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Fatal, banal – ou in memoriam Franz Kafka

As Nações Unidas confirmaram […] que afastaram […] um de seus funcionários de alto escalão, acusado de ter entregue à Justiça da França documentos indicando que soldados franceses estupraram garotos em campos de refugiados na República Centro-Africana. […] Alguns revelaram que foram abusados em troca de comida ou dinheiro. [Jamil Chade (Genebra), O Estado de S. Paulo, 02/05/2015.]

Não leio jornais
sem que uma ou outra notícia
me deprima.
Muito parecidas
afinal –
ou com ares
de notícias-rima.
Barbáries de sempre,
fatos degradantes,
estranhas violências
ou baixezas
dos que (sim)
são meus semelhantes.
E isto (com certeza
de uma lâmina
nada cega)
vem cortando
na carne do mundo,
já não de ontem.

No Vale dos Vivos
(Vitória, Genebra,
região centro-africana,
qualquer outro cerne),
eu vacilo:
o que falo
apenas decorre
do mundo da carne?

Olho bem nos olhos
das estrelas,
encarando até
o buraco negro
invisível
na rota de leite cósmico
que nos coube:
não encontro
boas rimas
para as nossas faltas
nem as suas faltas
de resposta.

Que a notícia
oriunda da ONU
se evapore
(com mais rapidez
que uma nuvem
ou um óvni)
muito infelizmente
pouco importa.
Amanhã
outras e outras
falarão
com as mesmas
caras tortas:
sim, taras idênticas,
apesar
da enorme variedade
dos seus uniformes.

(Lamento muitíssimo
não ter vindo ao mundo
com um estômago lato
para findar remoendo
os itens: dinheiro
e uso sexeconômico
de alimentos.)

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© 2017 Lino Machado – Todos os direitos reservados ao autor. A reprodução sem prévia consulta e autorização configura violação à lei de direitos autorais, desrespeito à propriedade dos acervos e aos serviços de preparação para publicação.
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Lino Machado é poeta e professor universitário. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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