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E.S., bancário aposentado

56 anos
Natural de Vargem Alta, ES, e morador de Vitória desde 1978.
Casado, três filhos.
Bancário aposentado.

Vitória para mim é uma cidade encantadora. Adoro morar aqui. Ela tem uma luminosidade intensa. Isso fica mais evidente quando chego de viagem. É uma claridade diferente e que salta aos olhos. Outra coisa que eu não poderia deixar de enaltecer, pois é o nosso principal cartão postal: a beleza da nossa orla. Tem um trecho na Enseada do Suá, quando eu caminho pela manhã sempre passo por ele, por baixo da Terceira Ponte, pois bem, ele é para mim o pedacinho do mundo, um lugar único no universo. Ali você fica isolado, quase não ouve o barulho dos carros, somente o barulho das ondas batendo nas pedras. Esse trecho fica de frente pro convento da Penha, do outro lado da baía. Sempre digo que, se um dia eu for cremado, gostaria que as cinzas fossem jogadas ali. É impressionante! Para mim é um lugar mágico.

E também existem várias coisas positivas em Vitória, mas que já são bastante destacadas, como a questão da cidadania, com muitos avanços em termos de inclusão social, a calçada cidadã, para facilitar a locomoção das pessoas com deficiência visual, a preocupação com a educação ambiental e as ciclovias.

Agora, Vitória ainda tem um problema sério de transporte, de locomoção na cidade. É uma cidade muito pequena, com muitos carros, com vários pontos de congestionamento.

Vitória é uma cidade bastante moderna em alguns aspectos, mas em outros, acho que ela ainda é uma província. Em termos culturais, por exemplo, se você pegar o jornal verá que quase não existe mais crítica, pouca crítica literária, só o Caderno Pensar [de A Gazeta] é que ainda tem um pequeno espaço para crítica. De cinema então quase não existe praticamente, só alguns estagiários de jornalismo fazendo resenhas e copiando de sites da internet. Crítica por aqui existiu numa época com [Fernando] Tatagiba na Tribuna e Amylton [de Almeida] na Gazeta, como exemplos. Essa ausência crítica faz com que muitas vezes um filme bom, que poderia gerar muita discussão, fica relegado a um segundo plano, em benefício da divulgação de filmes americanos, de puro entretenimento.

Eu sinto assim que uma coisa em que Vitória está muito atrasada em termos culturais é quando você vê uma universidade, com um espaço daqueles [o Cine Metrópolis], deixar fechar seu único cinema. Quer dizer, o único ponto de contato com o público era o Cine Metrópolis, e fechou, não passam mais filmes lá. É usado esporadicamente para atividades da Ufes, de vídeo etc, e pro Festival Vitória Cine Vídeo, para exibição de filmes só naquele período. Não existe mais a programação rotineira. Eu acho isso um absurdo! A universidade, que deveria ser um polo irradiador de cultura, de envolvimento com a população, deixa fechar um cinema simplesmente por burocracia ou desleixo. Se você quiser assistir um filme de arte, por exemplo, você só tem o Cine Jardins, que graças a Deus tem uma programação constante, variada, e se preocupa com a formação de um público cativo. E estão se saindo muito bem!

Em termos de exposições, veja o contraditório: um espaço badalado em nível nacional –o Museu da Vale – este ano só agora é que inaugurou uma exposição. O Palácio Anchieta está mantendo certa constância, mas os espaços ficam também sem muita divulgação. Eu acho isso muito triste, uma cidade que está crescendo, que quer ser moderna, basta você consultar o roteiro cultural do jornal local, só encontrará balada, balada, balada, balada, balada e balada.

Teatro, por exemplo: as peças que vêm para cá só são peças caça-níqueis, com atores globais e comédias stand-up. Não tenho nada contra, a pessoa vai se divertir com o que ela gosta. Só que, com isso, ficamos sem opções para assistir peças com outra dramaturgia, que seja mais reflexiva ou que tenha mais conteúdo. A exceção é o Festival Nacional de Teatro Cidade de Vitória, promovido anualmente pela Secult, com ofertas de peças de qualidade e com dramaturgia variada.

Mas isso gera certa contradição na cidade: ao mesmo tempo que ela é moderna em alguns aspectos, tem essas deficiências que vai ter que resolver se quiser ter uma posição melhor na região sudeste. Por enquanto nós somos o patinho feio, o que é histórico, pois já fomos isolados por causa do ouro de Minas Gerais, e esse isolamento parece que continua. E a tendência do cidadão de Vitória é não valorizar as coisas daqui. Não sei se é por falta de uma boa crítica ou de divulgação.

Agora, tem umas coisas positivas em termos culturais que eu gostaria de destacar. O trabalho excelente que faz o SESC com o Café Literário, com a Aldeia SESC na área de teatro e dança, e nas mostras de cinema. As bibliotecas públicas (Municipal e Estadual) também têm umas programações constantes e interessantes.

Eu acho que nós temos que sair desse complexo de patinho feio da região sudeste. Temos de melhorar o astral da cidade, em termos de valorização da nossa cultura, do que nós temos de bom, dando oportunidades para as pessoas que fazem cultura de verdade, engajada e de raiz. A gente vê muita coisa medíocre publicada em livro ou produzida em teatro. Parece que tem um grupinho tirando benefício das relações de compadrio e amizade. Volto a ressaltar, isso é provincialismo!

Em termos econômicos eu acho que a cidade ainda é destaque, principalmente por causa do porto. Por ser uma ilha muito pequena – mesmo com atividade de construção civil muito acelerada – Vitória não tem espaço para indústrias.

Outro aspecto negativo é o contraditório: uma cidade tão bonita e tão poluída. Isso por causa dos erros do passado. Como se constrói uma mineradora, uma siderurgia, em cima do mar, praticamente? Hoje em dia existe – graças a Deus – uma cobrança maior visando minimizar os efeitos dessa poluição. Estão colocando filtros, telas, etc.

Contrapondo-se a essa poluição, hoje existe uma preocupação maior com a ecologia, com a qualidade de vida dos cidadãos, principalmente os idosos. Para isso, a Prefeitura da cidade executa programas de exercícios na praia, nos centros de referências, bem como construindo mais ciclovias.

Mesmo com todas essas iniciativas positivas, nossa cidade deveria ter mais árvores e menos prédios, menos concreto. O vento está sendo barrado pelos arranha-céus. Salvo o bairro Praia do Canto, existem poucas árvores nas ruas de Vitória. No auge do verão, fica parecendo que o concreto sufocará a ilha. Outro dia até fiquei preocupado, quando conheci o conto de ficção científica escrito por Marien Calixte, onde a ilha de Vitória afunda por não suportar tanto peso. Essa possibilidade não é tão remota… É assustador imaginar uma coisa dessas.

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