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Entrevistado: Darly Mathias



Entrevistado: Darly Mathias
Grupo ao qual pertence: Itapuã
Entrevistador: Maria Clara Medeiros Santos Neves
Data da entrevista: 16/10/2013.

Local / data de nascimento: Santo Antônio, Vitória, ES, 12/08/ 1924.
Nome do pai: Ceolino Ferreira Matias, pescador.
Nome da mãe:

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Eu nasci em 12/08/ 1924, em Santo Antônio, num cantinho muito esquisito, na casa da minha avó, em Vitória.

[Como o senhor veio para Vila Velha?]

Meu pai era pescador e ele não parava. Ele foi morar com minha mãe em Santo Antônio e lá eu nasci. De lá ele morou na Praia Comprida, em Inhoá onde hoje é a Marinha, e de lá foi para a Barra do Jucu. Da Barra do Jucu tornou a voltar para Vila Velha, porque na Barra a pescaria naquela época era muito ruim, até para vender peixe tinha que carregar em animal porque […] em Vila Velha […] ninguém carregava 40kg […] porque era muito peso e era muito longe e se carregava em animal.

Colocava os balaios no animal e carregava o peixe. Em Vila Velha ele levava peixe para vender no mercadinho e quando não era em Vila Velha, ia à cidade (Vitória, Vila Rubim) porque quando era mais ou menos 100kg de peixe ele ia vender na cidade, porque em Vila Velha era ruim de vender, tinha pouco movimento e o pessoal desconfiava de vender até 100, 220kg de peixe, então partia para vender na cidade. Na cidade já tinha os compradores que compravam tudo para revenderem, recebia o dinheirinho e vinha embora para casa.

Depois, fomos para Itapuã e minha mãe morreu. Voltamos para Inhoá de novo e fomos morar na Rua da Abissínia, que ficava perto do cemitério de Vila Velha, e de lá para Itapuã. Em Itapuã, ficamos até quando papai morreu.


[E o seu pai? Qual o nome dele?]

Meu pai era Ceolino Ferreira Matias e era pescador. Ele aprendeu a pescar com o pessoal da Barra, onde ele pescava. Não sei se o pai dele, meu avô, era pescador, porque não conheci ninguém da parte do meu pai, só conheci minha avó da parte da minha mãe e também só ela, nem meu avô conheci.

[O senhor sabe se o seu avô pescava?]

Não sei bem, alguns trabalhavam na roça, tiravam lenha para revender, podiam até pescar, mas viviam mais da roça, tirando madeira para vender, porque a pescaria é um pouco ingrata. Cai vento sul, vento leste, não dá para pescar porque agita o mar e a pessoa não tem como ir pescar, ainda mais lá na Barra, o mar ali é perverso e já matou gente na Barra. Aquele mar é perigoso. Na Barra, de onde o pessoal sai, eu já pesquei ali com meu irmão, mas aquilo ali não é lugar para pescaria, é muito perigoso.

[Quando foi que o senhor começou a pescar?]

Comecei a pescar com idade de 11 anos, com meu pai, que me levou para o mar para pescar com ele no bote. Naquele tempo o bote […] em Vila Velha […] era bote canoeiro […] Ele tinha dois botes e nós pescávamos no bote com ele. Comecei a pescar com papai lá na ponta de Itapuã. Remava até a idade de 12 anos e fui treinado a remar. […] A pescaria é difícil, tem que ganhar o dinheiro e guardar.


[Como era a pesca naquela época?]

Naquela época era pescaria de anzol na enseada. Matava muita espada, naquele tempo tinha muita espada. Às vezes a gente ia para o alto (mar) e matávamos muito peixe: bonito, papa-terra, bargo, realito, que é parecido com papa-terra. A boca dele (realito) é fininha e não tem dente, já o papa-terra tem dentes. O realito é um peixe muito carregado, é gostoso, mas a pessoa que tem alguma resma, não pode comer. Mulher que ganha neném não pode nem tocar, é uma resma danada, é até capaz de morrer. É muito gostoso, mas é muito perigoso, já o bargo e o papa-terra não são perigosos.

