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Crescimento urbano e expansão do mercado imobiliário na Grande Vitória

Historicamente, o mercado habitacional vai se formar no Espírito Santo a partir da segunda metade da década de 50 e sua expansão se dá a partir dos anos 70. Que fatos levaram a isso? Ou que acontecimentos particularizam o Espírito Santo e fizeram com que o mercado habitacional só se formasse tão recentemente neste Estado? E o que originou a formação e expansão desse mercado no Espírito Santo, particularmente na Grande Vitória?

O mercado imobiliário, que é uma expressão do mercado habitacional, já estava formado no final do século passado e início deste nos grandes centros do país, como São Paulo. Pierre Monbeig (1953) faz relatos interessantes a esse respeito. Em 1890 o engenheiro Nothmann fazia o loteamento de Higienópolis. A chácara do Chá havia sido parcelada em 1876 para dar lugar a diversas moradias, assim como o largo do Arouche. E a avenida Paulista, no início do século, preparava-se para receber inúmeras mansões, registrando na paisagem urbana a prosperidade trazida pelo café.

Não só esses registros, mas outros estudos dão conta do nascimento e crescimento do mercado imobiliário como resultado do aumento da demanda por moradias no Estado de São Paulo. Em 1910, já havia a associação de empresas visando a lucros imobiliários, como a conhecida iniciativa da Light e da Cia, City de urbanização. Projetavam bairros distantes do centro, dotados de infra-estrutura e servidos por bondes elétricos, com a finalidade de auferir lucros com a venda de lotes, com a construção de moradias e com o aumento o consumo de energia elétrica que deveria resultar do incremento da utilização dos bondes, ocasionado pela consolidação dos bairros criados.

A partir da década de 30 foram significativos os investimentos imobiliários na cidade de São Paulo. A inexistência de mercado financeiro fez com que fossem realizadas imobilizações de capitais cafeeiros também em prédios para alugar.

No Espírito Santo nada disso ocorreu senão muito tempo depois e com características completamente diferentes das verificadas na capital paulista. A iniciativa privada tentou produzir o mercado imobiliário por volta de 1892, mas não foi bem sucedida. A esse respeito cabe referência à iniciativa da Companhia Brasileira Torrens, empresa estabelecida no Rio de Janeiro, que se instala em Vitória em 1890, e que teve o propósito de associar à construção de infra-estrutura de água e de esgotos na capital a venda de lotes urbanos, juntamente com a construção de casas e o fornecimento de material de construção por ela mesma fabricado. No mesmo sentido existem outras indicações que apontam a inexistência de mercado imobiliário em Vitória até pelo menos a segunda metade dos anos 50.

O projeto do Novo Arrabalde, de Saturnino de Brito, que propunha dotar a capital capixaba de uma área de expansão urbana em condições adequadas de salubridade, apesar de ter sido a primeira intervenção planejada na capital — foi concebido em 1896 — e de possuir técnica apurada de saneamento, semelhante à utilizada nas principais cidades do mundo, enfim um projeto exemplar para a época, que expressa no seu desenho o ideário positivista e valoriza a estética, no entanto sua área só foi ocupada, e portanto incorporada à malha urbana, a partir dos anos 20 e 30, ainda que timidamente.

Luiz Serafim Derenzi, em Biografia de uma Ilha (1965:184), fala de um tal Sr. Brian Barry, gerente da Casa Hard & Rand, uma das mais importantes empresas de exportação de café do Estado, instalada em Vitória em 1892, e que esse senhor foi proprietário da Fazenda Maruípe, tendo transferido essa propriedade, entre 1910 e 1920, ao cônsul da Alemanha, que a vendeu ao Estado nos anos 20. A Fazenda Maruípe compreendia 4.620 mil m2, a maior propriedade territorial rural existente na ilha de Vitória. Tinha relevo semiplano e era cortada pela estrada que conduzia à única saída norte da ilha. Portanto, tratava-se de uma área com diversos predicados, passível de se incorporar ao mercado imobiliário, caso ele se formasse. Um dos limites da fazenda confinava com as terras do Barão de Monjardim, que serviram ao nascimento do bairro residencial de Jucutuquara, o único que na década de 30 ficava afastado de Vitória. É de se imaginar que o Sr. Barry e o cônsul citado tivessem interesse na aludida fazenda para fins imobiliários, visto que suas respectivas atividades não condiziam com o trabalho agrícola nem a fazenda era situada em área fértil. A proximidade das terras com o centro da cidade e as experiências vividas em seus respectivos países certamente davam a conhecer a esses senhores a importância que tinha a terra urbana em termos econômicos, caso as cidades prosperassem.

Praia de Camburi, década de 20 (Arquivo Luiz Viana)

Entretanto, por mais que tivessem retido a terra na expectativa de que esta valorizasse, o mercado imobiliário não se formou naquele momento. Circunstâncias adversas fizeram com que a referida fazenda fosse vendida ao Estado. Nada aconteceu em seguida com a área. E, se algo ocorreu, não se pode admitir que tenha sido por iniciativa do mercado imobiliário. Parte da Fazenda Maruípe foi doada à Prefeitura de Vitória, outra parte destinada à construção de um hospital público e, mais tarde, outras partes foram invadidas.

No final da década de 20, mais precisamente em 1928, um outro acontecimento ilustra bem a inexistência do mercado imobiliário em Vitória nessa época. O Sr. Ostílio Ximenes, comerciante em Vitória, resolve lançar um empreendimento imobiliário.

