussianos e luxemburgueses que se estabeleceram num local mais ao sul a que deram o nome de Luxemburgo.

Em 1859 chegou um contingente bem maior. Eram alguns hessianos, como os de Santa Isabel. Outros eram austríacos do Tirol e que, por isso, deram o nome de Tirol ao lugar em que se estabeleceram. Vieram também 12 famílias de Baden e um grupo maior de holandeses. Estes últimos instalaram-se nas cabeceiras do rio Mangaraí e naturalmente chamaram esse lugar Holanda, em homenagem à terra natal. Destes há relatórios contraditórios. Enquanto os diretores da colônia os elogiavam por sua docilidade e laboriosidade, o barão Tschudi diz que “sofriam privações porque eram degenerados, indolentes, submergidos na imundície”.[ 5 ] O certo é que os holandeses, em sua maioria, tornaram-se bons agricultores, após a sua adaptação, pois quase nenhum deles tinha sido agricultor em sua terra natal.

Pomeranos

No ano de 1859, no entanto, ocorreu um fato que daria uma feição toda especial à colônia alemã no Espírito Santo. Nesse ano chegaram os primeiros colonos da Pomerânia, região que na época fazia parte da Prússia. Era uma estreita faixa de terra entre o mar Báltico e a Polônia, colonizada por alemães, que conservaram sua identidade particular em relação aos poloneses e aos seus dominadores da Dinamarca, da Suécia e da Prússia. Era uma terra em que predominava a grande propriedade.

Poucos dos imigrantes tinham sido proprietários de terras. Além disso, o instituto do morgadio determinava que a maioria dos filhos de um proprietário ficaria sem terras, pois, por herança, só um deles herdava a terra do pai. Como a maioria dos pais não tinha condições financeiras nem havia espaço para comprar terras para os outros filhos, estes teriam que se empregar nas grandes propriedades ou sair para as cidades em fase de industrialização ou, então, emigrar para outras terras.

Em anos anteriores, a Rússia oferecia os espaços vazios para as migrações destes alemães, mas, em meados do século 19, só lhes restavam países do além-mar. O ideal de todos era os Estados Unidos, onde muitos conterrâneos, sem terra em sua pátria, se haviam tornado proprietários abastados e satisfeitos. Havia também a Austrália, com suas terras planas e boas, mas que ficava um tanto distante. Restava então o Brasil. E assim, aqui no Espírito Santo, aportaram, de 1859 em diante, alguns milhares de pomeranos que, por se tornarem maioria absoluta entre os colonos, deram uma feição sui generis à Colônia de Santa Leopoldina e, por extensão, a toda a colônia de origem alemã no Espírito Santo, até a data de hoje.

Esses colonos pomeranos eram, em sua quase totalidade, empregados dos latifúndios da Pomerânia Exterior, sendo empregados domésticos, servos, pastores de ovelhas e cocheiros. Alguns eram filhos de proprietários de terras e outros, em número muito reduzido, eram artesãos, sobretudo carpinteiros e ferreiros. A maioria se decidiu pelo Brasil, seja pelo Espírito Santo, seja pelo Rio Grande do Sul ou por Santa Catarina, por causa da promessa de tornarem-se proprietários de terras, o que jamais teriam conseguido em sua terra natal. Queriam, pois, livrar-se do patrão e do trabalho desumano que muitos deles lhes impunham. Baseado nisto, Sellin escreveu em 1885: “No Brasil, um escravo do pequeno lavrador leva vida melhor do que um criado livre em outros países… também os escravos caseiros dos ricos são muitas vezes tão bem tratados quanto os empregados domésticos na Europa.[ 6 ]

Visita de D. Pedro II à colônia

Em 1860, a colônia alemã do Espírito Santo recebeu duas visitas importantes: a do barão suíço J. J. von Tschudi, já referida, e do imperador D. Pedro II.

O primeiro viu quase que só mazelas e problemas nas colônias. Sobre o Brasil escreve: “A corrupção e o capanguismo são as pústulas da nação… No Brasil, geralmente, pensa-se ter construído uma estrada, se a mata for derrubada em certa direção e a terra estiver arranhada alguns palmos”. Sobre o tratamento dado a seus conterrâneos no Espírito Santo, não tem nada de bom a dizer. Critica a terra ruim, a falta de estradas e acomodação, a displicência e inescrupulosidade dos agrimensores, que “mediam a terra a olho”, e principalmente o estado sanitário dos suíços, que achava desumano. Para ele, os holandeses que estavam na mesma situação inicial, no entanto, eram eles próprios os culpados pela sua sorte, por degeneração, indolência e imundície. Tschudi apenas viu algo de elogiável na Colônia de Santa Isabel, pois achou os colonos dali, já estabelecidos há no mínimo dez anos, com “nível de vida confortável… e livres de preocupação”.

Já o imperador foi festejado pelos colonos por sua compreensão para com seu estado lastimável inicial e por ter dado, de graça, a todos eles os prazos que lhes foram destinados e que posteriormente, na república, tiveram que pagar. Principalmente para os pomeranos, acostumados ao sistema feudal, a visita de D. Pedro II foi um reencontro com o passado e um incentivo para o futuro. A bondade do filho de D. Leopoldina, até hoje, é assunto de conversas entre os descendentes daqueles pioneiros.

Crescimento das colônias

A Colônia de Santa Isabel, após 1860, não recebeu mais colonos destinados diretamente a ela pelo governo imperial e assim dependia praticamente do aumento vegetativo da população e da chegada de uma ou outra família, por conta própria.

Nos treze anos de existência da Colônia, os 539 colonos imigrados ficaram reduzidos a 444 indivíduos e deixaram, no lugar dos 95 mortos, 184 filhos brasileiros, perfazendo um total de 628 pessoas. Dois anos mais tarde esse número elevou-se a 801 pessoas que, além dos produtos de subsistência, já colhiam 10.000 arrobas de café. Com isto houve um pequeno desvio do objetivo inicial estabelecido pelo governo brasileiro, que esperava que esses colonos fossem abastecer Vitória e Rio de Janeiro de produtos alimentícios. Mas a falta de estradas para o escoamento da produção tinha tornado impossível essa atividade. Só o café, que se desenvolvia melhor nas terras altas do que nas baixas, ocupadas pelos fazendeiros brasileiros, podia dar prosperidade e segurança aos colonos alemães.

Enquanto a primeira colônia já se estabilizava, Santa Leopoldina recebia sempre mais colonos, principalmente pomeranos. Estes, como súditos da Prússia, não deveriam mais ter vindo para o Brasil, pois, pelo Rescrito de Heydt, de 3 de novembro de 1859, tinham perdido a proteção do rei da Prússia, por causa do fracasso dos contratos de parceria de São Paulo e da fracassada colonização do Mucuri, em Minas Gerais. No primeiro caso, os colonos, em vez de parceiros no cultivo do café, passavam a ser praticamente servos, como na Europa, pois dificilmente conseguiam o dinheiro suficiente para se livrarem de suas dívidas iniciais para com os senhores brasileiros. Em Minas Gerais, as doenças tropicais e a má administração tinham frustrado quase totalmente o empreendimento.

Em Santa Leopoldina, no entanto, os colonos pomeranos, chegados após essa data, conseguiram prosperar razoavelmente.

A chegada dos primeiros 139 pomeranos a Santa Leopoldina deu logo indícios aos administradores da colônia de que estavam lidando com pessoas de natureza diferente da dos demais colonos.

Enquanto os holandeses se conservavam sossegados e dóceis até poderem ser levados para seus ranchos (agradecendo ainda ao administrador Pralon pela ventura de finalmente possuírem terras), os pomeranos deram muito trabalho. Diz Ângela de Biase Ferrari que, “enquanto aguardavam a distribuição de lotes, gritavam por aguardente e por negros ou animais para carregar suas cargas pesadas”.[ 7 ] Os pomeranos tinham sido servos na Europa, mas aqui seriam proprietários. Tinham que assumir uma postura de proprietários, isto é, poderiam beber à vontade, enquanto estavam de folga, e não deveriam carregar cargas pesadas, ao menos diante de estranhos. Para seu infortúnio, descobriram logo que, para chegar a esse ponto, teriam que trabalhar muito e suportar muitas privações. Alguns tiveram que deixar suas famílias com outros, já estabelecidos em casas, enquanto abriam pelo menos uma clareira nos seus lotes e faziam um abrigo precário de cascas de árvores ou folhas de indaiá para se abrigarem nos primeiros tempos. Havia quem levasse a família para a clareira, abrigando mulher e filhos pequenos entre as raízes de certas árvores, com uma pequena cobertura de folhas de coco. E tão laboriosos eram que o administrador Dr. Rudio disse dos pomeranos, em 1864: “São a pérola da colônia, gente forte, lavradores de infância, mulheres bonitas, adolescência alegre com faces gordas vermelhas”.[ 8 ]



Colônia do Rio Novo

Em 1866, foi fundada a colônia particular do Rio Novo com imigrantes suíços, principalmente. Para lá se mudaram alguns colonos alemães de Santa Leopoldina, mas quase todos voltaram. Alguns pagaram caro sua aventura, trazendo em seu corpo a temida malária que não existia nos terrenos altos de Santa Leopoldina.

