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D. Pedro Maria de Lacerda – Biobibliografia

D. Pedro Maria de Lacerda, bispo do Rio de Janeiro.
D. Pedro Maria de Lacerda, bispo do Rio de Janeiro.

Pedro Maria de Lacerda nasce no Rio de Janeiro, paróquia da Candelária, a 31 de janeiro de 1830, filho legítimo de João Maria Pereira de Lacerda e Camila Leonor Pontes de Lacerda, portuguesa que vem para o Brasil com cinco anos de idade. João Maria de Lacerda, de pai português e mãe brasileira, segue carreira na Marinha, sendo reformado em 1861 no posto de capitão de mar e guerra. Ainda como guarda-marinha, faz parte da tripulação do brigue de guerra Pampeiro, que naufraga na barra da baía de Vitória em outubro de 1828, e precisa receber “ordem terminante” de modo que “não arriscasse a vida para salvar alguns objetos da fazenda nacional”. Católico fervoroso, empenha-se em obras de caridade, colabora com jornais fluminenses e publica obras ligadas à economia e matemática. Dos 11 filhos do casal, além do primogênito Pedro Maria, também se distingue Joaquim Maria de Lacerda, advogado, professor, editor de livros e escritor de obras didáticas, que morre na capital francesa, onde mora há muitos anos, em dezembro de 1886, quando seu irmão encontra-se em visita pastoral no Espírito Santo.

Pedro Maria de Lacerda faz seus estudos iniciais no Rio de Janeiro e frequenta as aulas de latim do padre Antônio Vieira Borges. Em 1841, com 11 anos de idade, seus pais o mandam, na companhia do sacerdote Luís Antônio dos Santos, recém-ordenado, para o famoso Colégio Nossa Senhora Mãe dos Homens na Serra do Caraça, que tem como reitor o padre lazarista português Antônio Ferreira Viçoso, depois bispo de Mariana. Por causa da repressão à Revolução Liberal em Minas Gerais, o estudante Pedro Maria transfere-se, em setembro de 1842, para Congonhas do Campo, onde os padres lazaristas já estavam instalados. O sacerdote Antônio Alves Ferreira dos Santos, o jovem capixaba “padre Alves” tão citado por D. Lacerda nos apontamentos da visita de 1886-1887, e que em 1914 publica um livro sobre a história da arquidiocese do Rio de Janeiro, assim descreve essa etapa da vida de quem seria titular do bispado fluminense: “Dotado de talento superior, terminou dentro de pouco tempo seus estudos preparatórios, inclusive filosofia racional e moral, e passou a cursar a filosofia e teologia e outras matérias eclesiásticas em Mariana, no Seminário Episcopal, para onde foi levado pelo seu antigo reitor D. Antônio Ferreira Viçoso, que passou por Congonhas [em 1844], de volta do Rio de Janeiro onde viera receber a sagração de bispo daquela cidade”.

Ainda bem moço, Pedro Maria acompanha o bispo de Mariana em visitas pastorais por Minas, passagens de sua vida que relembra nostálgico nestes apontamentos. Em 1848, D. Viçoso encaminha a Roma promissoras inteligências de Mariana, e futuros bispos: Pedro Maria de Lacerda, então com 18 anos, e os jovens padres João Antônio dos Santos, mais tarde bispo de Diamantina, e Luís Antônio dos Santos, depois bispo do Ceará e arcebispo da Bahia. Na Cidade Eterna, onde chega em julho de 1848 após passar por Paris, Pedro Maria estuda no Colégio Romano às expensas de seu pai e, em setembro do ano seguinte, obtém o grau de doutor em teologia. Informa-nos ainda Antônio Alves F. dos Santos que “de volta ao Brasil emprega-se no Seminário de Mariana, como professor de geografia e filosofia, e pouco depois é nomeado professor público de geografia e história do Liceu Marianense”. Com apenas 22 anos, “e vencendo todas as perplexidades de sua consciência timorata, é promovido a todas as ordens por D. Viçoso, que lhe confere em Mariana, na capela do seu palácio, tonsura e ordens menores em 18 de abril, subdiaconato em 16 de maio, diaconato em 5 de junho e presbiterato em 10 de agosto de 1852, com dispensa de idade. Celebra sua primeira missa no oratório do pequeno hospital das Irmãs de Caridade da mesma cidade”. No mês seguinte à sua ordenação, é efetivado como cônego da Sé de Mariana, “à qual serviu até junho de 1862, em que renunciou a sua cadeira por motivo de escrúpulos no desempenho de suas obrigações”. Por ter se formado e trabalhado com padres da Congregação das Missões de São Vicente de Paulo, também chamados de vicentinos ou lazaristas, alguns autores a ele se referem como membro dessa associação religiosa.

