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Histórico – Vitória

Planta de Vitória, 1895.
Planta de Vitória, 1895.

De início, os portugueses tiveram dúvidas se se tratava de uma ilha ou de uma lezíria — terra baixa coberta pela maré alta —, mas a circunavegação realizada a 13 de junho de 1535 comprovou a hipótese da ilha e a ela deram o nome de ilha de Santo Antônio, que era o santo do dia.

O donatário, Vasco Fernandes Coutinho, doou a ilha ao fidalgo Duarte de Lemos que, em sua parte alta e central, erigiu a sede da fazenda e a capelinha de Santa Luzia, ainda existente.

A tradição atribui ao dia 8 de setembro de 1551 a fundação da vila, após vitória contra os índios. Todavia, o provedor-mor da Fazenda, Antônio Cardoso de Barros, em documento anterior já se reporta à Vila Nova da Vitória em 1550. Assim, os historiadores fixam a data da fundação da vila, nova sede da capitania, em 1550, e o governo-geral, nesse mesmo ano, assina algumas provisões criando cargos para a organização administrativa da capitania.

Ainda em 1550 inaugura-se o comércio direto da capitania do Espírito Santo com Portugal e Angola com a instalação da Alfândega.[ 1 ] Mesmo assim, já em 1545 teria sido transportado açúcar para a metrópole.

A nova sede da capitania teve, em seus primeiros anos, uma vida bastante precária sob ameaça de índios e de invasores europeus, com uma população branca escassa, sem condições de defender-se, e prestes a abandoná-la.

Em 1560 Belchior de Azeredo é nomeado capitão-mor do Espírito Santo com todos os poderes e jurisdições atribuídas anteriormente a Vasco Fernandes Coutinho. Logo em 1561, duas naus francesas foram avistadas da vila da Vitória. Belchior reuniu brancos e índios que, de maneira improvisada, conseguiram expulsar os invasores da costa.

Poucos anos depois, provavelmente entre 1563 1564,[ 2 ] Vasco Fernandes Coutinho (filho) toma posse da donataria como sucessor de seu pai. Essa fase, caracterizada por uma trégua no relacionamento com os silvícolas e nas invasões francesas, apresentou maior estabilidade e produtividade, transformando-se o aspecto da capitania, o que propiciou também a definitiva fixação da população na terra.

No entanto, em 1581 nova tentativa de invasão é feita por franceses. Mais tarde, em 1583, é a vez dos ingleses fazerem sua investida. Durante a invasão francesa a terra foi defendida pelos índios das aldeias jesuíticas.

Em 1584, a sede da capitania teria uma população de 150 moradores, incluindo o seu vigário.[ 3 ]

Com a morte do segundo donatário, assume a direção da capitania a sua viúva, Luíza Grimaldi.[ 4 ]

Os ingleses tentam novamente uma invasão na baía de Vitória, no ano de 1592, chefiados por Thomas Cavendish, mas são novamente expulsos.

Os trezentos anos iniciais da vila foram de muita penúria, funcionando ela como barreira à penetração estrangeira nos sertões auríferos das Minas Gerais e sendo prejudicada em seus negócios, o que diminuiu o seu ritmo de crescimento.

Dada a necessidade de defesa do litoral contra os ataques de invasores, construíram-se fortes ao longo do canal da baía, sendo exemplos o de Piratininga ou São Francisco Xavier (Vila Velha), o de São João e Nossa Senhora do Monte do Carmo, centro das atividades militares da capitania.

Na ilha colonial havia algumas fazendas, convento franciscano, residência dos jesuítas, um pequeno comércio e a sede do Governo, centralizados na área que corresponde atualmente à Cidade Alta. Em torno, os mangues, o mar e alguns cais para embarque e desembarque.

Quando da chegada de D. João VI ao Brasil, em 1808, Vitória não havia atingido ainda os 2.000 habitantes.

Viajantes que então aqui estiveram, como Maximiliano de Wied-Neuwied e Auguste de Saint-Hilaire, atestaram a pequenez da vila, embora elogiassem a limpeza de suas ruas, com casas caiadas e pequeno movimento.