A colônia de Rio Novo, no entanto, prosperou posteriormente com a chegada de imigrantes italianos e com administradores alemães, nomeados por D. Pedro II, que encampou a colônia. Em 1886, ela era tão próspera que a princesa Teresa da Baviera encontrou, em Barra do Itapemirim, a saída de Rio Novo para o mar, uma biblioteca com livros e jornais alemães para uso dos colonos abastados e dos administradores da colônia.[ 9 ]



Núcleo do Timbuí

Com a unificação da Alemanha por Bismarck, tornou-se difícil conseguir colonos em número suficiente na Alemanha. Além disso, havia a dificuldade de assimilação por causa de sua língua e, em parte, por sua religião, já que a maioria era protestante. Por isso o governo brasileiro resolveu procurar colonos na Itália, também pobre e superpovoada. Os primeiros imigrantes italianos chegaram, em sua maioria, do Vêneto, em 1876, e foram alojados no Núcleo Timbuí, hoje Santa Teresa, sob a administração de von Lipp. Dez anos depois, a princesa Teresa da Baviera teve como guia um destes italianos, a que ela perguntou se ele, falando tão bem o português e estabelecido definitivamente na terra, não se queria naturalizar brasileiro. A resposta imediata e orgulhosa de Ferrari confundiu a princesa: “Nasci austríaco e quero morrer austríaco”.[ 10 ] (“Austriaco sono nato, austriaco voglio morriere”.) É que o norte da Itália, na época, ainda fazia parte do império austro-húngaro, e Ferrari tinha sido carabineiro da guarda imperial.

Já em plena vigência da imigração italiana para o Espírito Santo, o governo imperial criou, em 1877, o único núcleo composto de imigrantes alemães e suíços de língua alemã em “terra quente”, isto é, em terras abaixo de 400 m de altitude. Esses colonos receberam seus prazos na localidade de 25 de Julho, em Santa Teresa, juntamente com alguns conterrâneos retirantes de Santa Catarina. Sua adaptação entre os italianos foi rápida, por causa de sua cultura e experiência como lavradores, na Europa. Além de maior prosperidade econômica, sua vida cultural era semelhante à dos colonos alemães do sul do país. Sua escola, a banda de música e sua vida social não tinham nada igual entre os alemães da província.



Consolidação das colônias

Apesar do Rescrito de Heydt e da concorrência dos colonos italianos e poloneses, a imigração de pomeranos continuou com certa intensidade para Santa Leopoldina, até 1879.

Neste ínterim, os colonos das primeiras levas já tinham reorganizado suas vidas e haviam-se adaptado razoavelmente à nova pátria, pois nenhum tinha planos de voltar à terra de origem. Para tanto organizaram-se em comunidades ao redor de suas igrejas.

Já em 1857, o Consistório Evangélico enviou o primeiro pastor da Alemanha para Campinho. Mas tanto ele como seu sucessor pouco puderam realizar, porque, como se viu antes, tiveram morte repentina por causas desconhecidas. O terceiro pastor não só reorganizou a vida religiosa dos colonos, mas ampliou o serviço educacional, criando várias escolas. Na sede, o próprio pastor deu aulas, inicialmente. Depois arranjou um professor para os filhos dos colonos que até então se criavam analfabetos, se as mães ou os irmãos mais velhos não lhes ensinassem ao menos a ler e escrever, para não parecerem “bugres”.

Os colonos de Campinho estavam entusiasmados com a nova ordem e, sem ajuda de ninguém, construíram sua igreja no tamanho em que hoje existe. Só a torre foi acrescentada mais tarde, pois havia uma lei que proibia a torre nos templos não católicos. Assim mesmo a torre atual foi construída, ainda no império, durante a proibição, sendo a primeira torre de igreja protestante no Brasil. A técnica de construção desta igreja, no entanto, era totalmente diferente do sistema português e espanhol. Em vez de levantarem as paredes com tijolos cozidos ou pedras, os alemães de Campinho empregaram apenas barro úmido que era socado em fôrmas de madeira até tornar-se tão resistente que, cem anos após a construção, as paredes nunca necessitaram de reformas. A espessura das paredes, naturalmente, equivale à de quatro paredes de hoje.

A comunidade católica alemã de Santa Isabel só recebeu seus padres residentes em 1896, quando a ordem alemã do Verbo Divino chegou ao Espírito Santo. Estes logo cuidaram de fundar seu colégio e assim os filhos brasileiros dos alemães tiveram sua escola brasileira, desde o início.

Já os 400 católicos tiroleses, suíços e alemães de Santa Leopoldina tiveram desde o início um guia espiritual de fala alemã, frei Adriano Lautschener, da igreja do Queimado, hoje em ruínas, que os atendeu até 1864, quando foi nomeado capelão da Colônia de Santa Leopoldina e transferiu-se para lá. Esse capuchinho tirolês dedicou-se à segunda paróquia da colônia em 1895. A frei Adriano se atribui o mérito de ter conseguido a pacificação do último grupo de botocudos da região.

No mesmo ano da criação da paróquia e construção da igreja católica de Cachoeiro de Santa Leopoldina, os protestantes alemães receberam seu primeiro pastor de Basiléia, na Suíça, graças à intervenção de Tschudi. Como frei Adriano, o pastor Hermann Reuther tornou-se logo líder espiritual e cultural de sua gente. Como o dinheiro prometido pelo governo para a construção da igreja protestante não chegasse nunca, Reuther reuniu os colonos e, só com eles, levantou o templo de Leopoldina I, com a mesma técnica empregada na igreja de Campinho. Mas a primeira construção no terreno paroquial foi uma escola, onde o próprio pastor Reuther lecionava. Seus primeiros alunos tinham todos de 13 a 18 anos de idade e vinham duas a três vezes por semana, andando até três horas a pé. Como alguns pais, por causa da vida árdua que levavam, tinham perdido o interesse pelas coisas do espírito, o enérgico pastor os obrigou a mandar os filhos à escola, ameaçando não realizar a cerimônia do casamento daqueles que não tivessem freqüentado a escola por dois anos no mínimo. Para tanto, logo a seguir, criou escolas regionais, onde colonos um pouco mais instruídos ensinavam aos meninos o catecismo e, pelo menos, leitura e escrita. Mas isso também era o mínimo que poderia ser feito para que os colonos não perdessem o pouco de cultura que tinham trazido da Europa. Lá, pelo menos, todos eram alfabetizados. Seus filhos, aqui, nem isso.

Em 1864 havia 664 crianças na Colônia de Santa Leopoldina. Destas, 280 estavam em idade escolar. As três escolas da Colônia, criadas naquele ano, atendiam somente 111 alunos. O pastor Reuther dava aulas, em alemão, para 85 adolescentes. Frei Adriano, em português e alemão, para 25 e o professor Manoel Passos, só em português, para 6 alunos apenas.[ 11 ] Começou aí o drama dos colonos alemães e de seus descendentes, no Espírito Santo. E hoje, mais de um século depois, perdura a mesma tragédia, ainda sem solução definitiva à vista.

