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C.T.C.J., professor universitário, urbanista

Pontos positivos e negativos de Vitória hoje

A conformação física de Vitória, ilha, com pequenas ilhas ao seu redor é algo extraordinário. Na mesma perspectiva, seu relevo é belo, formado por morros, pelo platô onde começou a cidade e pela parte baixa das praias. Possui mar por todos lados e o manguezal camuflando o rio Santa Maria da Vitória.

Nas imediações desta ilha, com proporções estéticas harmônicas, os monumentos naturais do Penedo, do Mestre Álvaro e do Moxuara fazem vista. Mas é de Vitória, e não de outro lugar, que se tem a melhor possibilidade de contemplação desses bens da natureza.

A intervenção humana teve o cuidado, a princípio, de preservar e até valorizar os recursos formados pela natureza. Para o sanitarista que em fins do século XIX desenhou a expansão de Vitória em direção às praias, os morros serviriam de orientação ao transeunte nos seus deslocamentos. Em todos os pontos das vias seria possível orientar-se pelos morros e contemplar nas primaveras as floradas nessas partes elevadas. A previsão era de que a ocupação do bairro fosse apenas por casas baixas.

O morro da Barrinha, hoje do Colégio Sagrado Coração de Maria, concebido como área de contemplação, permitiria ao observador, de um lado, a visão do estuário do Santa Maria; de outro, a imensidão do oceano. E a preocupação com a natureza e com nossa história foi generosa por parte do engenheiro. E continua… a avenida Nossa Senhora da Penha foi projetada para que se visse ao seu término o convento quatrocentista; a atual rua Dr. João Carlos de Souza foi alinhada para dar visão à Pedra dos Olhos.

A natureza abundante com o tempo recebeu coberturas de cimento, ferro e pedra e ficou escassa. O ambiente construído, que era raro, tornou-se abundante. O que sobrou? O resíduo da natureza. Acrescento, o resíduo de tudo o que foi outrora abundante; também da terra, da água, do ar, da luz, do tempo e do desejo. Todos os resíduos da natureza, inclusive humana, imersos sob camadas, são pontos positivos, porque resistiram às mudanças, à produção e emergiram pelos interstícios porosos das camadas.

Corremos o risco de perder a natureza e a nossa própria natureza se não impormos a gestão coletiva das novas raridades (do resíduo); ou será que a produção de tudo que é “natureza” se imporá?

Então, os pontos positivos do Arrabalde Praia Comprida, para mim, hoje, não são os prédios de vidro e cimento, o comércio e os serviços facilitadores da vida dos moradores, nem mesmo as padarias/cafés, onde se senta e toma um bom café com conversa. Os pontos positivos são outros. Edifício de vidro há em toda parte; comércio, serviços, cafés espalharam-se por todos os lugares. O morro do Cruzeiro só nós temos; a ilha do Frade e a do Boi também. Temos muito mais. É que os espaços não são apenas o que se vê, trazem uma imensa carga histórica e emocional que as novas formas contribuem para apagar. E não se trata de saudosismo, nem de vontade de que se volte ao passado. Mas nem tudo pode desaparecer para ser produzido como representação do que foi no passado. O que se constitui hoje como novas raridades precisa de atenção especial, principalmente os nossos desejos. Então, onde estão os edifícios da Praia Comprida tem casas – por mais que insistam que os edifícios tenham substituído as casas. Nas ruas em que passam carros ainda caminham cavalos soltos que na infância laçávamos para passear. Há as peladas. No morro ocupado pela Petrobrás tem cajueiros, rolinhas e curiós. Tem! Alguém duvida?

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