Só com a gradativa colonização do interior através da cultura do café, Vitória — cidade e porto — obteve condições de progresso. Por aqui escoava para Europa e Estados Unidos — através de seus portos de Bremen e de Nova Orleans — o café produzido no Espírito Santo.

Vitória, no período imperial, era ainda dependente da navegação marítima para seus contatos com o exterior, uma vez que não estava ligada a outros pontos por estradas nem de ferro nem de rodagem. Note-se que a estrada do Rubim, também conhecida como estrada de São Pedro de Alcântara, ligando a baía de Vitória a Vila Rica — hoje Ouro Preto —, fora, há muito, desativada.

Em 1896, Muniz Freire, presidente da província, contrata o sanitarista Saturnino de Brito para projetar um Novo Arrabalde, que compreendia sobretudo a área da antiga Praia Comprida, hoje Praia do Canto.

As características geográficas exerceram grande influência no desenvolvimento urbano da cidade de Vitória. Em princípios deste século, espremida entre o mar e as elevações, a malha urbana caracterizou-se como uma faixa estreita e alongada, mais ou menos delimitada em seu comprimento pelo forte São João e pela Cidade de Palha, hoje Vila Rubim. Muitas casas comerciais davam para o mar sendo lambidas nos fundos por ele, e em sua extensão podiam-se ver inúmeros cais.

Nessa época, com ruas tortuosas e estreitas, a cidade carecia de serviços essenciais. Os chafarizes e mananciais, cujas águas para abastecerem precariamente as moradias e casas comerciais existentes precisavam ser transportadas às custas da população, eram escassos e limitados. A iluminação pública era bastante deficiente deixando a cidade quase às escuras. Em termos de instalações sanitárias e transporte coletivo eram também evidentes as carências. Os dejetos, recolhidos de casa em casa, eram levados em barricas e lançados ao mar. O transporte da população constituía-se de bondes de tração animal sendo, portanto, bastante deficiente também.

Aos poucos, porém, as feições de Vitória foram se modificando, marcadamente nos governos estaduais de Jerônimo Monteiro (1908-1912) e Florentino Avidos (1924-1928). O primeiro caracterizou-se principalmente por um avanço em termos de infraestrutura, com a implantação dos serviços de abastecimento de água, esgotos, iluminação pública e transporte por bonde elétrico. Outras obras relevantes foram realizadas nesse mesmo governo: a construção do prédio da Assembléia Legislativa, a reforma do palácio do governo (antiga igreja de São Tiago) e da Santa Casa de Misericórdia e a construção do Parque Moscoso, antigo Campinho, área anteriormente alagada que foi aterrada e urbanizada dando origem não somente ao parque, mas também ao bairro. Com essas obras, Vitória passou a oferecer à população melhores condições de vida.

Já Florentino Avidos (1924-1928) promoveu profundas transformações em seu aspecto físico, alinhando e alargando ruas e avenidas, redefinindo a malha urbana, destacando-se a obra da avenida Capixaba, hoje Jerônimo Monteiro. Antigas ruas e praças tortuosas deram lugar a novos logradouros de traçado bem definido, permitindo uma melhor circulação de veículos e pessoas. Outra obra relevante para a cidade foi a construção da ponte Florentino Avidos (1928), conhecida popularmente como Cinco Pontes, ligando a ilha de Vitória ao município de Vila Velha.

Ao mesmo tempo novos prédios foram construídos: Teatro Carlos Gomes (1926), Almoxarifado dos Serviços de Melhoramentos de Vitória (1924-1925), Mercados da Capixaba (1924-1925) e da Vila Rubim (1926-1928), Arquivo Público Estadual (1925-1926), Grupo Escolar Gomes Cardim (1925-1926), hoje Fafi, entre outros.

Jones dos Santos Neves, que governou o Estado entre 1951 e 1954, criou a Universidade do Espírito Santo (1954) e executou os aterros da Esplanada da Capixaba e em Bento Ferreira. Já o aterro ou Esplanada do Suá é obra do governo Artur Carlos Gerhardt Santos (1971-1975).