Praia de Camburi, 1998

Faz o loteamento do balneário Camburi, na expectativa de tornar aquela área um lugar de veraneio para o morador da capital. A fim de viabilizar seu intento decide fundar um jornal para divulgar o empreendimento e as qualidades do lugar. Para sua surpresa, a empresa imobiliária faliu e o jornal, seu instrumento de publicidade, prosperou.

O balneário Camburi, que compreende hoje orla da Praia de Camburi e parte do bairro de Jardim da Penha, um dos lugares mais valorizados da capital, só ganhou notoriedade com a construção da ponte de Camburi, que proporcionou a expansão da atividade imobiliária, concentrada na ilha de Vitória, para aquela direção, a partir da década de 70. O balneário Camburi, portanto, só se valorizou três décadas depois, e o jornal, já naquela época, destacou-se empresarialmente, tornando-se o jornal de maior circulação do Espírito Santo. Esta é a história que conta a origem do jornal A Gazeta, conforme se lê na sua edição de 11/9/74.

No âmbito da construção de moradias, as considerações vão no mesmo sentido. Até o início dos anos 50, predominou no Espírito Santo a promoção pública e a construção por encomenda, que são formas específicas de construção para atender às demandas por moradia de um mercado ainda não formado. A maioria da população vivia no campo e a habitação não fazia do rol dos problemas urbanos nesse momento. Para se ter uma idéia dessa consideração, basta saber que em 1950 a população urbana representava apenas 20% da população total do Estado e que só a partir dos anos 70 vai-se sobrepor à rural, vindo a representar 67% da população total em 1980.

Neste sentido, não houve, a princípio, a construção de moradias, diretamente para venda no mercado por parte da iniciativa privada, que não encontrou oportunidade de se viabilizar desse modo, Existem, contudo, os registros de iniciativas do governo — promoção pública — construindo ou contratando a construção de moradias, especialmente para funcionários públicos e mais tarde para os associados dos institutos de aposentadoria e pensões das entidade de classe, que passam a ter peso político nos principais centros urbanos do país a partir de 30 e,no Espírito Santo, a partir dos anos 50, mas com discreta importância.

Três iniciativas marearam a promoção pública de construções na Grande Vitória, que é uma iniciativa de construção de moradias coordenada pelo Estado, que contrata empresa para construí-las ou ele próprio em alguns casos constrói para atender demandas de fração da população que não pode contratar, encomendando por conta própria, a construção de sua moradia. Durante o governo Jerônimo Monteiro (1908-1912) foi realizada a construção de casas para venda a funcionários públicos nas hoje ruas Henrique Coutinho e José de Anchieta, no Parque Moscoso, uma área formada pelos terrenos do antigo Campinho, doados pela União ao governo, do Estado do Espírito Santo, em 1911. Segundo o governante, foi a forma de ressarcir os funcionários da tributação de 10% incidentes em seus proventos para auxiliar no reerguimento da máquina estatal.

Posteriormente, o governo Florentino Avidos (1924-1928) também construiu casas para funcionários públicos nas proximidades do antigo Colégio do Carmo e no bairro de Jucutuquara, É de se admitir, por essas iniciativas, que os funcionários públicos, tenham tido a maior representatividade política entre aqueles trabalhadores da capital. Não há registros que mostrem que institutos de aposentadoria e pensões de outras associações além das de funcionários públicos tenham contratado construção de casas para seus associados. Somente durante a administração Jones dos Santos Neves (1951-1954) houve essa iniciativa. O governo, através do recém-criado Instituto do Bem-Estar Social do Espírito Santo (IBES), manda edificar o conjunto Alda Santos Neves, hoje o conhecido bairro do IBES, em Vila Velha, que tinha a finalidade de constituir-se em bairro operário, que pudesse abrigar trabalhadores do setor industrial, que o governo esperava promover. Pelo menos dois dos grupos de casas edificadas no conjunto destinavam-se aos institutos de aposentadoria e pensões dos comerciários e empregados da Vale do Rio Doce e não apenas a funcionários públicos, como ocorria normalmente.

As considerações anteriores importam para mostrar que, na ausência de mercado imobiliário, em especial do mercado habitacional, o Estado ocupou o espaço da iniciativa privada, passando a atuar nesse seguimento para atender às demandas dos que não podiam encomendar a construção de suas próprias moradias.

Na década de 50, no entanto, é que começaram, por parte da construção civil do ramo imobiliário, as iniciativas de cunho empresarial destinadas a construir moradias para venda no mercado. Até então, como se sabe, construía-se por encomenda. O construtor só entrava no mercado por encomenda de um contratante que, geralmente, demandava o imóvel para o próprio uso ou de familiares. Foi muito comum essa prática na construção de casas nos bairros Parque Moscoso, Cidade Alta, Morro de São Francisco, e nas ruas Sete de Setembro e Graciano Neves, corno também na Praia do Sua, na de Santa Helena o na Praia Comprida, com várias delas sendo financiadas pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões Jerônimo Monteiro ou pela Caixa Econômica Federal.

No final da década de 40 e início dos anos 50 a construção civil experimenta contratos de maior expressão e lança-se no mercado, construindo edifícios para aluguel. Foram edificados quatro prédios com essa finalidade, que, por sua vez, marcaram o início da verticalização em Vitória. Foram o Edifício Antenor Guimarães, que fica na praça Costa Pereira, o Edifício Rocha, situado em cima do antigo Cinema São Luís, na rua 23 de Maio, e os Edifícios Alexandre Buaiz e Murad, ambos localizados na avenida Florentino Avidos.