Expansão das colônias alemãs

Como já foi referido anteriormente, o crescimento do grupo pioneiro de Santa Isabel dependia quase que somente de sua fertilidade e salubridade, após 1860, pois pouco reforço externo recebeu, a partir desta data. O mesmo se deu com os colonos alemães de Santa Leopoldina, a partir de 1879. O aumento populacional dependia, em sua maior parte, da diferença para mais entre o número de nascimentos e de óbitos. E essa diferença não foi pequena: Wagemann calculou esse crescimento vegetativo da comunidade protestante da região, em 1912, à taxa extraordinária de 4% ao ano. Por isso exclama: “São números inauditos![ 12 ]

Realmente o vigor físico e a longevidade dos colonos alemães e mesmo de seus descendentes, no Espírito Santo, causou admiração e até pasmo a todos os estudiosos do assunto. A despeito do trabalho árduo, do clima, da alimentação desacostumada e das doenças tropicais, os colonos se multiplicavam espantosamente. De menos de 5000 imigrantes, chegados entre 1847 e 1879, havia uma população de 18000 colonos, espalhados até às margens do rio Doce, em 1912.[ 13 ]

A expansão da Colônia de Santa Isabel seguiu a direção sudoeste e oeste. De Santa Isabel e de Campinho, os renanos subiram o braço sul do rio Jucu e de seus afluentes até Pedreiras, chegando até à margem direita do braço norte do mesmo rio. Esse curso d’água representava a divisa entre a colônia dos renanos que entraram por Santa Leopoldina. Esse divisor natural foi sempre respeitado. Mas nem tanto. Contam os antigos, e os registros das igrejas luteranas da região o comprovam, que já a primeira geração de brasileiros desrespeitou a linha, se bem que de modo não convencional. Aconteceu que os renanos tiveram mais filhos homens do que moças e entre os pomeranos havia excesso de moças casadoiras. Numa festa da igreja luterana de Rio Ponte, os moços do lado direito do rio encontraram as louras “Mädchen” do outro lado, no campo delas. O resultado foi o esperado. Dali para a frente, muitos meninos e meninas, na região dos renanos, falavam o dialeto pomerano da mãe loiríssima que seu pai tinha conquistado no encontro do Rio Ponte, onde as festas de confraternização ainda se realizaram por algum tempo. Assim, alguns hunsrücker mais práticos adquiriram terras do lado oposto do rio, entre os pomeranos, integrando-se a eles também, como as outras minorias de Santa Leopoldina.



Ocupação da “terra-quente” ao sul do rio Doce

Ocupada quase toda a “terra-fria’ (a região no centro do Estado), os próprios imigrantes e seus filhos desceram o rio Santa Joana, rumo ao Norte, até perto do rio Doce, logo no início deste século. Concentraram-se principalmente em Palmeira, no município de Itaguaçu, mas espalharam-se igualmente em grupos menores no Córrego da Ponte, em Tancredo e em Santa Júlia, bem como na sede de Colatina.

Também ultrapassaram a serra central para o Oeste. Dirigiram-se ao médio Guandu, onde formaram núcleos em Laranja da Terra, Lagoa Serra Pelada, Arrependido e outros mais. Em todos esses lugares predominavam os pomeranos de Santa Leopoldina e, por isso, conseguiram impor seu dialeto e seus costumes. Só no Arrependido, os dois grupos étnicos alemães dispunham de força igual. Isto causou o fenômeno raro da conservação dos dois dialetos principais num mesmo lugar, até hoje.

Os imigrantes alemães das duas colônias e seus descendentes aos poucos foram se expandindo por todo o sul do rio Doce. Juntamente com imigrantes isolados que vinham engrossando suas fileiras, conquistaram as boas terras em Crisciúma e Bananal, junto de Minas Gerais. Substituíram a Colônia Afonso Pena, em Baixo Guandu, porque esses colonos não tinham sido agricultores na Europa nem queriam sê-lo no Brasil.

Em 1916, os colonos alemães atravessaram o rio Doce em Baixo Guandu e fundaram a colônia de Mutum Preto, como os pioneiros já tinham feito em Resplendor, onde plantaram cereais e café, em Santo Antônio e Vargem Alegre, em Minas Gerais.

O geógrafo e professor universitário Otto Maull, estudando a colônia alemã do Espírito Santo, em 1929, também visitou esse grupo de Minas Gerais. Dali marchou a pé, pelo Alto Mutum, até Pancas, onde mal tinham chegado os primeiros desbravadores, filhos de alemães. De seu relato sobre as dificuldades dos pioneiros nas selvas tropicais e de seu encontro com o último grupo remanescente dos botocudos, no Aldeamento de Pancas, apenas citaremos esta observação curta: “Aí, numa pequena derrubada, foi levantada uma cobertura contra a chuva que, naturalmente, pode entrar pelos lados. Por isso, esta cobertura realmente servia apenas contra os raios solares. Debaixo desta cobertura havia um fogão aberto e, jogados de qualquer maneira, viam-se apetrechos de cozinha. Esteiras ainda faziam as vezes das camas. Isto era tudo o que a cultura, penetrando na selva, poderia produzir para a habitação do homem.[ 14 ]

Tendo convivido com pioneiros como esses de Pancas, durante oito anos, podemos entendê-los e também compreender o espanto do culto professor europeu, compreensivo diante daquele quase nada de cultura e conforto a invadir as selvas brasileiras. Maull, no entanto, ainda viria a experimentar a frustração que sempre nos invadiu, quando percebemos o que outros pensam da “cultura” dos colonos alemães e de seus filhos em sua nova pátria.

Para não retornar a Baixo Guandu pelos mesmos atalhos incômodos do Mutum Preto, Maull decidiu tomar o trem em Colatina. Pediu duas passagens de primeira classe: uma para si e outra para o velho Ohnesorge, seu companheiro de viagem e guia, que tinha chegado a Santa Leopoldina, com apenas cinco anos de idade, em 1872. Como as terras aí já começassem a ficar cansadas em conseqüência da agricultura predatória que os alemães aprenderam com os nativos e como também havia falta de espaço para todos os seus filhos, Ohnesorge se transferiu, como pioneiro, para a margem norte do rio Doce, em Resplendor, Minas Gerais. Inteligente e trabalhador, logo se tornou um colono e comerciante abastado. Acompanhou o professor alemão a Pancas porque queria aproveitar a oportunidade para visitar um filho que estava abrindo uma “posse” na mata. Na estação de Colatina, descalço e levando às costas seu saco de provisões para a viagem, ele não deve ter dado a impressão de homem rico. O bilheteiro simplesmente entregou ao atarantado professor uma passagem de primeira e outra de segunda. Maull não teve a menor dúvida sobre quem não era considerado digno de viajar de primeira classe, numa terra ainda semi-selvagem. Ele teve aí a confirmação de suas observações anteriores. Na ânsia de trabalhar para conseguir algo para si e para seus filhos, os imigrantes alemães e seus descendentes, até o dia de hoje, costumam esquecer-se de sua aparência exterior e nem se lembram de viver também. Vegetam simplesmente.



Atravessando o rio Doce

Com a inauguração da ponte de Colatina, em 1928, aos poucos os teuto-brasileiros do sul do rio Doce descobriram o caminho direto para Pancas, sem a passagem por Minas Gerais. Ocuparam a região de São João Grande e São João Pequeno, atravessando o rio Doce diretamente de Itapina de Santa Joana. Embrenharam-se nas matas intocadas, além do rio São José. No atual município de São Gabriel da Palha fundaram vários núcleos. Iniciando por córrego Bley, espalharam-se pelas terras roxas da região, dando origem a Vila Valério, São Luís, Três Pontões, Barra Seca e outros povoados.

Nos anos quarenta, muitos colonos alemães retornaram de Minas Gerais, fundando as colônias homônimas de Barra de São Francisco: Santo Antônio e Vargem Alegre, nas margens do rio São Mateus (braço sul). Quase ao mesmo tempo, os colonos alemães do sul do rio Doce, continuando seu ciclo de migrações, fundaram o segundo maior núcleo de teuto-capixabas do norte do Estado em Vila Pavão e Córrego Grande, no município de Nova Venécia.

Todas estas colônias, ao norte do rio Doce, alcançaram o seu auge em população e renda na fase áurea do café, nos anos cinqüenta. Com a desvalorização do café e, principalmente, com a erradicação compulsória dos cafezais, nos anos sessenta, os teuto-capixabas não tinham mais para onde se expandir no Espírito Santo. Passaram, então, a acompanhar a tendência de nossa época: a fuga do campo para as cidades. Assim, há 15 anos, milhares de descendentes dos imigrantes alemães estão ajudando a inchar a periferia pobre das cidades espírito-santenses e os subúrbios cariocas. Como não sabem fazer outra coisa além de derrubar mata e plantar café, a maioria dos teuto-capixabas que procuram as cidades tem que se contentar com trabalhos braçais e subempregos. A não ser que queiram deslocar-se para outros estados longínquos, assim como os paus-de-arara do Nordeste.



Migrações para outros estados

Após a Primeira Grande Guerra, por volta de 1923, muitos teuto-capixabas se transferiram para o oeste paulista, aproveitando o preço do algodão plantado ali. A maioria ficou lá definitivamente, mas uns poucos retornaram ao Espírito Santo.

Quando começaram a surgir os problemas com o café no Espírito Santo, começou uma migração mais expressiva dos colonos de origem alemã para as terras novas do sudoeste paranaense. Lá os teuto-capixabas se encontraram com imigrantes alemães e seus filhos do Rio Grande do Sul e do oeste catarinense. Juntos, formaram colônias compactas e fundaram cidades prósperas.