[O que é resma?]

Por exemplo: a mulher quando está de resguardo, está com problema. Está com o corpo aberto, é remoso. Se der uma hemorragia de repente, está morto. Naquela época era muito perigos, hoje nem tanto, se salva porque tem muito recurso e médico para corrigir.


[O senhor pescava de anzol?]

Então, primeiro eu pescava de anzol, Depois, quando fui morar em Itapuã, passei a colocar rede também. Era rede de puxar peixe para a praia, de arrastão. Puxava para a praia e depois colocava nos caminhões para poder levar para a cidade (Vitória) para vender e a rede de espera fica dentro d’água, com as pedras amarradas para mirar no outro dia. Pelo dia também se mira. […] na Praia da Costa, Itapuã, esse pessoal que colocava rede, as armadilhas de espera, não estão mais usando, porque os banhistas reclamaram porque estavam puxando peixe perigoso para a beira da praia (tubarão) e o povo ficou com medo e daí tiraram. O pessoal não coloca mais armadilha, muito mal nas pedras e nem lá pode. Nas escalvadas não pode colocar mais. Na Barra do Jucu tinha umas pedras em que se colocavam armadilhas e se pegava peixe à vontade, se pegava xaréu, enchova, sarda, mas agora não pode colocar mais, só pescar por fora, colocar rede de fundo.

Rede de fundo só se trabalha em baixo d’água, não fica boiando, só fora.[…] Desce umas três, quatro braças de altura, aí pode colocar, mas a boieira não pode colocar nem mesmo em pedra […] Hoje em dia não pode mais, acabou. Se colocar o Ibama prende a armadilha, a embarcação e, se facilitar, vai até preso, está um caso sério.

[O senhor se lembra do calendário de pesca de quando o senhor começou a pescar?]

No tempo quente, janeiro até fevereiro, era bom para peixe de rede, já março em diante não era muito bom. Março, abril, maio, junho, julho e agosto não eram grande coisa para peixe e até hoje não é grande coisa, porque no tempo frio dá muito temporal e ventania. No mês de agosto então dá muito vento. É difícil um mês de agosto que não dá muita ventania. Quando é nordestão que sopra para o sul, e o vento leste também é horrível e se a pessoa não tiver cuidado […] Tem matado pescador aí fora, tanto com embarcações a motor como embarcações a remo também.

Eu não morri no mar, porque Deus é muito bom […] Mas já vi a coisa feia, quase morri em um temporal. Tem embarcações aí perto, no lameirão, que pegam temporal de repente, a embarcação não aguenta e naufraga. Depois que a embarcação vira não tem mais jeito, […] o sujeito está morto porque nadar de uma distância daquela para cá, da ilha para fora, ninguém aguenta nadar para terra. Só se a pessoa der sorte e tiver uma embarcação por perto e ir pegar. Eu mesmo já vi gente morrer afogada na mar. […] Nem deu temporal e nem sei como foi aquilo.

Outra vez também nem deu tanto temporal. O rapaz foi botar o bote em cima […], o pai dele já era de idade, caiu em cima dele e a canoa virou. Eram três, dois filhos e o velho. O velho não aguentou e morreu, os dois filhos se salvaram. Nos fomos até em Itaparica, perto da Barra, pegá-los. Eles estavam em cima da canoa emborcada, com as pernas abertas em cima da canoa, foi o pessoal da família Miranda, é a história do pai da Maria Miranda.


[Como era Vila Velha no seu tempo de juventude?]