Nesse mesmo início da década de 50 realizou-se a primeira investida empresarial do ramo imobiliário, em que um construtor lança edifícios para venda no mercado. Sua particularidade foi construir a preço fixo (sem corrigir os valores da prestação) e pela primeira vez fazer publicidade em jornal e cinema sobre o lançamento. O construtor pioneiro nessa modalidade de construção foi o Sr. Durval Avidos, com a participação do engenheiro Hélio Cyrino. A iniciativa foi bem sucedida e comportou a construção de quatro prédios (os Edifícios Del Mar, Riviera e Aristides Freire, na rua Graciano Neves, e o Edifício Presidente, na rua Gama Rosa) até que os efeitos da inflação interrompessem, temporariamente, o funcionamento da empresa.

Outras iniciativas que sucederam à experiência relatada tiveram sucesso mais duradouro, porque se protegeram dos custos inflacionários, incorporando fatores de correção nos seus preços. A esse respeito também cabe referência à construtora CIEC, fundada em 1954, e responsável pela construção de dez edifícios nas proximidades do Parque Moscoso entre 1954 e 1964, praticando a forma de construção a preço e custo, modalidade de construção então inédita no Espírito Santo, que diferia da forma anteriormente citada pela correção de custos efetuada duas ou três vezes durante a obra, no final da fundação, da estrutura e durante o acabamento. Também são dignas de nota as experiências de construção ditas a preço fechado (deu origem mais tarde à modalidade de construção por incorporação), no entanto, com previsão de custo inflacionário embutido no preço do empreendimento. Notabilizaram-se nessa prática as empresas Chrisógono Teixeira da Cruz Engenharia Ltda e Construtora Rio Doce. Essas experiências ocorreram a partir da segunda metade dos anos 50 e marcaram o nascimento do mercado imobiliário em Vitória.

A base econômica apoiada no café e os limites à urbanização dos investimentos

Na década de 50, a economia do Espírito Santo ainda era totalmente centrada no café. A produção estava no campo e o comércio realizava-se em Vitória. Desde o século passado já havia convergência comercial do café para Vitória. Em 1881, embarcava-se o produto por Vitória diretamente para o exterior. A capital não polarizava a produção de todo o Espírito Santo, mas da região serrana próxima, que concentrava 40% do café, de todo o Estado. O dinamismo da cidade, portanto, advinha do comércio e isso não havia mudado até então.

No Espírito Santo não existia segundo produto que pudesse competir com o café, cultivado em pequena propriedade com o trabalho familiar. É relevante, ainda, que, além da inexistência de segundo produto que sustentasse economicamente o Estado, a produção local destinava-se ao mercado externo. Isso tem significado. A nossa inserção no mercado externo, ou seja, na divisão internacional do trabalho, dava-se como produtor de produtos primários, e todo o adestramento do trabalho sofria os impactos desse condicionamento. Não se formou, como conseqüência, senão como uma raridade, o trabalhador artesão com aptidões que proporcionassem seu aproveitamento na indústria, Assim, a indústria, para nascer, teria dificuldades em obter mão-de-obra especializada para suas finalidades, bem como teria de criar uma complexa estruturação, produzindo até bens intermediários para que o bem final, objetivo da planta industrial, pudesse ser fabricado.

Essa consideração, no entanto, não constituiu uma particularidade do Espírito Santo, mas trata-se de um traço comum às cidades exportadoras brasileiras. O que particulariza o Espírito Santo é a importância da pequena propriedade e do trabalho familiar no cultivo do café e o seu atrelamento à instância do comércio. Essa particularidade impede que qualquer alternativa de urbanização de investimentos (criação de indústrias, bancos, comércio em geral ou até mesmo o controle do comércio de exportação do café), que criaria condições propícias para o desenvolvimento da atividade imobiliária, se dê por iniciativa da esfera da produção, na época com destaque a produção agrícola. Não poderia haver recursos suficientes concentrados na mão de um pequeno produtor para investir fora da sua unidade produtiva. Por isso admite-se que investimentos em empreendimentos urbanos no Espírito Santo, por parte do setor privado, que pudessem desencadear possibilidades de formação do mercado imobiliário, só poderiam nascer por iniciativa do comércio, que era onde havia maior concentração de excedente. E, como se sabe, as iniciativas mercantis não comportam o tempo de maturação requerido pelas ações próprias da atividade de produção, mas requerem retorno mais rápido. Seria, então, mais difícil esperar que a atividade produtiva urbana, representada classicamente pela indústria, nascesse do comércio, apesar de nele existir a maior possibilidade, por concentrar o maior montante do excedente. Essa suposição tem sentido, pois a indústria não nasce no Espírito Santo a partir de capitais oriundos do comércio, mas de maneira incipiente, sem transformar a base produtiva do Estado, dos recursos públicos. Primeiro, aqueles de origem local, por intermédio dos incentivos fiscais, e depois com resultados de maior significado, por meio de recursos públicos federais e capital externo. Caso não fossem suficientes os argumentos apresentados, os possíveis investimentos produtivos urbanos estariam ainda na dependência do montante de excedente, no caso concentrado na órbita do comércio. E se tomarmos São Paulo como referência de quantidade de excedente concentrado territorialmente, vamos verificar que as quantias aqui reunidas eram pequenas, a ponto de não ser possível a urbanização de investimentos, capazes de criar condições para o nascimento do mercado imobiliário. O outro aspecto diz respeito às oportunidades de investimento existentes localmente, que eram pequenas, relativamente àquelas dos grandes centros, possivelmente concorrentes.