Finalmente, nos anos 70, deu-se o maior êxodo de teuto-capixabas que, em grupos fechados, dirigiram-se em caminhões de carga, como os nordestinos, para as selvas de Rondônia. Lá reencontraram o ambiente propício a repetir o modo de vida de pioneiros constantes, adotado desde a imigração de seus antepassados há mais de um século. Nas matas virgens, de terra fértil e clima parecido ao das “terras quentes” capixabas, podem novamente abrir suas clareiras na floresta, plantar cereais e café, construir aos poucos suas casinhas simples e, depois, continuar o ciclo migratório de cinco gerações. Isso se então ainda houver florestas para devastar no Brasil. Eis aí a sina trágica de um povo que, durante muitos séculos, viveu arraigado ao solo pomerano ou renano, na Alemanha. Uma vez arrancados dali e transplantados para o Espírito Santo, poucos conseguiram criar raízes em algum lugar da nova terra. Cada geração foi forçada a desbravar e, em seguida, a abandonar um lugar diferente.



Número de teuto-capixabas

Logo de início fica claro um fato: se, até hoje, nem o número exato de imigrantes alemães que entraram no Espírito Santo pôde ser levantado, como seria possível determinar o número exato de seus descendentes, hoje já na quinta e sexta gerações?

A desinformação começa desde a chegada ao porto de Vitória, se bem que, durante a existência das três colônias, ainda era relativamente fácil contar os imigrantes e seus filhos brasileiros. Por isso Torres Filho, em 1913, pôde afirmar sem medo de errar: “Em 1878 a colônia de Santa Leopoldina era a mais populosa do Império, depois das de Blumenau e D. Francisca, em Santa Catarina.[ 15 ] Mas muito antes o alemão H. Sellin informava a seus conterrâneos que a província do Espírito Santo, em 1879, possuía uma população de apenas 97.865 habitantes, dos quais 76.000 livres e 21.865 escravos. O número de imigrantes foi calculado por ele em 20 a 25.000 ao todo, sendo cerca de 10.000 deles alemães,[ 16 ] quando na realidade deveriam ser apenas 5.000. Provavelmente o objetivo de Sellin era impressionar os conterrâneos para atraí-los ao Espírito Santo.

Bem mais realista foi Wagemann, em 1913. Baseando-se nos registros das igrejas luteranas no Estado, ele chegou à soma de 11.537 luteranos, acrescentando a esse número uns 600 a 700 adventistas e 5.000 católicos. Isso daria um total de 17.000 imigrantes alemães, com seus filhos e netos, no Espírito Santo. Segundo ele, poderia haver uma diferença para mais de 1.000 pessoas, já que os registros das igrejas eram por famílias e não por indivíduos.[ 17 ] O que impressiona nesse levantamento criterioso é a taxa de 48,5 nascimentos contra apenas 7,8 óbitos em mil habitantes nas colônias luteranas, tanto da “terra-fria” quanto da “terra quente”. Uma taxa de crescimento populacional interna de 4% ao ano é realmente extraordinária, principalmente se atentarmos para a falta de assistência médica na época. Se aplicássemos essa taxa aos números de Sellin que, em 1879, já registrara 10.000 alemães no Espírito Santo, chegaríamos a 38.000 em 1913. Felizmente Wagemann parte de números reais, naquela data. Assim seus cálculos conferem com as somas mais completas que podem ser feitas, dos imigrantes alemães, até à época de sua pesquisa. Não passam dos 5.000 os alemães que chegaram ao Espírito Santo, de 1847 a 1914, de acordo com os registros oficiais.

Também pode ser considerada realista a estimativa do professor Otto Maull, que julgou ter encontrado, em 1923, de 22 a 24.000 teuto-capixabas, baseado nas pesquisas de Wagemann.[ 18 ] Comparando esses números com os alemães residentes nas ex-colônias do império germânico, na África tropical, Maull diz que estes últimos representam apenas uma pequena fração dos “alemães” no Espírito Santo. Aí, naturalmente, pensa mais nos descendentes dos imigrantes que, para sua decepção, “não sentem mais nenhuma ligação forte com o grande corpo nacional alemão”.[ 19 ]

Em 1935, Giemsa, baseando-se também nos estudos de Wagemann, estimou o número de colonos alemães e seus descendentes em 30.000,[ 20 ] indicando apenas, como taxa de crescimento vegetativo, 3,7% ao ano.

Jean Roche, como Wagemann, parte da estatística da Igreja Evangélica Luterana no Brasil, datada de 1960. Pertenciam a ela, naquele ano, 42.745 membros. A esse número Jean Roche acrescenta 30% de católicos para assim chegar a 55.566 teuto-capixabas. Por isso julga improvável o número de 83.280 teuto-capixabas em 1961, obtido pelo acréscimo de 3,7% ao ano aos 30.000 estimados por Giemsa 26 anos antes.[ 21 ] Mas, estudando-se várias alternativas e outras bases de cálculo, finalmente se fixa no número de 73.000 teuto-capixabas em 1961, correspondendo a cerca de 6% da população total do Espírito Santo.[ 22 ]

Conhecendo a colônia teuto-capixaba, de sul a norte, desde 1947, cremos na validade dos cálculos baseados em Giemsa. Assim teríamos um mínimo de 80.000 teuto-capixabas em 1960. É que Jean Roche incluiu em seu cálculo apenas um dos dois grupos de luteranos aos quais pertencem quase todos os descendentes dos imigrantes protestantes alemães. Além disso, ele não deve ter tomado conhecimento de muitos teuto-capixabas que se filiaram a outras denominações protestantes ou estavam desligados de toda e qualquer igreja, especialmente os que se mudaram para longe dos núcleos luteranos. Não encontrando, onde residissem, a igreja de seus antepassados, os teuto-capixabas costumam ficar sem serviços religiosos, no máximo, batizando seus filhos na igreja católica.

Partindo do número de 80.000 teuto-capixabas de 1960, hoje [1980] deveriam existir uns 145.000, à taxa de crescimento de 3,2% ao ano indicada por Roche. Essa taxa de crescimento vem declinando entre os teuto-capixabas nos últimos tempos por duas razões: primeiro, as famílias, mesmo nas colônias, estão ficando menores; e segundo, há que descontar alguns milhares de teuto-capixabas que se mudaram para outros estados, como já foi dito anteriormente. Devem, pois, residir no Espírito Santo, atualmente [1980], uns 120 a 130.000 descendentes de imigrantes alemães e menos de quinhentos alemães natos. O número destes últimos continua a declinar anualmente, pois, dos 5.000 imigrantes que se radicaram no Espírito Santo antes da Primeira Grande Guerra, hoje resta menos de uma dezena de velhos. Mesmo dos 1.000 imigrantes chegados entre as duas guerras vivem hoje apenas algumas centenas, principalmente aqueles que aportaram aqui ainda crianças. O restante dos alemães no Espírito Santo geralmente é composto de técnicos e suas famílias que, em sua maioria, residem apenas temporariamente no Brasil, mesmo possuindo visto permanente em seus passaportes.



Usos e costumes

Provindo de países de origem germânica, os alemães, austríacos, suíços, holandeses e luxemburgueses se destacaram dos nativos de origem portuguesa e espanhola que encontraram na chegada ao Espírito Santo. Também os imigrantes italianos e poloneses lhes eram estranhos, tanto pela língua como pelos costumes e, em parte, pela religião.

Em sua maioria os alemães eram luteranos em sua pátria e aqui continuaram na mesma fé, com autorização expressa do imperador, já que a religião oficial do império era a católica romana. Assim trouxeram alguns usos e costumes desconhecidos dos outros moradores da terra.

Quanto à alimentação, ao vestuário e às casas, tiveram que se adaptar aos costumes locais, logo de início, por causa de seu isolamento nas florestas. Apenas os pomeranos de Santa Leopoldina puderam beber sua cervejinha aos sábados, na venda e nas festas, porque lá havia uma fábrica de cerveja, como informa Graça Aranha no seu Canaã. Também os pomeranos continuaram a pintar de branco suas casas e igrejas, com janelas e portas azuis. As cores da Pomerânia.

Quanto ao vestuário, apenas se destacava a roupa domingueira. Até hoje algumas mulheres ainda se vestem com longos vestidos rendados, como o faziam suas bisavós na Pomerânia, costume que perdura somente nos recantos das colônias compactas mais antigas.

Existem vários usos e costumes estranhos à comunidade luso-brasileira, principalmente quanto aos casamentos e aos enterros.