O mundo eclesiástico brasileiro logo toma conhecimento do cônego Lacerda, por dedicar-se com vigor às atividades da Sé de Mariana, nas quais empenha suas qualidades morais e intelectuais. O titular da diocese de São Paulo, D. Antônio Joaquim de Melo, o quer como bispo coadjutor com direito à sucessão, mas D. Viçoso é contra, pretextando não poder ficar sem seu principal auxiliar que, com trinta anos, se encontra novo ainda para ser elevado à dignidade episcopal. O cônego Lacerda, “de caráter tímido, modesto e despretensioso, embora firme e reto, dá graças a Deus, quando se vê dispensado de tanta distinção que o apavorava e livre de maiores responsabilidades. É entretanto decorado pela Nunciatura Apostólica com as honras de Protonotário a 31 de julho de 1861. Nessa ocasião foi também nomeado examinador pró-sinodal por D. Viçoso”, dignidades conferidas em reconhecimento ao seu trabalho. Vago o bispado do Rio de Janeiro desde 1863 com a morte de D. Manoel do Monte Rodrigues de Araújo, conde de Irajá, o imperador Pedro II assina, em 1º fevereiro de 1868, decreto de nomeação do religioso Pedro Maria de Lacerda para ocupá-la. Na escolha imperial deve ter influenciado, além dos dotes pessoais do nomeado, a indicação do marianense José Joaquim Fernandes Torres, detentor no ministério Zacarias da pasta do Império, justamente a que trata das questões entre o governo e a Igreja. O cônego Lacerda solicita ao imperador um mês de prazo para decidir sobre a indicação, a ser confirmada pelo Vaticano. “Chove, então, uma série de cartas para Mariana, animando-o a que aceitasse, não só da família, mas também do clero e episcopado”. Sua mãe também lhe escreve, e apela para que assumisse a nova dignidade, mas um bilhete de D. Viçoso, de 29 de março, é decisivo para sua resolução.

Na catedral daquela cidade mineira, a 10 de janeiro de 1869, acontece sua sagração episcopal, presidida por D. Antônio Ferreira Viçoso. Toma posse a 31 do mesmo mês, por procuração, e faz a entrada solene na diocese do Rio de Janeiro no dia 8 de março. Na qualidade de prelado reformador, ultramontano, partidário da romanização, D. Pedro Maria de Lacerda atua de forma intensa e coerente, tanto no aspecto doutrinário, quanto nas atividades práticas. Suas palavras e atitudes sempre repercutem de maneira amplificada no país, pois é o titular da diocese que sedia a Corte brasileira, a capital do Império. No tocante à doutrina, trata vigorosa e publicamente de temas cujo enfrentamento julga imprescindível para a reforma da sociedade e do clero brasileiros. Temas no centro de polêmicas exacerbadas à época e que devem ser examinados com cuidado, pois aos olhos de hoje parecem de menor importância ou até risíveis. Algumas das posições que adota são percebidas pelo simples exame dos títulos de cartas pastorais e documentos por ele publicados.

O novo bispo começa por arrumar a casa: logo em 1869, passa provisão que divide a diocese do Rio de Janeiro em comarcas eclesiásticas e estabelece regimento para os vigários da vara e arciprestes; ou seja, disciplina a circunscrição territorial e o âmbito de ação dos sacerdotes seus assessores ou representantes. Entre suas primeiras medidas, consta a reforma do Seminário de São José, cuja administração entrega aos lazaristas. O jornal católico O Apóstolo, impresso no Rio de Janeiro de 1866 a 1901, publica textos dirigidos ao clero e à população católica, ordenamentos da Santa Sé e divulga posições doutrinárias ultramontanas e mesmo políticas. Por exemplo: em 1887, na etapa final da campanha abolicionista, reproduz cartas pastorais de bispos brasileiros, apelando aos fiéis para libertarem seus escravos. D. Lacerda utiliza esse periódico para divulgar documentos de interesse da diocese. Há pouco tempo nela empossado, participa em Roma, juntamente com outros bispos brasileiros, do Concílio Vaticano I (1869-1870), no qual se manifesta.