O fato, no entanto, é que, salvo a existência da Companhia Vale do Rio Doce e da Companhia Ferro e Aço, empresas recém-instaladas na época, antes da década de 50, no nosso Estado e localizadas na Grande Vitória, todo o resto da economia do Espírito Santo girava em torno do café. O principal gênero da indústria de transformação, em 1950, eram os produtos alimentares, colocados bem acima da madeira, que ocupava a segunda posição. E, dentre os produtos alimentares, o beneficiamento do café era a principal atividade. O café, portanto, uma atividade agrícola, dava dinamismo até à indústria.

O café encontrava-se pulverizado no campo, assim como o seu beneficiamento. E o comércio ficava em Vitória. A ponta do circuito da produção situava-se na cidade e, portanto, no extremo de um circuito que tinha como fim o mercado externo. Isso significa que já nessa época, 1950, havia uma extrema concentração de renda num só ponto do circuito produtivo e também num único espaço geográfico, a ponto de permitir que se afirmasse tempos depois: ” … Vitória, individualmente, é a cidade que concentra o maior percentual da geração de renda do Estado.” (Santos, Cossetti e Morandi, 1996).

Apesar da concentração de renda e de atividades em Vitória desde muito tempo, o dinamismo econômico só foi capaz de viabilizar o nascimento do mecado imobiliário em meados doa anos 50.

As mudanças em curso no país e como o Espírito Santo se insere no processo

Na década de 50, como foi visto anteriormente, o Espírito Santo estava todo dependente do café. Os atores urbanos desse processo com peso nas decisões políticas de influência nos rumos do Estado eram principalmente comerciantes de café (atacadistas e exportadores) e comerciantes em geral, sediados principalmente em Vitória.

Os comerciantes de café tinham estreitos laços na cadeia de comércio que se estendia da cidade ao interior, passando pelos comerciantes maiores sediados em Vitória, os regionais, os intermediários nos municípios, até os produtores no interior.

Os comerciantes em geral tinham seus vínculos estendidos para fora do Estado. Os mais importantes eram representantes comerciais de indústrias situadas nos grandes centros (Rio e São Paulo). Talvez esta tenha sido a forma encontrada por fração expressiva das lideranças locais de se articularem no contexto nacional em função da inexpressividade da indústria local, decorrente das nossas condições históricas, como foi observado anteriormente.

O café, desde meados da década anterior, estava em ascensão, encontrava preços favoráveis no mercado externo e crescia em número de pés plantados.

Paralelamente à atividade agrícola, a indústria do centro hegemônico do país (São Paulo) buscava novos mercados, produzindo implementos para modernização do campo. As correntes do pensamento teórico que pautavam as decisões políticas de Estado viam a agricultura “atrasada” como fator de entrave para o desenvolvimento. Era preciso, segundo esse pensamento corrente na época, modernizar o campo, seja com o uso de novas técnicas (máquinas e insumos), seja promovendo mudanças nas relações de trabalho, para que se pudesse aspirar a qualquer alternativa de progresso.

Esse processo encontrou eco em diversas partes do território nacional. No Espírito Santo as mudanças no campo não foram imediatas, nem ocorreram pelo intenso emprego de máquinas. O café aqui era plantado sem nenhuma técnica (morro abaixo), era velho e com baixa produtividade. Com a crise nos preços internacionais do produto a partir de 1956, a política federal de erradicação (a primeira iniciada em 1962 e a segunda em 1966) teve grande aceitação no Estado, visto que ao produtor não restava alternativa.

A forma como era cultivado o café e os preços internacionais desfavoráveis acarretaram mudanças na agricultura capixaba. Acredita-se que foi no bojo dessa crise que se processaram mudanças no campo. O café deu lugar à pecuária, ao reflorestamento, mais tarde à cana-de-açúcar, que trouxeram concentração fundiária, mudanças nas relações de trabalho e, a partir de 1975, a própria retomada do café no Estado, mas através da utilização de técnicas modernas, com uso de insumos agrícolas (corretivos para o solo e adubos) e também de novas relações de trabalho.

Na cidade a alternativa perseguida para o reerguimento econômico do Estado foi a via da industrialização. Em 1969 foi editado o decreto-lei federal 880, que criou o FUNRES, cujos recursos provinham de uma parcela do imposto de renda a pagar de contribuintes estabelecidos no Estado, de que o tesouro abriu mão para o fundo, e da dedução de 5% do ICM, conforme estabeleceu a lei estadual 2.469/69. Atribuiu-se ao recém-criado GERES (Grupo Executivo para Recuperação Econômica do Espírito Santo) o papel de disciplinar a aplicação desses recursos, destinados a projetos nos setores industrial, agropecuário, turismo e pesca, além de sua aplicação no comércio e no serviço com o intuito de promover o desenvolvimento do Estado.

Contudo, apesar dos esforços, os recursos de origem local do fundo não foram suficientes para transformar a base econômica do Estado. Deram apenas condições a frações dos empresários locais de se prepararem para enfrentar os novos desafios por que passava a economia.