Para o enterro, é necessária a presença de um pastor na casa e no cemitério. Toda a colônia se reúne, quando se espalha a notícia de uma morte. Os homens ficam conversando, acocorados como os índios, comendo “brote” (pão de milho com mistura de tubérculos) e tomando “schnaps”, a nossa aguardente de cana. Com a chegada do pastor todos se reúnem para cantar e ouvir o sermão e a liturgia. Hoje o esquife já costuma seguir de caminhão para o cemitério, mas até bem pouco tempo o esquife tosco, fabricado na hora na casa mortuária, era carregado só por dois homens, que se revezavam constantemente. Por causa das picadas e pinguelas estreitas (pontes de um só tronco de árvore), o esquife era amarrado numa vara de bambu e carregado às pressas nos ombros. Na frente seguia uma criança empunhando uma cruz de madeira pintada de preto que no final era fincada à cabeceira da sepultura. Os velhos, mulheres e crianças formavam o cortejo, seguindo em fila indiana.

No cemitério geralmente o esquife era aberto mais uma vez para que todos pudessem ver o defunto. Após a prática do pastor, os coveiros e amigos fechavam a cova e, fincada a cruz, jogavam as ferramentas sobre a elevação da sepultura. Se a pá caísse por cima, o primeiro morto a seguir seria uma mulher. Se a pá caísse por último, seria um homem.

Após a leitura dos dados pessoais do morto e da bênção do pastor, as mulheres e moças enfeitavam a nova sepultura com flores trazidas de casa e muitos voltavam à casa do morto para um almoço ou uma janta.

Para os casamentos há um ritual todo especial, a começar pelo convite. Com alguma antecedência um irmão solteiro da noiva, ou um parente chegado, sai pelas grotas afora para convidar quase toda a comunidade. Para isso ele e seu cavalo são enfeitados com fitas multicores em que predomina o vermelho. Chegando a uma casa, o “Hochzeitsbitter” é recebido pela família reunida que já o aguarda. É conduzido à sala. Todos se sentam em toscos bancos junto das paredes. Só o mensageiro da noiva fica em pé e então começa a recitar o seu longo convite rimado, em alto alemão, marchando gravemente ao redor da mesa, no centro da sala. Como sinal de aceitação do convite, geralmente uma moça solteira ou uma menina da casa prende, com um alfinete, mais um lenço ou uma fita colorida às costas ou ao ombro do convidador. Para selar o compromisso, todos os adultos bebem um pouco da cachaça trazida pelo jovem numa garrafa enfeitada. A ele é servido, então, um café com pão e manteiga.

Os preparativos do casamento começam com vários dias de antecedência. Matam no mínimo um boi, vários porcos e dezenas de galinhas, lavam e pintam toda a casa nas cores tradicionais: azul e branco.

Na época, já com os frangos, os pernis de porco, os pães e os bolos assados, realiza-se uma cerimônia à parte, o quebra-louças, para dar prosperidade aos noivos. Com a melhor louça escondida, a casa é literalmente invadida por moças e rapazes, filhos dos amigos mais chegados. Enquanto os jovens e alguns mais velhos, animados pela música de uma sanfona, quebram toda a louça que encontram, gritando e cantando, as moças tentam remover os cacos com vassouras. Os rapazes tentam impedi-lo, chutando-os de volta. A algazarra pode durar mais de uma hora. Então, cansados mas satisfeitos, todos se põem a comer as asas e pernas dos frangos, tudo regado a cachaça ou vinho, raramente cerveja. A maioria dos convidados já permanece na casa até a festa do casamento propriamente dita.

No dia do casamento os convidados se reúnem na casa da noiva, todos em suas roupas de festa, pelas quais ainda hoje é possível distinguir de que região e em que época os antepassados vieram, principalmente no caso das mulheres.

Na hora marcada, sempre pela manhã, todos os jovens e parte dos mais velhos estão a postos para a partida em direção à igreja. Antigamente o percurso era feito a cavalo, com o “Hochzeitsbitter” à frente, seguido dos noivos, já vestidos a rigor, e de toda a comitiva. Aos gritos de “Hochzeit” (casamento) e vivas aos noivos, o comboio se locomovia, o mais rápido possível, pelas picadas, também chamadas estradas. Hoje o percurso é feito geralmente com os noivos na boléia de um caminhão de carga, ao lado do motorista. As testemunhas e a juventude se aboletam na carroceria aberta do caminhão. Os outros convidados seguem em outros caminhões, caminhonetas e automóveis de passeio.

Após a cerimônia simples na igreja, o comboio inicia a volta para a casa da noiva, com algazarra maior ainda e com fogos em profusão. Assim chegam até junto da casa da festa. Ali são recebidos por uma salva de fogos e pelo sanfoneiro sentado junto ao portão de entrada, enfeitada com uma bandeirola branca no alto de um mastro de bambu.

Pelo seu trabalho de receber e animar os convidados, o sanfoneiro recebe de cada chefe de família um óbolo, que ele pede com um versinho apropriado, sacudindo algumas moedas num prato de latão. Dali os hóspedes são conduzidos imediatamente a uma longa mesa, já totalmente coberta de comida e copos ou canecas para as bebidas. Debaixo de uma cobertura de folhas de coqueiro os noivos se assentam à extremidade da mesa, enfeitada ali com um arco de ciprestes e flores. Cabe-lhes ficar ali até que os últimos convidados tenham almoçado, de acordo com uma ordem rígida de precedência que é determinada, no local, pelos que servem à mesa. Dá azar se os noivos se levantarem enquanto um único convidado está com fome. O cardápio é despretensioso: sopa de macarrão, carne e frangos assados no forno à vontade, batatas cozidas, seja a inglesa na “terra-fria” ou a doce na “terra-quente”, uns pratos de legumes, e uma papa de arroz com leite, muito açúcar e canela para a sobremesa. No fim de cada turno de refeição, as mulheres que cuidam da cozinha e do forno passam com um prato, solicitando, em pomerano, uma dádiva pelo seu trabalho. Enquanto são servidas as mesas, numa barraca armada no quintal são distribuídas as bebidas pelos pais dos noivos e alguns amigos destes. Antigamente era apenas vinho de barril e “gengibir” — uma infusão doce e picante — para as mulheres e as crianças. Hoje predominam cerveja e refrigerantes, nem sempre gelados, que são distribuídos em garrafas.

Após o repasto, os noivos posam para um fotógrafo especialmente chamado. As fotografias se destinam a compor o quadro do casal que pode ser encontrado em todas as salas das casas dos colonos. Depois de tirada a fotografia de todos os presentes, no pasto atrás da casa, começam as danças. Inicialmente só dançam dois pares, sendo que o noivo tem que dançar com todas as senhoras e moças e a noiva com todos os homens presentes. Depois começa a depredação dos enfeites verdes da sala, que são jogados ao chão juntamente com os ossos de galinha do almoço. Enquanto os noivos têm que dançar no meio dos destroços, as moças tentam varrê-los para fora, no que são impedidas pelos rapazes. Repentinamente, a noiva foge para seu quarto. Os hóspedes fazem de conta que vão arrancar seu véu, mas, com a proteção do noivo, ele é salvo. Pouco depois, os noivos voltam, ele já sem o chapéu e ela sem o véu, para a continuação das danças e festejos. À meia noite, os noivos se retiram, mas a festa continua até o clarear do dia seguinte.

Na terça-feira, após o casamento, a jovem esposa acompanha o marido à sua casa, levando seu dote: uma vaca, uma égua, um baú com roupas e, talvez, um armário novo. É tudo a que ela tem direito, pois os pomeranos conservam a tradição de sua terra: só os filhos homens têm direito aos bens imóveis. Os pais se esforçam por comprar um pedaço de terra para cada filho, antes de seu casamento, pois um só, geralmente o caçula, herda a propriedade dos pais, os quais tem que sustentar enquanto viverem. Se não for possível comprar terra para os outros filhos, estes têm que se arranjar como meeiros, isto é, trabalhando na propriedade de outros, a quem entregam a metade da colheita do café e uma parte, fixada em cada caso, dos cereais que colhem. Por essa razão, muitas vezes os pais vendiam a propriedade para comprar uma área maior, de terras novas e baratas, a fim de que cada filho tivesse sua propriedade ao casar. É a principal razão das constantes migrações dos teuto-capixabas e de seus problemas com a “justiça” brasileira, tão bem descrita pelo juiz de Santa Leopoldina, Graça Aranha, e magistralmente elucidada por outro juiz, Renato Pacheco, que estudou a questão “in loco”.[ 23 ]

Entre os usos dos colonos ainda deve ser mencionada a benzedura. Para as lagartas nos pastos é o remédio mais comum. E funciona sempre, porque o “benzedor” conhece o ciclo da praga e benze na hora exata. Três dias depois desaparecem.