Exerce D. Pedro Maria de Lacerda intensa atividade no vasto território sob sua administração eclesiástica, que compreende as províncias do Rio de Janeiro, Espírito Santo e parte de Minas Gerais, o Município Neutro, e Lajes, em Santa Catarina. De acordo com seu biógrafo D. Jerônimo Lemos O.S.B., e como se observa nos apontamentos ora publicados, prega constantemente nas igrejas, promove o ensino do catecismo nas paróquias e reúne o clero em exercícios espirituais dos quais também participa, além de enviar padres lazaristas em missões pela diocese, e empreender esforços, inclusive junto a D. Bosco, para o Brasil receber em 1883 os salesianos, que instalam sua primeira casa no país em Santa Rosa, Niterói.

Em 1871, D. Lacerda edita tratado canônico-moral acerca da residência dos párocos e curas sob sua administração, doutrinando-os e responsabilizando aqueles que deixam de cumprir seus deveres sacerdotais. Nesse mesmo ano, edita um protesto coletivo do episcopado brasileiro, dirigido ao imperador e à princesa imperial regente, “contra a sacrílega invasão de Roma em 1870” por tropas italianas, episódio que interrompe o Concílio Vaticano I que se realiza naquela cidade; e, em carta pastoral, anuncia a Lei do Ventre Livre, “sobre a libertação dos filhos de escravas e sua criação, recomendando a todos sua execução”. Representa ao ministro do Império, em 1872, “para que as eleições políticas se façam fora das igrejas”, considerando que tais espaços devem servir primordialmente ao culto. De 1873 a 1875, expede diversos documentos em que trata das relações entre a Igreja e o Estado e combate tenazmente a Maçonaria no auge da Questão Religiosa, bastando citar a Representação que a S. M. o Imperador dirige sobre a prisão e processo do bispo de Olinda e aderindo à representação do arcebispo da Bahia, de 1874.

O bispo publica, em 1877, carta pastoral “lamentando o carnaval do corrente ano na Corte, e promovendo uma subscrição para se mandar um cálice de ouro a Nossa Senhora de Lourdes em desagravo”, sob alegação de ter havido excessos e brincadeiras momescas com uso de efígie da santa. Nesse mesmo ano, retorna à sede pontifícia em peregrinação organizada por sua diocese pelo jubileu de ouro episcopal de Pio IX e em visita ad limina Apostolorum, a que os bispos são obrigados periodicamente; vai também a Turim e Paris. De autoria de D. Lacerda existem ainda a Cartilha católica e “o Cerimonial da Visita Pastoral por ele publicado em 10 de maio de 1880”, pouco tempo antes de fazer sua primeira visita pastoral ao Espírito Santo, e que “serviu de modelo para muitos dos Srs. Bispos”. Outro documento do bispo a se destacar, devido à importância de que se reveste na época de sua edição, é o Protesto apresentado a S. M. o Imperador pelo Bispo de S. Sebastião do Rio de Janeiro, por ocasião do decreto que manda converter em apólices intransferíveis os bens das Ordens religiosas, datado de 24 de fevereiro de 1884. Por meio dele, o prelado firma posição contra o governo numa polêmica que se arrasta por algum tempo, inclusive com desdobramentos judiciais.

A historiografia brasileira registra o nome de D. Pedro Maria de Lacerda como iniciador da Questão Religiosa, ao punir o padre José Luís Almeida Martins. Este sacerdote, português e maçom, serve como orador oficial na sessão maçônica de 3 de março de 1872, que tem lugar na sede do Grande Oriente do Lavradio, Rio de Janeiro, em comemoração à Lei do Ventre Livre, editada no ano anterior. Referida sessão também homenageia José Maria da Silva Paranhos, visconde do Rio Branco, que ocupa o cargo de grão-mestre da Maçonaria brasileira, e preside o Conselho de Ministros, ou seja, é o chefe do governo. Publicado o discurso do padre maçom, e tendo em vista vasto ordenamento jurídico-canônico, não resta a D. Lacerda alternativa senão suspendê-lo de ordens, quer dizer, proibi-lo de exercer certas funções sacerdotais. Instalada a Questão Religiosa, o titular da diocese do Rio de Janeiro não recebe qualquer punição, por se manter nos estritos limites de sua autoridade eclesiástica, ao contrário dos bispos de Olinda, o jovem D. Vital de Oliveira, e de Belém, D. Antônio Macedo Costa, que interditam irmandades religiosas, instituições mistas subordinadas ao mesmo tempo aos poderes temporal e espiritual. Mas D. Pedro Maria de Lacerda não deixa de apoiar os bispos punidos, também ultramontanos como ele próprio, pois não costuma ser omisso, e se pronuncia ou age sempre que necessário.