Se, a partir da década de 60, se inicia a modernização do campo, na década seguinte o Espírito Santo experimenta mudanças na cidade. Rompem-se os limites das fronteiras regionais. O Espírito Santo passa a ficar muito mais sujeito à concorrência dos Estados desenvolvidos. O mercado regional deixa de ser um domínio quase que só do comerciante local. A articulação de interesses locais no mercado nacional não se dá mais apenas por intermédio de representações feitas pelos comerciantes locais. Vive-se o momento da instalação de empreendimentos de fora no Estado, seja do setor industrial, seja do comercial ou de prestação de serviços, construindo-se desse modo novos vínculos com o mercado nacional e internacional.

Os empresários do Estado, para se protegerem da concorrência a que passam a estar expostos buscam crescer e se constituir em grupos e para isso utilizam-se do fundo local criado para recuperação da economia do Estado. Os que não conseguem o crescimento desejado e mantêm-se em atividades sujeitas à concorrência de fora sucumbem.

Nesse período o Espírito Santo beneficia-se das propostas do II Plano Nacional de Desenvolvimento, de descentralização industrial, criado pelo governo federal, que tem como estratégia conter os fluxos migratórios para os grandes centros, industrializando as cidades de porte médio. As lideranças estaduais se articulam e conseguem atrair a implantação dos grandes Projetos para a Grande Vitória, mas não participam diretamente deles. Os empresários locais ficam nos interstícios desse processo maior, beneficiando-se do dinamismo criado por ele. Mantêm os vínculos com o Estado local e com suas políticas, e ainda encontram oportunidades para se reproduzirem, também no setor da construção civil, por conta da urbanização que Vitória passa a concentrar, como conseqüência da mudança da base produtiva do campo para a cidade, promovida pela industrialização que se implanta na Grande Vitória.

Nesse sentido, a (re)integração do Espírito Santo no contexto nacional/internacional se dá por intermédio dos grandes projetos e das mudanças ocorridas no campo após a erradicação do café. O território capixaba passou a fazer parte da totalidade do espaço nacional do ponto de vista da expansão das relações capitalistas de produção. E, a partir desse contexto de mudanças, assume, em particular, a seguinte feição: apesar de ter seu dinamismo agora pautado fundamentalmente na indústria e de concentrar o centro da atividade produtiva na cidade, mantém a sua lógica voltada para o mercado externo, assim como acontecia quando o núcleo do processo produtivo estava no campo. Resultado: a concentração urbana continua centrada na Grande Vitória, porém com aumento de vários níveis de intensidade.

Impactos provocados pelo deslocamento da base produtiva do campo para a cidade: a concentração urbana na grande vitória e a expansão da demanda habitacional

A (re)integração do Espírito Santo ao contexto nacional/internacional pode, a seguir, ser percebida, assim como seus efeitos, provocando a concentração urbana na Grande Vitória. Tudo isso vai criar espaço para expansão da construção civil do mercado imobiliário, como conseqüência, dentre outras coisas, do aumento da demanda por moradias.

As mudanças no campo desencadeadas com a erradicação do café na década de 60 e o processo de industrialização iniciado a seguir vão dar os traços do novo contexto que o Espírito Santo passa a viver.

Para se ter ideia da magnitude que teve a política federal da erradicação do café no Espírito Santo, basta, com base em dados do IBGE, de 1968, comparar as dimensões territoriais deste Estado com as dos outros Estados, juntamente com a quantidade de cafeeiros erradicados pela citada política, para então se poder imaginar os seus impactos, tendo em vista que, enquanto em São Paulo, Minas Gerais e Paraná foram erradicados 299.364, 363,703 e 249.957 mil pés de café, no Espírito Santo o número foi de 303.175. Assim, o Espírito Santo, abaixo de Minas Gerais — primeiro colocado no rankin da erradicação —, foi o Estado que mais erradicou cafezais, acima, até mesmo, de São Paulo. Resultado: reduziu-se à metade, de 1960 para 1970, a área ocupada pelo café no Espírito Santo, continuando a se verificar essa redução em menor intensidade até 1975. No lugar do café cresceram as áreas de pastagens, mais do que quatro vezes: passam de 310.096 para 1.408,761 hectares e elevam-se aproximadamente em 400 mil hectares nos cinco anos seguintes.

A reorganização territorial no campo a partir da liberação das áreas do café deu-se, também, estimulada pela política federal de incremento da pecuária, especialmente no primeiro qüinqüênio da década de 70. Apesar do efetivo bovino dobrar na década de 60, passando de 653.890 para 1.386.809 animais, o mesmo fenômeno quase se repete na década seguinte, porém na metade do tempo, quando atinge, em 1975, um efetivo de 2.104.159 bois, conforme dados dos Censos Agropecuários do IBGE.

É do conhecimento corrente que a pecuária é uma atividade que utiliza pouca mão-de-obra, ao contrário da cultura do café, que requer um elevado contingente de trabalhadores. Estima-se que, com a substituição do café pela pecuária, o desemprego provocado foi elevado no Espírito Santo, da ordem de 60 mil trabalhadores. De acordo com os dados de Laura Corrêa Guarnieri (1979), corroborados por Rocha e Morandi (1991), a mão-de-obra liberada pela erradicação do café foi da ordem de 73 mil pessoas, e apenas 13 mil encontraram trabalho no campo. Em conseqüência, admite-se que um elevado contingente de pessoas com história de trabalho no campo e suas famílias deixaram a área rural em busca de alternativas de emprego nas principais cidades do Estado.