No caso das lagartas, a benzedura chega a ser um simples fato folclórico, sem maiores conseqüências. Bem pior é quando aplicada aos doentes, principalmente às crianças. Soubemos de vários casos em que crianças morreram de mordedura de cobra, infecção e principalmente pneumonia porque foram levadas ao “benzedor” em vez de a um médico. O pomerano Granzow, em 1967, ficou chocado porque viu nos registros de uma igreja em Afonso Cláudio que, dez anos antes, um menino de 13 anos, levado à benzedeira, morreu de mordedura de cobra.[ 24 ]

A família dos colonos

Nos registros oficiais são encontrados sempre os nomes dos chefes das famílias dos imigrantes, de suas esposas, dos filhos e de “agregados”, quando os havia. As terras e a ajuda para a manutenção sempre eram dadas a famílias, ou a homens, maiores de idade, em condições de constituir família. As famílias desbravaram as florestas e dividiram entre si as diversas funções necessárias a esse mister. Os homens cuidavam das derrubadas, da construção de casas, dos paióis, dos chiqueiros e das cercas. As mulheres cuidavam da casa, das costuras para toda a família e sobretudo da cozinha. Plantavam flores, hortaliças e tubérculos para a alimentação própria e do gado. Criando galinhas, patos, perus e galinhas d’angola, as mulheres contribuíam para a alimentação com o prato domingueiro, o “frango na panela”, e os ovos que substituem muitas vezes a carne. A carne mais consumida é a de porco e, de vez em quando, mata-se e come-se um garrote. A ordenha das vacas, geralmente, é feita também pelas mulheres que, além disso, vão para a roça de terça a sexta-feira. Às segundas-feiras lavam roupa e aos sábados cuidam da limpeza da casa e assam o “brote”, o pão de milho com cará, aipim ou taiobas. Enquanto a mãe trabalha na roça ou na horta, as crianças ficam com ela, mesmo os lactantes, que são amamentados lá mesmo, quando choram de fome. As crianças maiores brincam ao redor da mãe e, aos sete ou oito anos de idade, já aprendem a trabalhar com uma enxada menor.

Sem um homem para os serviços pesados, ou sem uma mulher para preparar a comida e cuidar da casa, o empreendimento agrícola não funcionaria corretamente. É, portanto, uma das razões por que a família dos imigrantes alemães e de seus descendentes assumiu uma rigidez raramente encontrada em outros segmentos da população brasileira. Os desquites e o adultério são quase desconhecidos, em parte também por causa do isolamento e dos princípios religiosos dos colonos. Assim as doenças venéreas e os filhos extra-matrimoniais também são raros. O que não é tão raro são os filhos de mães solteiras, pois, muitas vezes, os jovens têm relações sexuais pré-matrimoniais. Costumam casar ao primeiro sinal de gravidez da moça, mas, quando isso não ocorre, a moça sofre os piores vexames na família, podendo ser expulsa da casa, como já constatou o juiz de Santa Leopoldina, Graça Aranha. No início do século XX escreveu o romance Canaã, em que a heroína é a órfã Guilhermina Lübke, que o autor chama de Maria Perutz. Num cafezal, ela deu à luz uma criança do sexo masculino em 3 de agosto de 1889. O pai da criança, que era filho de seu patrão, preteriu-a, posteriormente, por outra moça com dote maior. A criança morreu, ou nasceu morta, e foi encontrada entre os porcos, ao lado da mãe desmaiada. O processo prolongou-se, por pressão da colônia, e Guilhermina só foi solta, em Vitória, a 29 de março de 1892, um ano após sua absolvição.[ 25 ]



Assimilação dos alemães

Os alemães, geralmente, têm facilidade de adaptação às novas situações. Sendo um povo estabelecido num dos “corredores” do mundo, sofreu a influência de todos os que passavam por ali, fossem eles comerciantes, turistas ou guerreiros. A Alemanha foi palco das guerras pseudo-religiosas da pós-reforma. Basta lembrar a guerra dos trinta anos, que a devastou de ponta a ponta. Napoleão a usou como campo de exercício e corredor para invadir a Rússia. Com sua crescente industrialização teve que enfrentar os interesses contrariados da França, no século XIX, quando finalmente conseguiu sua unificação sob Bismarck. Os alemães se adaptaram tão rapidamente à idéia de um império que até estabeleceram colônias na África, como todas as grandes potências da época. Finalmente, no século XX, enfrentaram suas guerras, seguidas de derrota e destruição quase total. Sempre conseguiram adaptar-se às situações da época e prosperar novamente. Mesmo com seu país dividido em três partes, após a última catástrofe, hoje vivem bem, dentro de limites bem mais reduzidos e sob duas administrações totalmente diferentes [na época em que foi escrito o texto, a Alemanha ainda estava dividida em Alemanha Ocidental e Oriental].

Com base nessas observações, era de esperar que os imigrantes alemães se adaptassem e fossem assimilados, em pouco tempo, pelo corpo heterogêneo da nacionalidade brasileira. A adaptação ao clima, à alimentação, à construção de casas e ao vestuário foi quase imediata. E a assimilação cultural e lingüística? Bem, essa continua, até os dias de hoje, inconclusa, no Espírito Santo.

A princesa Teresa da Baviera, passando pela Colônia de Santa Leopoldina em 1886, observa: “Enquanto os primeiros colonos [alemães] tiveram que lutar com muitas dificuldades, parece que o povo daqui, hoje, leva uma existência, no mínimo, razoável, alguns até bem confortável.[ 26 ] A seguir, notando que os italianos, imigrados havia apenas 10 anos, já falavam o português entre si, ela lembra que os alemães, com o dobro de tempo na terra, nem com estranhos falavam a língua do país. Ela tenta elucidar o fato com a afirmação: “Esta renúncia fácil à língua materna se dá, segundo as minhas observações, apenas com imigrantes cuja língua se assemelha muito à língua do país em que estão.” Aplicando a mesma teoria aos Estados Unidos da América, ela notou que os imigrantes de línguas germânicas, entre eles os alemães, logo aprendiam e falavam o inglês, enquanto entre os latinos e outros isso só acontecia com seus filhos e netos.

Mas, em relação ao Espírito Santo, aquela culta senhora enganou-se quanto à assimilação lingüística em uma ou duas gerações. Em 1913, quando isso já deveria estar ocorrendo, segundo a sua teoria, Wagemann observou situação bem diferente. Os colonos alemães continuavam falando seus dialetos em casa e o alto alemão na escola e na igreja. Só os comerciantes e alguns poucos entendiam e falavam o português; porque as aulas eram dadas em alemão por “colonos ou existências náufragas” que mal sabiam ensinar a ler, recitar o catecismo e cantar.[ 27 ] Torres Filho, na mesma data, falando sobre a assimilação dos imigrantes, pensa como muitos brasileiros da época: “O elemento italiano, pela sua congenialidade com o nacional, já foi assimilado pelo meio, apesar de ser mais recente; enquanto que o elemento germânico, mais antigo, se mantém aferrado às tradições da raça perpetuando-se da 2.ª e 3.ª gerações.” Para ele, “por causa da quantidade de imigrantes alemães, excedendo a capacidade de assimilação do meio, deu-se o fenômeno da saturação, enquistando-se como uma massa estranha no organismo social”. Ele não culpa os alemães, pois, “por ser o colono proprietário da terra […] acha-se radicalmente preso aos destinos do Estado”. Torres Filho culpa “a falta de viação e de alguns cuidados secundários” por essa atitude refratária ao contato com os brasileiros, seus costumes e sua língua. Recomenda o melhoramento das estradas para que os colonos estrangeiros e seus descendentes “não permaneçam reclusos em paragens inacessíveis, embrutecidos, estranhos por completo às coisas de nosso país”. Para ele “não poderá constituir motivo de irritação patriótica, a circunstância de existirem zonas no Espírito Santo em que a língua portuguesa seja pouco ouvida”.