Na Praia da Costa quase não tinha moradores e não tinha prédios. Não tinha moradores, só tinha uns moradores no canto da praia da Sereia. Depois […] do Dr. Rocha e depois o Dr. Luiz fez uma casinha cá perto dos prédios, onde tinha um morro. A primeira casa de lá era a dele, depois o prédio Guruçá e o Sol e Mar, do outro lá. Um do lado de cá e outro do lado de lá, foram os primeiros prédios da Praia da Costa. Depois teve o prédio da D. Doca, de 16 andares. […]

Mas quem vê hoje em dia Vila Velha e Praia da Costa o que era antigamente, o pessoal que nunca viu fica bobo, pensa que da Praia da Costa para cá era bonito? Era só mato, espinheiro, estrada de barro e só, mais nada. Hoje em dia a Praia da Costa é movimentada, tem muitos prédios. Mas de Itaparica, Itapuã cá para baixo, nem sonhava. Os prédios que tem hoje em dia […] pra lá, só tinha espinheiro. Eu mesmo cheguei a espetar meus pés nos espinhos […] e barracão de pesca de pescadores que pescavam em Itapuã.


[O senhor se lembra dos moradores de Itapuã?]

Os primeiros de Itapuã foram o pessoal da Maria Miranda, eles foram os primeiros em Itapuã. Depois chegou Carlinhos, que era pescador antigo, depois veio o Juquinha, dá ponta pra lá, o pai dele chamava-se seu Antônio, e outros mais novatos que também eram pescadores de rede em Itapuã. Esses foram os primeiros que começaram na pescaria.

[Como eram as casas?]

Eram barracões de madeira, de tábua, tapadas com palha, depois é que começaram a tapar de telha. Usava-se muito aquela telha de cano. Naquela época ainda não tinha Eternit, eram daquelas telhas que se colocam em cima da madeira […] Quando começou a aparecer Eternit eu já tinha família, até comprei e coloquei na minha casa. Quando chovia muito com vento sul, vinha aquela chuva fininha […] tinha até que forrar para não molhar a gente dentro de casa […]


[O senhor se lembra dos pescadores da sua época?]

Em Itapuã eu me lembro do Carlinhos, seu Juquinha, o Antônio, que era o pai dele, Maria Miranda, seu Zé Miranda, que morreu afogado, e os filhos dele, o Ermínio que era filho do Zé Miranda, o Valdemar já tinha muito tempo em pescaria. Ele veio pescar depois de mim […] quando ele pescava, eu já pescava há mais tempo, estava há mais de dez.


[O senhor tem alguma religião?]

Eu fui crente batista, depois da batista troquei. O rapaz que estava gostando da minha filha mais velha e minha mulher Francisca foram para a igreja pentecostal, mas eu não quis ir e fiquei na de cá mesmo, porque não quis ficar mesmo. Depois fiquei separado e não ia mais, mas eu não era contra, e gosto muito da palavra de Deus. A palavra de Deus vem em primeiro lugar, mas acabei não indo mais. O pessoal até convida. […] eu gosto da palavra de Deus, para mim qualquer igreja está bom, na igreja crente e na católica, a única coisa que eu não gosto é que adoram as coisas que vêm pelas mãos dos homens e eu não dou muito valor. […] e para dizer a verdade […] As coisas de Deus são obras vivas […]

[O senhor chegou a fazer rede?]

Não, para falar a verdade eu nunca fiz rede, só as malhas de rede de espera, rede de arrastão, nunca fiz, sabia fazer, mas não gostava de fazer porque era muita exibição e quando aparecia um cardume de peixe para cercar eram três quatro que avançavam para cercar e às vezes dava até briga e por causa disso eu não queria.

[O senhor quer falar mais alguma coisa?]

Eu colocava rede de espera em Itapuã e na Barra, mas hoje não pode mais, porque está proibida, agora, “Ave Maria”, se colocar o Ibama pega e prende a pessoa. […] Como é que um pobre pescador vai viver? Tem pescadores em Itapuã que estão parados, não podem mais botar rede porque vão presos. Na praia do Ribeiro, perto do farol, e na praia da Costa foram presos um monte deles. […] Da malha de fundo pode colocar e só. Rede boieira não pode mais colocar, se colocar vai preso. Pescaria de anzol pode pescar à vontade, mas colocar armadilha nem perto das ilhas, mas não pode colocar nada. Na Barra do Jucu, onde podia colocar armadilha para pegar xaréu, não pode colocar mais, acabou tudo.

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