A Grande Vitória se apresentou como alternativa mais viável, dentre as cidades do Estado, como opção de vida e oportunidade de trabalho para os que deixaram o campo. O contingente populacional dessa aglomeração urbana aumentou em aproximadamente 160 mil pessoas na década de 60 e assumiu, ainda, maior intensidade de crescimento na década seguinte, quando a população mais que dobrou em relação ao período anterior, passando de 332.483 pessoas em 1970 para 694.322 pessoas em 1980, conforme se pode observar nos dados censitários do IBGE.

A continuidade do processo de concentração urbana, quando manifestado na década de 70, não traduz apenas a substituição do café pela pecuária, como foi citado anteriormente, mas exprime o próprio retorno do café em novas relações de trabalho e com utilização de novas técnicas a partir da segunda metade de 70 e outros processos de modernização do campo com a emergência do reflorestamento, e posteriormente a implantação do programa de apoio ao plantio de seringueiras e o cultivo de cana-de-açúcar para produção de álcool. Estes e outros programas de menor impacto, ditos de modernização, tiveram forte peso na manutenção do processo de liberação de mão-de-obra, do campo, pelo menos durante a década de 70, até que as mudanças em curso trouxessem um caráter empresarial ao setor primário, Em outras palavras, estava-se promovendo uma (re)integração do campo a uma nova dinâmica de projeção nacional/internacional.

A nova dinâmica de articulação em que o Espírito Santo se insere não se dá apenas pelas mudanças ocorridas no campo, mas também pelo novo papel que assume a cidade, no caso a Grande Vitória, de concentrar o núcleo do processo, produtivo, que vai deixar de estar nas atividades rurais, para se, estabelecer na indústria.

A tentativa do governo local de promover a indústria por intermédio dos incentivos fiscais e isenções tributárias não mudou a base produtiva do Estado nem desencadeou a concentração urbana na Grande Vitória de maneira tão expressiva como os grandes projetos em impIantação nos anos 70. Os grandes projetos vão não só aumentar a importância relativa da indústria, mas também a do terciário, como conseqüência do seu forte atrelamento ao comércio exterior. Enquanto em 1970 o setor primário respondia por 52,51% da população economicamente ativa do Espírito Santo, e em 1980 passou a responder por apenas 34,0% do rnesmo contingente de trabalhadores, o setor terciário passou no mesmo período de 32,2% para 41,8%, sobrepondo-se ao primeiro, e o setor secundário (sem computar os dados da Companhia Siderúrgica de Tubarão-CST, que ainda não estava em operação) de 13,6% passou para 21,3% da população economicamente ativa do Estado, significando uma crescente importância das atividades ditas urbanas, relativamente àquelas do campo, e com expressiva concentração na Grande Vitória, onde o comércio já tinha história e a indústria encontrou melhores oportunidades para se implantar.

Abrindo os dados da população economicamente ativa do setor secundário, é significativo o crescimento da indústria de transformação, que passa de um contingente de 10 mil para 28 Mil pessoas de 1960 para 1970, chegando a 68 mil pessoas em 1980. No entanto, o surpreendente, nesse período, é o crescimento da indústria da construção civil na mesma intensidade e comportando, aproximadamente, o mesmo efetivo de população economicamente ativa que o da indústria de transformação, 9 mil, 28 mil e 65 mil pessoas. De onde pode-se aferir, das informações tomadas dos diversos Censos Demográficos do lBGE, que a população economicamente ativa do setor secundário basicamente está concentrada na indústria de transformação e na construção civil e com participações quase iguais no período 60-80, o que significa já um expressivo peso da indústria da construção civil no setor secundário. Supõe-se, ainda, que as considerações anteriores devem-se à concentração urbana, proporcionada pelas mudanças que estavam acontecendo no campo e na cidade, que elevou a demanda de moradias, criando novas possibilidades para a construção civil se expandir, e preferencialmente no espaço territorial bem definido da Grande Vitória. Nessa época, a área norte de Vitória formada pela Praia de Camburi, e diversas áreas do município de Vila Velha, próximas ou não do litoral, e, sobretudo, do município da Serra, achavam-se disponíveis para edificação, algumas loteadas e rarefeitamente edificadas, outras, talvez a maioria, com características rurais.

O indicador Valor Bruto da Produção da Indústria de Transformação também é ilustrativo para mostrar como os investimentos vão se urbanizando na década de 70 e como a construção civil vai se desenvolvendo nesse período. Tomando os dados de valor da produção de alguns dos gêneros da indústria de transformação, identifica-se com certo destaque o gênero minerais não-metálicos, porque, apesar de apresentar discreto crescimento entre 60 e 70, permanece estável na década seguinte, enquanto os demais gêneros tradicionais apresentam expressivo decréscimo no período, com exceção de metalurgia. Enquanto o ramo dos produtos alimentares deixa de representar 40% do valor bruto de produção da indústria de transformação em 1970 e passa a corresponder a 32% em 1980, e a madeira de 21% passa para 8%, os minerais não-metálicos mantêm-se em 10% do mesmo valor. Com algumas ressalvas supõe-se que as informações apresentadas são um indicador da vitalidade da construção civil, vez que os minerais não-metálicos se referem à produção de cimento e também de outros materiais usados pelo setor. As referências que estão sendo feitas ao desempenho da construção civil, do mercado imobiliário, têm o propósito, na falta de dados mais específicos, de funcionar como um possível indicador do aumento da demanda por moradias na Grande Vitória.