A razão para o fenômeno Torres Filho vê na “ignorância das suas novas condições de vida, fazendo-se assim, vítimas de explorações ignóbeis por ignorarem a língua do país”. Por isso “transmitem aos seus filhos a condição de simples colonos, sem modificar-lhes a posição na escala social”. Finalmente, Torres Filho indica o remédio, ignorado pelos poderes públicos durante três quartos de século: “A solução não reside somente na criação de escolas de ensino primário e na decretação de leis coercitivas, parecendo-me, antes de tudo, [que a solução] consistirá em afastar os colonos estrangeiros do isolamento pelas comunicações fáceis.[ 28 ]

Otto Maull, dezesseis anos depois, encontrou a mesma situação, mesmo nas “colônias novas da terra-quente”. Reconhece que poucos filhos e netos dos imigrantes se lembravam do império alemão, porque estavam “totalmente ligados ao solo espírito-santense”, eram brasileiros, mas viviam afastados física e culturalmente dos seus conterrâneos. Maull diz: “O colono vive solitário, não ouve quase nada do mundo, assim mesmo por terceiros. Mesmo as cidadezinhas vizinhas, ele não conhece. Para eles são estranhas, como se fossem de um país diferente, porque muitos colonos não conhecem nem a língua do país, o português… Só o comerciante serve de elo de ligação entre eles e o mundo dos negócios e lhes traz algumas notícias de fora.” E, diante de um cemitério abandonado, tomado pelo mato, o professor alemão exclama: “Do berço, até o túmulo, a floresta domina, aqui, a sorte dos homens. Determina quase todas as formas particulares de sua vida e ainda o seu último repouso.”

Comentando o apego dos colonos aos seus costumes e à língua de seus antepassados, Maull escreve: “Não causa admiração, nem é seu mérito que essa gente guardou fielmente o que levou para a floresta: um pouquinho de cultura e sua língua… Continuaram alemães, conservaram seu dialeto de antigamente e vão continuar alemães, enquanto continuarem vivendo neste isolamento, longe da brasilidade. Só quando aparecerem boas estradas, nesta terra de florestas, então soará a hora final do germanismo.” Para Maull, se o governo brasileiro tivesse tido interesse em assimilar os colonos alemães do Espírito Santo, “teria tido o cuidado de substituir as escolas alemãs por escolas brasileiras para seus cidadãos para os quais há obrigatoriedade de freqüência à escola apenas no papel. Isto, porém, não foi feito. Destarte os alemães tinham que cuidar de si mesmos, e, no final, tudo continuou na mesma situação.[ 29 ]

Gustav Giemsa e Ernst Nauck encontraram uma situação quase idêntica, pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Mas logo a seguir houve a nacionalização do ensino, durante o Estado Novo. Acabaram com as escolas alemãs de pouco rendimento e no seu lugar surgiu o nada cultural. As escolas públicas, geralmente regidas por mulheres moças ou homens velhos, semi-alfabetizados, “docentes de emergência”, ficavam vazias e uma geração de teuto-brasileiros criou-se analfabeta, falando apenas o seu dialeto e, por medo das autoridades, se enclausurou mais ainda, como o caracol na sua concha. Em 1961, Jean Roche encontrou a maioria ainda nesse estado: “Quanto às crianças, são quase todas bilíngües, com uma superioridade para o português desde que começam a ir à escola, e justamente porque o escrevem.” O pesquisador francês cita o presidente da província do Espírito Santo que, a 12 de agosto de 1869, se queixou dos colonos alemães que não queriam mandar seus filhos à escola brasileira e lhe pediam um professor alemão. Ele disse: “[Isto] lhes neguei formalmente, dizendo-lhes que o Estado não pagaria mestre senão da língua portuguesa, a qual deveriam aprender, visto como aceitaram o Brasil por nova pátria; julgo que não há senão um meio de obrigá-los a mandar seus filhos à escola [pública], é tornar a instrução obrigatória, o que não estranharão…[ 30 ]

De fato, nenhum alemão teria estranhado a instrução obrigatória, pois era assim em todos os estados alemães, já antes da unificação da Alemanha. Mas o fato é que tanto os alemães quanto seus descendentes tiveram que recorrer a suas igrejas para se instruírem. Então não é de admirar que pastores e padres alemães que vinham ao Brasil, por tempo limitado, lecionassem em alemão e, para a uniformização da língua litúrgica, os exigissem o mesmo dos “professores” da roça.

Só mesmo com estradas melhores os teuto-capixabas entraram em contato com o mundo, livrando-se da dependência total do comerciante local. Agora estão acordando de seu sono centenário para uma nova realidade. Já não pode existir mais o isolamento na grota. Primeiro foi o rádio, depois foi o “fusca” e a caminhonete e agora é a televisão que os integra lingüística e culturalmente. Mas o fator principal foi a melhoria de sua situação econômica, mediante a plantação de café segundo técnicas agrícolas mais avançadas. Se Jean Roche, há 19 anos, ainda constatou que “nenhum colono (nem mesmo filho de comerciante) tinha concluído o 2.º grau escolar”,[ 31 ] hoje nota-se uma tendência de enquadramento dos teuto-capixabas até às escolas superiores.

Mesmo o pomerano Granzow ainda não estava percebendo bem essa mudança em 1967. Ainda pleiteou o enquadramento dos teuto-capixabas, principalmente de seus queridos pomeranos, na prosperidade nacional e mundial. O processo está se iniciando. Só faltam as estradas e boas escolas em todo o Estado e a assimilação dos descendentes dos imigrantes alemães se processará sem choques nem retrocessos.



Influência da colonização alemã no Espírito Santo

A influência dos imigrantes alemães e seus descendentes na economia, especialmente na produção de café, e no desbravamento do Estado, é notória e já foi citada anteriormente.

Quanto ao comércio local, é de notar que todos os núcleos, desde o início, tiveram seu comerciante local. Este atendia de 50 a 100 famílias apenas e, geralmente, era um colono um pouco mais abastado que comprava a produção dos colonos e, em contrapartida, lhes vendia os gêneros de primeira necessidade que se reduziam a um mínimo. Compras maiores eram feitas, no início, só em Porto de Cachoeiro (Santa Leopoldina) e em Campinho, onde havia os “grandes” comerciantes. Santa Leopoldina até a construção da estrada que liga a Vitória, há 60 anos, era o maior entreposto comercial do Estado, superando a capital. Mais tarde, alguns teuto-capixabas se tornaram “grandes comerciantes” em Lagoa, Crisciúma, Baixo Guandu, Palmeiras, Ponta e Santa Maria de Jetibá.

Aos poucos, os teuto-capixabas começaram a abastecer-se nas cidades em formação, como Afonso Cláudio, Itaguaçu, Colatina, São Gabriel da Palha, Nova Venécia e Barra de São Francisco. Isso sem prejuízo de novos “grandes comerciantes”, no norte do Estado, especialmente em Mutum Preto, Pancas, Laginha, Córrego Bley, Vila Valério e Vila Pavão.

Excetuando os comerciantes, quase não havia quem se distinguisse em algum empreendimento maior. Apenas alguns moinhos de fubá e umas poucas serrarias eram de propriedade de alemães ou de seus filhos. Para confirmar a regra, destacou-se o cervejeiro Norbert van de Kamp, de Calcar, na Renânia, que em 1897 começou a fabricação de sua cerveja, em Santa Leopoldina. Não fosse sua morte prematura, com apenas 50 anos de idade, e van de Kamp se teria tornado um grande industrial no Espírito Santo. Mais sorte teve seu conterrâneo Heinrich Meyerfreund, que não veio como imigrante, mas na mesma situação econômica destes. Iniciando sozinho, em 1929, a fabricação de balas e bombons, mais tarde, com amigos alemães, ampliou a fábrica Garoto, hoje conhecida no Brasil inteiro e no exterior.

A família Kautsky, de Campinho, se notabilizou igualmente no ramo de bebidas com a marca Coroa. Mas o atual dirigente da empresa, Roberto, se tornou famoso pelo conhecimento de plantas, especialmente de orquídeas. Algumas variedades levam seu nome, porque foram catalogadas por ele.

No ramo da avicultura intensiva, Theodoro Shwambach é um dos pioneiros, também em Campinho. De lá também procede o ex-governador Arthur Gerhardt Santos, descendente de alemães pelo lado materno. Além de vários outros, merece destaque o técnico agrícola Francisco Schwartz, que conseguiu implantar a horticultura em Santa Maria de Jetibá. As famílias Lindenberg e von Schilgen são conhecidas de todos, mas nada têm a ver com os imigrantes, propriamente ditos, de 1847 até hoje. O mesmo sucede com as famílias de comerciantes, Schroth e Langen, ou os médicos Schroder e Nickmann.

Karl Ilg, um austríaco interessado na sorte dos europeus de fala alemã e de seus descendentes, lembra as palavras de Fouquet: “O Espírito Santo é o único Estado de colonização alemã, no qual nunca houve um jornal, um periódico ou almanaque editado na língua alemã.[ 32 ] Além disso, notamos nós que Fouquet não cita ninguém do Espírito Santo entre os alemães que ajudaram a construir o Brasil.