Suas iniciativas reformistas adotadas por essa época no campo religioso são como tapas de luva no governo imperial, que contra elas nada pode fazer. No dia a dia mostra-se capaz de gestos dramáticos, alguns dos quais relata nestes apontamentos, e outros narrados por seu secretário particular, como o seguinte, relacionado com a Questão Religiosa: no dia imediato em que D. Vital de Oliveira desembarca, preso, no Rio de Janeiro, vai encontrá-lo, e “ao vê-lo sem as insígnias episcopais, prostrou-se aos seus pés, beijou-lhe as mãos comovido e tirando a própria cruz peitoral, colocou-a no pescoço daquele prelado, dizendo-lhe: ‘Tem V. Excia. Revma. toda jurisdição nesta Diocese’”. Visita e ampara os bispos em suas prisões na capital do Império. No decorrer das sessões de instrução e julgamento no Supremo Tribunal de Justiça, que condena D. Vital à prisão, senta-se ao seu lado e ali permanece até o pronunciamento final. Distingue mais o titular da diocese de Olinda não somente por se identificar com suas ideias e atitudes, mas também por tê-lo sagrado bispo, poucos anos antes, em São Paulo. Revela-se cauteloso e discreto quando preciso, especialmente a partir do momento em que o governo brasileiro e a Santa Sé negociam os termos para superarem os entraves que originaram a Questão Religiosa. Mas deve ter guardado certo ressentimento do episódio. Na madrugada de 16 de novembro de 1889, ao saber que o imperador e sua família estão detidos no Paço da Cidade, à espera do embarque para o exílio, comenta, talvez pensando na transitoriedade da glória deste mundo: “Exatamente o que ele fez aos bispos…”.

D. Lacerda recebe distinções honoríficas, como a Cruz da Ordem de Cristo em 1876, relaciona-se com os grandes do Império e, na condição de integrante do conselho de D. Pedro II e de bispo capelão-mor, presta assistência religiosa à família imperial. “Gozara sempre da confiança plena do monarca,” como demonstra nestes apontamentos; contudo, “não era um áulico, mas um servidor franco e leal”. Indicado para arcebispo da Bahia e primaz do Brasil, em 1887, numa manobra tentada pelo internúncio monsenhor Spol­verini, representante da Santa Sé, para afastá-lo do Rio, recusa o cargo. Logo após a promulgação da Lei Áurea, a 17 de maio de 1888, é-lhe conferido o título de Conde de Santa Fé, com grandeza, pela princesa imperial regente, estando o titular do trono muito doente em Milão. Esse gesto da princesa Isabel, que no mesmo ano recebe de Leão XIII a famosa distinção católica Rosa de Ouro, pode ter sido em reconhecimento ao empenho do bispo pelo fim da escravidão no país, e revela-se mais significativo do ponto de vista político-religioso quando se sabe que, naquela mesma data, outros prelados e membros da elite civil também foram nobilitados. Seria uma tentativa de preparar a sucessão monárquica? Para os clérigos que procuravam conciliar o regalismo com a corrente de pensamento calcada na romanização, o que melhor conviria ao país em termos políticos seria uma espécie de teocracia – o Terceiro Reinado com o cetro e a coroa enfeixados pela beatíssima Isabel, tutelada pela Igreja.

