1
De infindas perdas faz-se a arribação
desses amores todos que se vão
pra outros lugares, mares sem velames.
Já não se ocupam de ti por mais que os ames.
Qual num longínquo voo vai a ave às cegas
na vaga navegando em que navegas.
A imergir-se no ir-se, ao largo e após
O que imergidos e idos fomos nós.
3
Essas águas, de antigas procelas,
não caberão nos mares todas elas.
São águas de ventos mais que eólios
a se afogarem aqui nos nossos olhos.
Elas trazem, nos sais, velhos arcanos
e ais tão velhos quanto os oceanos
de içadas vagas contra o lhano e o rés
das montanhas, no uivo das marés.
4
Difusa luz em meios-tons de réstias. Verdes de hibisco.
Almiscarado
vazio em morna quietude, no âmago do qual já não estás
ao meu lado.
Em silêncio alguém caminha pela sala.
A tua mão, em cândido comedimento, se oculta recôndita.
Escuto a tua fala.
A perna sobreposta à perna em calmo pouso.
Aquele fim-de-tarde longínquo e desditoso.
E o olhar se indo, como afinal se foi. Foi-se afinal
num extremo arroubo, e indo
desfaleceu-me aos braços se esvaindo.
8
Que os olhos entre sombras absortos
revelam os seus segredos, mesmo mortos.
São adeuses de ermas despedidas
se desfazendo em nós e em nossas vidas.
Tantos sonhos de amor velhos e fátuos.
A imagem sem cor desses retratos.
O teu vulto adormecido no jardim.
A luz da tua face a incendiar-se em mim.
11
Na morte o domingo é um dia festivo
De alegre desalento, morto mais que vivo.
No estômago digerir esta ceia indigesta
que as dores de um domingo são dores de festa.
Os olhos, dessalgá-los de todos (s)ais e prantos
dos nossos funerais e de outros tantos.
Que a lágrimas de um domingo são lágrimas festivas.
De tristes desencantos, mortas mais que vivas.
13
Toma o teu pincel, oh tarde maiorquina
e infiel, de bruma vespertina!
Num plúmbeo céu, quimérica espera
em minh’alma, cruel, reverbera.
Flui-me o sangue de todo espanto
que, exangue, sangra-me tanto.
Na carne, desvalida, última aquarela:
a morte e a vida minha e dela.
18
Voltaremos assim, irmã, pra onde e quando,
entre lembranças de amor nós nos amando,
não nos acenem mãos em despedidas
ao que se foi de nós, as nossas vidas.
Enfim à morte o segredo descoberto,
fique mais longe a dor, o amor mais perto,
mais junto à minha face a tua face,
como se então morrer já nos bastasse.
20
Restos de espantos nas nossas mãos
esses amores tantos já lá se vão.
Velhos espólios de mil haveres
foram-se eles dos nossos olhos.
Ah, antes quisera nem tê-los tido!
E haver não houvera esse desavido.
Em teu sangue rubro de águas malsãs,
foram-se as manhãs. Era outubro.
[In Elegia de Maiorca, de Roberto Almada, São Paulo: Massao Ohno Editor, 1991.]
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Roberto [Leite Ribeiro] Almada, poeta, nasceu em 22 de junho de 1935, em Juiz de Fora, MG. Morou no Rio de Janeiro, onde trabalhou como roteirista de fotonovelas, adaptador de teleteatro e redator. Casou-se em 1960 com Vilma Paraíso Ferreira, em Guaçuí, ES, onde atuou como professor. Alguns anos mais tarde transferiu-se para Vitória. Mudou-se para São Paulo, mas veio a falecer em Vitória a 22 de março de 1994. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)