Trabalhando o cadastro das empresas de construção civil em atividade em Vitória em 1986 (IDEIES), constatou-se que a maior parte das empresas listadas foram criadas na década de 70 (na década de 60 foram criadas 14 empresas, enquanto na década seguinte este número foi para 51 empresas). Admite-se, assim, que estaria havendo um aumento na procura por moradias em Vitória a ponto de estimular o mercado da construção, justificando a criação das empresas no período. Apesar de o indicador fixar-se em Vitória, onde as empresas tinham sua sede, a atuação delas não ficava restrita a esse município, pois tiveram atividade também em outros municípios da Grande Vitória, principalmente na Serra e em Vila Velha, construindo para as cooperativas habitacionais.

Os financiamentos concedidos pela Caixa Econômica Federal, o mais importante agente financeiro, para edificações construídas por iniciativa de empresas privadas para venda no mercado — de moradias ou imóveis comerciais — trazem, da mesma forma anteriormente considerada, indicações a respeito do crescimento da construção, em particular do ramo imobiliário, quando os dados dos financiamentos do Plano Empresário da Caixa Econômica Federal indicam substantiva ampliação a partir de 75, havendo algumas oscilações em 77 e 78, para apresentar extraordinário saldo de 78 a 82. O total de financiamentos praticados na Grande Vitória pela CEF pula do montante de 501.668 UPFS, em 1978, para 3.871.350, em 1982. Deste montante Vitória respondia, em 1978, por 52%, em 1979 por 93%, mantendo a mesma participação em 1982. No entanto, essas considerações não devem significar ausência de atuação da construção civil do ramo de edificações nos municípios vizinhos de Vila Velha e Serra. A atuação, porém, dava-se via promoção pública, através das construções de interesse social, por intermédio das cooperativas habitacionais, cujos dados de financiamento não foram computados anteriormente, o que substantiva ainda mais as indicações sobre o crescimento da construção no período.

O expressivo dinamismo de Vitória no mercado da atividade imobiliária privada da Grande Vitória pode ainda ser ilustrado com as informações referentes ao m² de área licenciada para construção pela Prefeitura de Vitória. Na década de 60 houve aumento de área construída em Vitória, com discretas manifestações depois da criação do BNH, em 1964, mas nunca foi tão grande o crescimento de construções como entre 75 e 82, quando foram licenciados, respectivamente, 151.893 e 508.342m².

Vila Velha, 1969.
Início das obras de Jardim Colorado

Esse fenômeno vem junto com o adensamento e a elevada concentração urbana verificada em Vitória, contrapondo-se ao espraiamento da ocupação nos municípios vizinhos, mas que também foi expressivo em termos de geração de novas moradias, especialmente aquelas de interesse social, principalmente em Vila Velha e na Serra. Vitória concentra, pelo menos durante a década de 70 e boa parte da década seguinte, a verticalização que se processa na Grande Vitória, precedendo a que depois alcançaria Vila Velha. Considerando que os edifícios com mais de quatro pavimentos expressam a verticalização, tem-se que, em 1970, foram licenciados no município de Vitória 192.063 m² de construções com mais de 4 pavimentos e, em 1980, um total de 1.451.708 m². Isto pode ser comprovado pelos dados do Anuárío Estatístíco do IBGE. De certa forma os dados traduzem a maturidade do mercado imobiliário em seu processo de expansão, em especial atendendo, às demandas por moradias das diferentes faixas de renda da população.

Vila Velha, 1998
 (onde se vê o Jardim Colorado)

Apesar de as informações anteriores referirem-se a Vitória, não traduzem só os números das construções licenciadas por iniciativa da promoção privada. As cooperativas foram atuantes nesse período, produzindo moradias de interesse social. A falta de informações sobre os outros municípios não permite maiores considerações, mas sabe-se que a atuação delas foi maior em Vila Velha e na Serra.

De meados dos anos 80 em diante a construção imobiliária atravessa um outro processo de mudança.

Acostumada ao financiamento farto e a grande grau de manobra para contornar os obstáculos que apareciam no seu caminho, a construção realizada pela promoção privada cresceu e conseguiu os seus momentos de maior prosperidade na década de 70.

No curso dos anos 80, no entanto, um somatório de problemas começa a ameaçar a prosperidade até então vivida pela construção civil. A inflação, que anteriormente era plenamente contornada, aumentou como nunca, e as alternativas experimentadas para lidar com os problemas impostos ao setor já não se apresentavam eficazes. A construção civil veio a se defrontar com outros complicadores. Há manifestações nesse sentido. Em 1981, empresários do setor assim se manifestaram: “… o mercado já não comporta mais o repasse dos custos. (…) Em 20 anos de atividade, esta é a pior crise do setor”, garantem. (A Gazeta, 1/3/1981).

A partir de 82 os efeitos da inflação incidentes nos financiamentos imobiliários deixam de ser absorvidos pelos mutuários. Esta opinião é comungada por um empresário do setor quando afirma “… que os problemas na aquisição da casa própria, pelo BNH, começaram (…) quando os reajustes salariais ficaram bem abaixo da correção monetária”, (A Gazeta, 29/11/1985). As perdas acumuladas de quase uma década de inflação alta tornaram-se insuportáveis no inicio dos anos 80, culminando em 1982 com a correção das prestações, por parte dos agentes financeiros, muito acima dos reajustes salariais praticados pelos órgãos públicos e mesmo pelas empresas privadas. Isso deu margem a que inúmeros mutuários ingressassem na justiça reivindicando o cumprimento da cláusula contratual da equivalência salarial dos reajustes de financiamento imobiliário a serem praticados e, segundo a qual, os reajustamentos deveriam observar a correlação com a variação salarial dos contratantes dos financiamentos — mutuários do Sistema Financeiro da Habitação.