Sobre D. Lacerda, diz Sacramento Blake: “Dotado de certa ilustração, nunca fez gala de orador sacro; só procurava fazer-se compreender das classes mais ignorantes. Se empregou às vezes linguagem mais áspera, ou menos conveniente, suas intenções eram puras; guiava-o a mais fervorosa fé católica”. Por sinal, seus esforços para ser compreendido pelas “classes mais ignorantes”, e o uso que fez “de linguagem mais áspera” estão registrados em trechos destes relatórios. O padre Antônio Alves F. dos Santos, seu secretário particular nos últimos anos de vida, nos oferece um depoimento sobre a condição física e a personalidade de D. Lacerda: “Dotado de constituição robusta e boa saúde, guardou sempre os jejuns, as abstinências e penitências prescritas pela Igreja, até o último ano de sua vida, que foi amargurado pelas enfermidades e sofrimentos morais”. E prossegue no perfil do prelado: “As vigílias, os trabalhos excessivos, os dissabores contínuos, as decepções inevitáveis da vida, os escrúpulos que frequentemente o assaltavam, tornaram-no muitas vezes áspero e brusco no seu trato, mas nunca lhe diminuíram a caridade e zelo de pastor pelas suas ovelhas”. O padre Alves nos informa ainda: “Era de caráter naturalmente retraído e concentrado, grave e sério, acostumado desde moço ao silêncio e à meditação”.

Por muitos anos, D. Pedro Maria de Lacerda passa temporadas nos colégios jesuítas de Itu e Nova Friburgo, no intuito de “buscar algum repouso para a sua vida bastante atribulada”. Sofre de “incômodos das pernas, classificados como beribéri”, talvez agravados por constantes jejuns e abstinências. Em 17 de outubro de 1889 tem um “insulto apoplético” e “apenas ficou com a língua embaraçada não sofrendo paralisia e nem sendo afetadas suas faculdades. Socorrido de pronto, acha-se melhorado.” Após guardar o leito por semanas, recupera-se aos poucos, mas no decorrer de 1890 sua saúde se deteriora rapidamente, agravada pela insistência daquele mesmo monsenhor Spolverini, representante papal no Brasil, agora para que renunciasse à diocese.

A contar do encerramento da sua segunda visita pastoral ao Espírito Santo, em março de 1887, a realidade institucional brasileira transforma-se num prazo muito curto. Um ano e pouco depois, é extinta no país a escravidão, ao menos na sua forma legal. Passado mais um ano e pouco, acaba o regime monárquico. Amigo do imperador exilado, D. Lacerda sofre com a queda da monarquia. No apagar das luzes do Império, o registro civil tão execrado por ele, em especial no que se refere ao casamento, começa a ser exigido por lei. Por ser bem informado, não ignora que o chefe do governo provisório, Deodoro da Fonseca, também exerce o cargo de grão-mestre da Maçonaria brasileira, da qual são membros todos os componentes do primeiro ministério republicano. E, com certeza, tem notícia dos trabalhos da Constituinte, em que se desmonta o regime do padroado e se estabelecem as bases para efetiva institucionalização no país da liberdade de culto; os protestantes que tanto combatia podem agora praticar livremente sua religião. Já muito doente, renuncia ao bispado do Rio de Janeiro em 15 de outubro de 1890, em favor de D. João Esberard que, no entanto, não lhe sucede imediatamente.

Desaparecidas a escravidão, a monarquia e a união do Estado com a Igreja, acabam irremediavelmente os principais componentes do mundo em que o bispo viveu e exerceu o poder. E, nesse contexto hostil às suas convicções políticas e doutrinárias, se extingue também a vida de D. Pedro Maria de Lacerda. Recebe os últimos sacramentos, ocasião em que com voz débil reafirma sua fé católica e perdoa aos inimigos. Falece no Seminário de São José, Rio de Janeiro, “depois de muitos dias de ânsia e gemidos profundos, que se ouviam de longe”, às cinco horas da manhã de 12 de novembro de 1890, cercado de alguns sacerdotes e amigos dedicados; contava sessenta e um anos de idade incompletos. Após o embalsamamento, seu corpo é transladado com todas as honras de estilo para o Palácio da Conceição, residência dos titulares da diocese fluminense, em cuja capela baixa à sepultura no dia 14, após exéquias solenes. Seus restos mortais, assim como os de outros eclesiásticos ali sepultados, são transferidos posteriormente para a nova Catedral Metropolitana, situada à Avenida Chile, Rio de Janeiro.

[Citação de trecho relativo à biografia do bispo do texto ACHIAMÉ, Fernando, Espero em tua palavra. In LACERDA, D. Pedro Maria de. Diários das visitas pastorais de 1880 e 1886 à Província do Espírito Santo. Vitória: Phoenix Cultura, 2012.]

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