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F.N.G., estudante de Comunicação

21 anos, moradora em Joana d’Arc. Estuda Comunicação na UFES e estagia no centro. Nasceu em Vitória e só saiu da cidade aos 18 anos. (11.11.2004)

– Moro no mesmo bairro, na mesma rua, na mesma casa, no mesmo quarto, desde quando nasci. Adoro Vitória e não consigo me imaginar longe daqui. Já fui ao Rio Grande do Sul, Minas Gerais, São Paulo, mas, talvez por morar numa ilha, sinto falta do mar. É, diria que me sinto protegida pela paisagem marinha. A baía, o mangue… Naqueles lugares me sinto mal, pois não vejo o mar. Também o ar é diferente. A cara de Vitória pra mim é a Pedra dos Dois Olhos, perto de minha casa, e a Curva do Saldanha, próximo ao colégio onde estudei por muitos anos, a curva na qual os ônibus passam e parece que vão tombar. O porto também marca muito Vitória, principalmente quando chega um navio, e as pessoas ainda param pra ver… E, por ser uma ilha, você vê muita cidade em seu entorno, Vila Velha, que tem o Penedo, o Convento da Penha, o Morro do Moreno, Serra, o Mestre Álvaro.

– Ônibus eram mais difíceis antigamente, mas eu gosto muito de andar a pé. Adoro isso em Vitória. Você consegue andar pela ilha toda quando tem tempo. E me sinto segura, não vejo ameaça de violência. E já fui assaltada três vezes; coisa rápida, um relógio, a bolsa, sem pânico. Mesmo acontecendo essas coisas, são coisas que você resolve, já peguei muito ônibus tarde da noite. Polícia? Não sei, conheço muito polícia, do meu bairro, acho eles despreparados, inoperantes. Eles dizem que fazem a ronda. Ronda é ficar conversando, dizem que a presença deles inibe… Só vejo polícia reprimindo principalmente estudante, parece coisa antiga, né?

– Meu bairro já teve umas gangues que disputavam ponto de drogas, Joana d’Arc e Resistência. A fronteira é uma pedreira, a pedreira Rio Doce. Havia muita disputa. Acabou que um grupo matou o outro e quem sobreviveu foi preso, ou se deslocaram pra Santa Marta e depois daquilo nunca mais teve nada que chamasse atenção. O pessoal lá é e não é ativo pros problemas comunitários. Altos e baixos. A gente nem tem uma sede da Associação… A gente tinha, a Prefeitura tomou, ninguém reclamou… Se mobilizaram contra a construção de uma estação de tratamento de esgoto. Ora, a gente vive num mangue e muita gente precisa do mangue pra sobreviver e o esgoto cai lá direto, e eles ficam contra… O clima é de cidade de interior. Todo mundo se conhece, tem banco no meio da calçada pra ficar conversando à noite, tem muita criança na rua, as pessoas se casam e não saem dali… É um bairro de casas, com terreno grande, tem muita árvore frutífera, ervas, temperos… Recentemente foram criados dois parques municipais, que é o de Barreiros e o de Mangue Seco, que não são exatamente dentro de Joanna d’Arc.

– Eu ainda prefiro o Centro pra resolver minhas coisas, ao invés de shopping. E os preços são menores. O que pesa muito em Vitória é o preço da passagem de ônibus, sendo um município tão pequeno, R$1,45 agora, mas parece que vai aumentar. Lá fora é mais barato.

– Eu não consigo identificar o capixaba, quem é de Vitória, consigo identificar quem não é… Lá eles percebem que a gente não é do meio deles. Dizem que a gente é muito parecido com o carioca. É a maneira de se portar. Quando a gente está em São Paulo muitos se retraem porque parece que o capixaba gosta de se sentir muito íntimo da pessoa. Lá muito senhor, senhora, o tratamento; e aqui, é difícil ver isso. Aqui você conhece todo mundo. Se você gosta de dançar, só temos dois, três lugares pra dançar, e todos vão lá.

– Essa coisa de folclore, não sei… Cresci ouvindo congo porque moro perto de Santa Marta, do pessoal dos Amores da Lua. Ah, capixaba gosta mesmo de comer comida mineira, essa de peixe não é verdade, principalmente pelo preço. Uma moqueca completa, pra uma família, não sai por menos de R$50,00.

– Pra criança Vitória é bom, tem praia, parques. Pra gente falta peça de teatro, elas ficam pouco tempo em cartaz. Cinema é muito caro. Show tem pouco. Vejo pouco turista por aqui, só pra negócios, eles circulam pouco, mais no final de ano… Eles vão mais pra Vila Velha. Sabe, eu indicaria passear de ônibus pra conhecer Vitória. Tem duas linhas que são incríveis: é o 302, que passa por toda a [rodovia] Serafim Derenzi, que é o Jardim da Penha-Santo Antônio, e o 241, Jardim Camburi-Parque Moscoso, que vai pela Beira Mar, Leitão da Silva, Fernando Ferrari, Praia de Camburi.

– Hospital público só pra emergência. Nossa família não tem plano de saúde. Sempre que precisamos da urgência, conseguimos no Hospital das Clínicas. Mas quanto a consultas, o preventivo, pra gente na faixa de 40, 50 anos, é difícil. São três meses pra marcar, três meses pros exames, três meses pra mostrar os exames… Os agentes de saúde, que visitam as famílias, ajudam, pois eles são os intermediários entre os postos de saúde. Eles vão de casa em casa alertando e fazendo um trabalho preventivo. Nós não temos um hospital municipal. Quanto à educação, não sei. Moro em bairro de periferia e lá tem duas escolas. Eles passam [aprovam] crianças que não deveriam ser passadas [aprovadas], a qualidade do ensino não é boa. O tempo fica ocioso e as crianças não ficam mais na escola.

– Tô fazendo um trabalho sobre um fotógrafo antigo e descobri que eu não sei nada sobre a história de Vitória. Quase ninguém sabe. O pessoal só conhece capitania, congo e moqueca capixaba. É um folclore estranhíssimo, estigmatizado. Quando estou fora não consigo falar muito da cidade, a não ser que é uma belíssima ilha, falo do porto e logo lembro dos índices campeões de violência. Mas não pretendo sair daqui. Muita coisa deverá mudar. E o que precisa mudar mesmo são as panelinhas. É muita gente fechada em grupos, se protegendo, no setor de audiovisual, por exemplo, existem dois grupos e que se odeiam. Que Vitória seja livre das panelinhas.

– Como eu falei antes sobre o capixaba gostar de ser íntimo, talvez isso o atrapalhe a ter autocrítica. Todo mundo se elogia demais.

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