O movimento de mutuários de norte a sul do país reivindicando os seus direitos e a falta de alternativa do poder público para lidar com o financiamento de moradias em situação de inflação alta arranharam o Sistema Financeiro da Habitação, contribuindo para que na segunda metade da década o BNH fosse extinto.

A partir desse momento a construção imobiliária realizada por promoção privada passou a perceber que precisava mudar, encontrando outros caminhos. O primeiro e mais fácil foi voltar-se para o atendimento do mercado de alta renda, aquele em que o comprador não depende de financiamento. A outra possibilidade foi passar a construir para a mesma faixa de consumidor, porém na forma do que se costuma chamar condomínio fechado. Reduzia-se a lucratividade, mas, principalmente, os riscos.

A construção civil, na constante busca de saldas para a situação que estava vivendo, tomou como alternativa possível, naquele momento, investir em novas áreas onde havia maior disponibilidade de terrenos e preços menores. Na Grande Vitória a Terceira Ponte criou essa oportunidade, incorporando a orla da Praia da Costa, de Itapuã e em seguida de ltaparica ao mercado imobiliário de Vitória.

Esse mercado de alta renda até então referido começou, no entanto, a mostrar-se esgotado, sinalizando novamente que a construção entraria em processo de estrangulamento se não encontrasse outras oportunidades.

Dirigir-se para a construção de moradias de interesse social também foi uma alternativa aventada por muitos empresários. No entanto, essa possibilidade só comportava um número bem limitado de empresas.

A idéia que teve maior força foi reconquistar o mercado esquecido da classe média. No entanto, como? Os financiamentos estavam escassos e caros, assim como a classe média empobrecida. Tomar financiamento significava para o construtor dividir os já reduzidos lucros — reduzidos porque a classe média não podia mais pagar os preços praticados com margens tão altas de lucratividade como se fazia nos tempos áureos do setor — com o setor financeiro.

A alternativa encontrada foi fazer com que a construção assumisse o papel de banco. E parece que foi essa a forma criada para compensá-la da queda nos seus lucros: pleitear ganhos financeiros na forma de juros, funcionando como banco.

A alternativa, contudo, só foi possível porque o setor passou a investir seriamente na redução de custos. O mote foi o “combate ao desperdício” e a busca de novas estratégias empresariais de gerenciamento da produção. O presidente do SINDICON, neste mesmo caminho, ao tomar posse da direção da entidade em 1992, afirmava: “… uma das principais metas de sua gestão, a instalação, no Espírito Santo, de um centro de treinamento para aperfeiçoar a qualidade da mão-de-obra disponível no mercado, responsável hoje por baixos índices de produtividade e altos índices de desperdício, o que contribuiu para encarecer o produto final da construção civil”. (A Gazeta, 09/02/1992).

O comércio de imóveis também entrou nesse processo, criando facilidades para tornar mais acessível a moradia a maior número de pessoas, A comercialização do imóvel, então, passou a ser mediada por diversas transações que consistiam em receber mercadorias com liquidez, substituindo em muitas situações o dinheiro. E não só o construtor veio a receber bens como forma de pagamento pelo imóvel vendido, como também comprava material de construção com a moeda imóvel-em-construção. “O escambo abre um leque maior de opções de compra para o cliente”, afirmavam os empresários. (A Tribuna, 22/08/1993). Essa alternativa, contudo, apenas chega até a classe média mais aquinhoada. Daí para baixo a população encontrava-se descoberta, sem possibilidade de acesso à moradia, principalmente depois do fim do BNH.

Foram poucas as alternativas para buscar saídas que atendessem um maior número de pessoas situadas no estrato de renda menor que aquele contemplado pelas empresas incorporadoras. Era preciso buscar soluções que reduzissem mais o preço final da moradia. Um caminho seria diminuir o número de interessados no ganho proporcionado pela moradia. Em primeiro lugar, seria necessário escolher uma área onde o preço do terreno não fosse tão caro. Construir um grande empreendimento possibilitaria diluir o custo das áreas comuns, e proporcionaria ao construtor maior margem de barganha com fornecedores na compra de material. Tudo podendo ter reflexo no preço final da moradia.

O outro ponto importante com influência no preço final da moradia está relacionado à forma de construção escolhida para realizar o empreendimento. Construir por administração elimina o ganho da incorporação que naturalmente faria parte do preço do bem. O outro aspecto que merece atenção são as estratégias que não utilizam o financiamento convencional e possibilitam que não se pague pelo custo do dinheiro.

Neste sentido é, fundamental que se conheça a estratégia do INOCOOPS, que conseguiu, criando a sua própria alternativa, alcançar uma expressiva fração da população, até então não incorporada ao mercado de moradias.

Praia de Itaparica, anos 70

Bibliografia

Periódicos

A Gazeta: 1/3/1981; 29/11/1985; 09/02/1992.


A Tribuna: de 2210811993.

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Fotos: Jorge Sagrillo (reprodução e originais) e acervo Inocoop-ES (originais antigos).

[in A casa edificada, Vitória: Inocoop-ES, 1998.]

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Carlos Teixeira de Campos Júnior é Doutor em Arquitetura, Professor da UFES e sócio efetivo do IHGES, pesquisador das áreas de arquitetura e urbanismo tendo livros publicados.

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