A partir de 1940 expande-se o setor de exportação que passa a incluir o minério, ampliando-se, como conseqüência, as instalações do porto de Vitória. Mas é principalmente a partir do final da década de 60 que são implantados os grandes projetos portuários, de siderurgia e de reflorestamento. Nesse contexto, acentua-se o crescimento da cidade.

Mas o incremento das atividades portuárias não é o único responsável pelo crescimento populacional de Vitória: também a erradicação do café provoca um grande êxodo do interior do Estado para a capital. Assim, milhares de pessoas vindas do interior do Estado e de outras regiões do país aqui se fixaram, o mesmo se verificando nos municípios vizinhos como Cariacica, Serra, Vila Velha e Viana, que constituem a Região Metropolitana de Vitória. Essa massa populacional veio atraída por oportunidades de trabalho geradas pelas obras de implantação dos grandes projetos.

Hoje Vitória é um centro comercial e econômico-financeiro de grande importância, contando com um número significativo de alternativas de lazer e cultura, atendendo tanto ao turismo como à população local. Além de suas praias e de uma vida noturna agitada, a cidade tem a oferecer um patrimônio histórico-cultural constituído de monumentos arquitetônicos e de instituições culturais. A cidade está, além disso, incluída entre as cinco capitais brasileiras com melhor índice de qualidade de vida.

[Pesquisa e texto: Maria Clara Medeiros Santos Neves]

Obs.: Texto elaborado originalmente para o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e disponível em seu site a partir do ano de 1999.

Ilha de Santo Antônio

Ao que tudo indica, Santo Antônio foi o primeiro nome dado à ilha de Vitória. A antiga denominação faz pressupor o desembarque dos colonos portugueses na ilha, para explorá-la sob o comando de Vasco Fernandes Coutinho, em 13 de junho de 1535, dia do calendário cristão consagrado pela Igreja a Santo Antônio, o que justifica a denominação escolhida, inclusive para o local do desembarque dos exploradores. Tratava-se da maior ilha da capitania, situada próxima da primeira vila que Vasco Fernandes Coutinho constituiu em seus domínios. Era natural, portanto, que atraísse a atenção dos portugueses desde que desembarcaram em terras capixabas. Por volta de 1536 ou 1537, Vasco Coutinho doou a ilha, em sesmaria, a Duarte de Lemos, antes dela vir a ser a sede da capitania, com a fundação da vila de Nossa Senhora da Vitória. Não existem registros confiáveis de que fosse verdadeira a expressão Guanaanira, significando “ilha do mel”, com que os indígenas denominavam o lugar, embora esta versão tenha hoje se tornado de domínio público.

[Pesquisa e texto: Luiz Guilherme Santos Neves]

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NOTAS

[ 1 ] Daemon, Basílio, citado por José Teixeira de Oliveira. História do Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro, 1951, p. 74.
[ 2 ] Novaes, Maria Stella de. História do Espírito Santo. Vitória: Fundo Editorial do Espírito Santo, s.d., p. 36.
[ 3 ] Cardim, Fernão, citado por José Teixeira de Oliveira, op. cit., p.113.
[ 4 ] Alguns se referem à donatária como Luíza Grinalda, como é o caso de José Teixeira de Oliveira, op. cit., p. 120. No entanto parece correta a indicação do nome Luíza Grimaldi, dada por Maria Stella de Novaes, loc. cit.

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Maria Clara Medeiros Santos Neves, coordenadora do site ESTAÇÃO CAPIXABA, é museóloga formada pela Universidade do Rio de Janeiro e pós-graduada em Biblioteconomia pela UFMG, autora do projeto do Museu Vale e de diversas publicações. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

Luiz Guilherme Santos Neves (autor) nasceu em Vitória, ES, em 24 de setembro de 1933, é filho de Guilherme Santos Neves e Marília de Almeida Neves. Professor, historiador, escritor, folclorista, membro do Instituto Histórico e da Cultural Espírito Santo, é também autor de várias obras de ficção, além de obras didáticas e paradidáticas sobre a História do Espírito Santo. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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