A língua dos teuto-brasileiros

Como em quase todos os países europeus, na Alemanha há uma variedade de dialetos locais. A diferença entre um dialeto da baixada norte e de outro dialeto do centro ou do sul da Alemanha é tão grande quanto a diferença entre a língua portuguesa e a francesa.

Os imigrantes alemães que vieram para o Espírito Santo naturalmente, falavam seu dialeto particular além do alemão oficial ensinado nas escolas. Aqui, as minorias, misturando-se aos grupos majoritários, adotaram os dialetos destes, para sua comunicação no lar e com os amigos. Prevaleceram, pois, apenas dois dialetos: hunsrück e pomerano. O hunsrück (renano) é falado em Domingos Martins, Três Pontões (Afonso Cláudio), e em outros núcleos minúsculos no norte do rio Doce. O dialeto pomerano é que sobrepujou todos os demais entre os dois terços dos descendentes dos imigrantes germânicos. Aí se enquadram os holandeses de Garrafão, os tiroleses e os luxemburgueses. Muito raramente pode ser encontrada uma família de teuto-capixabas que ainda use em casa um outro dialeto ou mesmo o alto alemão (oficial). Por isso, com o fechamento das escolas alemãs, em 1938 e 1939, o próprio alto alemão passou a ser uma língua apenas falada e ouvida na igreja. Ninguém, mesmo entre os mais velhos, escreve razoavelmente bem o alemão oficial. Em relação a seus dialetos, nem querem crer que haja literatura neles. Granzow, viajando por todo o interior do Estado, constatou, no primeiro contato com os pomeranos, que eles se admiravam quando lia para eles no seu dialeto. Para eles não era possível escrever em pomerano.

Por outro lado, todos tomavam uma atitude de respeito e devoção quando Granzow lia estórias em alto alemão para eles. Essa é a língua oficial dos serviços religiosos, hoje compreendida apenas razoavelmente por uma minoria de velhos. Os jovens apenas entendem o dialeto caseiro e o português da escola, como bem observou Jean Roche.

Por isso a igreja luterana, no interior, em colônias ainda fechadas de pomeranos, está diante do dilema: ou o pastor prega em pomerano e é entendido por todos, ou prega separadamente em alto alemão para os velhos e em português para os novos. Caso contrário só será entendido, cada vez, por uma parte da congregação, pois para os novos o alto alemão representa o latim da igreja católica tradicional.

Quanto à qualidade do pomerano falado em nosso Estado, Granzow pode julgá-lo melhor do que eu, pois nasceu na Pomerânia Exterior e se criou, à semelhança dos imigrantes, em ambiente rural dali. Ele registra a impressão da sua primeira noite passada no interior, numa casa de colono alumiada por uma lamparina a querosene: “A gente se sente transportado para a Pomerânia Exterior, para uma época que eu mesmo não vivi, e, no entanto, a gente sente-se em segurança, como se estivesse na sua própria casa.” Quanto às características do falar dos pomeranos, o ilustre estudioso diz: “Na realidade a ‘língua’ pomerana está se extinguindo na Alemanha e é preciso viajar ao Brasil para ouvir o dialeto puro da Pomerânia Exterior, para estudá-lo.[ 33 ] Naturalmente, Granzow notou a intromissão de palavras mal pronunciadas de nosso português no linguajar dos pomeranos. São termos que correspondem a coisas que não existiam na sua terra de origem, ou são palavras novas que representam conceitos que só conhecem através do português.

O mesmo fenômeno pode observar-se com respeito ao dialeto do Hunsrück, em Domingos Martins. Só que esses colonos entendem, quando alguém lhes fala em alto alemão, como podem ser compreendidos por quem os ouve falar, pela primeira vez, nesse dialeto.

Granzow, encantado com a maneira dos teuto-capixabas falarem e cantarem, em seu dialeto materno, abismou-se ao constatar que pouquíssimos pomeranos capixabas sabiam onde fica e como é a terra de seus antepassados. Constantemente teve que comentar e elucidar as imagens da Pomerânia produzidas por seu projetor. Por outro lado, alegrou-o a assimilação sadia dos pomeranos, que torciam pelo Brasil e não pela Alemanha na Copa do Mundo de 1966. Por isso queremos terminar este ensaio com sua palavra a respeito dos descendentes dos imigrantes: “Querem ser hoje, em primeiro lugar, brasileiros e, só então, brasileiros de origem alemã.[ 34 ]

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NOTAS

[ 1 ] OBERACKER, Karl Heinrich. Der deutsche Beitrag zum Aufbau der brasilianischen Nation. São Paulo, Herder, 1955.
[ 2 ] SCHUELER, Heinrich. Brasilien ein Land der Zukunft. 2ª edição, Stuttgart und Leipzig, Deutsche Verlage-Anstaldt, 1912, p. 48.
[ 3 ] FERRARI, Ângela de Biase. Notas sobre os alemães no Espírito Santo. Rio, Associação dos Geógrafos Brasileiros, 1968, Colóquio de Estudos Teuto-brasileiros, Recife, p.56.
[ 4 ] WAGEMANN, Ernst. A Colonização Alemã no Espírito Santo. Rio de Janeiro, Serviço Geográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1949, p. 23.
[ 5 ] Idem, ibidem.
[ 6 ] SELLIN, H. W. Brasilien. Leipzig, G. Freytag, 1885, 1ª parte, p. 121.
[ 7 ] FERRARI, Ângela de Biase. Op. cit., p. 59.
[ 8 ] Idem, p. 55.
[ 9 ] THERESE VON BAYERN. Meine Reise in den Brasilianischen Tropen. Berlin, Dietrich Reimer, 1897, p. 30.
[ 10 ] Idem, ibidem.
[ 11 ] FERRARI, Ângela de Biase. Estudo Sanitário da Colônia de Santa Leopoldina. Vitória. Boletim do Departamento de Geografia, UFES, 1962, p. 59.
[ 12 ] WAGEMANN, Ernst. Op. cit. p. 36.
[ 13 ] Idem, p. 7.
[ 14 ] MAULL, Otto. Vom Itatiaya zum Paraguay. Leipzig, Karl W. Hiersemann, 1930, p. 145..
[ 15 ] TORRES FILHO, Arthur Magarinos. Estado do Espírito Santo e seu desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro, Pimenta de Mello e Co., 1913, p. 353.
[ 16 ] SELLIN, H. W. Op. cit., 2ª parte, p. 95-96.
[ 17 ] WAGEMANN, Ernst. Op. cit, p. 30.
[ 18 ] MAULL. Op. cit., p. 131.
[ 19 ] Idem, p. 105.
[ 20 ]  Giemsa, Gustav. Espírito Santo. Berlin. Volk und Heimat, 1937, p. 149-156.
[ 21 ] ROCHE, Jean. Op. cit., p. 299-344.
[ 22 ] Idem, p, 358.
[ 23 ] PACHECO, Renato José da Costa. A justiça contra Guilhermina Lübke. Vitória, 1976.
[ 24 ] GRANZOW, Klaus. Pommeranos unter dem Kreutz ds Südens. Tübingen und Basel. Horst Erdmann,1975, p. 71.
[ 25 ] PACHECO, Renato José da Costa. Op. cit.
[ 26 ] THERESE VON BAYERN. Op. cit., p. 313.
[ 27 ] WAGEMANN, Ernst. Op. cit. p.90.
[ 28 ] TORRES FILHO, Arthur E. Magarinos. Op. cit. p.71.
[ 29 ] MAULL, Otto. Op. cit. p. 105.
[ 30 ] ROCHE, Jean. A Colonização Alemã no Espírito Santo. São Paulo, Universidade de São Paulo, 1968, p. 281.
[ 31 ] GRANZOW, Klaus. Op. cit. p.11.
[ 32 ] ILG, Karl. Das Deutschtum in Brasilien. Viena, Eckhart-Schriften, 1978, p.47.
[ 33 ] GRANZOW, Klaus. Op. cit.
[ 34 ] GRANZOW, Klaus. Op. cit. p. 38.

[SEIDE, Frederico Herdmann . Colonização alemã no Espírito Santo. Vitória, 1980. Texto inédito. Reprodução autorizada pelo autor.]

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Frederico Herdmann Seide, nascido em Erxin, no Rio Grande do Sul, em 1926, é formado pela Universidade Federal do Espírito Santo em Letras. Fez especialização para professor de Língua e Literatura Alemã em Munique, Alemanha. Foi professor do Instituto Teuto-Brasileiro e de Língua e Literatura Alemã na Ufes. Atualmente leciona no Centro de Línguas da Ufes.

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