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Introdução ao livro O país d’el rey & A casa imaginária

Roberto Almada acaba de vencer o prêmio de poesia “Geraldo Costa Alves” 1985 promovido pela Fundação Ceciliano Abel de Almeida. O mérito do concorrente com o livro O país d’el rey & A casa imaginária é indiscutível. Isto decorre do fato de não ser um principiante mas um artesão das letras, um trabalhador do verso. O poeta constrói o reino e sua morada. A ideia de construção, de elaboração atravessa o livro de ponta a ponta. O livro tem duas partes, a primeira, constituída de O país d’el rey e a segunda, de A casa imaginária. Mas não há descontinuidade.

A leitura é leve e agradável, impregnada de lirismo em contenção. Não há efusões desnecessárias da emoção sempre mais contida que derramada, impondo à forma um estilo enxuto. Predomina o verso de sete sílabas, tendendo para o verso curto. O poema X de A casa imaginária “O porão e o porém” é um exemplo. As estrofes quaternárias também predominam mas não faltam dísticos e tercetos. Há um soneto em meio a formas livres. A rímica, quando acontece, sugere discrição na contextura verbal. Vem como apoio. Sináfias, anacrusas e todas aquelas coisas das figuras de dicção poética esquecidas pelos rabiscadores e pichadores do verso parecem coisas anacrônicas, mas são frequentes, são necessárias em quem sabe muito bem conciliar inspiração e trabalho.

Outra coisa importante ainda na obra vencedora do concurso é o valor sub-reptício que confere à tradição poética. O autor não se peja de suas influências e simpatias para com autores consagrados da literatura brasileira. E isto o dizem as duas epígrafes que encabeçam as duas partes, os dois livros, uma tirada de Jorge de Lima e a outra, de João Cabral de Melo Neto. As epígrafes não são postas aleatoriamente, sobretudo por quem trabalha tanto o seu texto. Aqui a epígrafe tem relação intrínseca com a obra.

A primeira epígrafe de O país d’el rey é tirada do canto I, XIII de Invenção de Orfeu de Jorge de Lima quando este duvida que o herói decaído seja o rei dos animais. Este tema é o leitmotiv da primeira parte e da obra inteira uma vez que a segunda epígrafe de João Cabral de Melo Neto se inscreve no tema das epígrafes iniciais de Invenção de Orfeu: a construção do templo. Almada preferiu o autor nordestino ao invés de repetir a epígrafe do Livro dos Reis que abre Invenção de Orfeu. “E quando a casa se edificava faziam-se de pedras lavradas e perfeitas…”

A segunda epígrafe aposta à Casa imaginária é tirada de Quaderna de João Cabral de Melo Neto, terceira estrofe de “A mulher e a casa”. Almada assimila de João Cabral a geometrização das formas e a correção de planos com que se constrói o livro. Epígrafes e textos poéticos mantêm, no entanto, alcances autônomos. Dos dois autores brasileiros Almada retém o que de melhor eles podem conter de sugestão.

Deve-se lembrar o que disse Murilo Mendes no apêndice à Invenção de Orfeu: “não se Invenção de Orfeu ficará como um soberbo monumento isolado, ou se engendrará uma posteridade de poetas”. Roberto Almada, da mesma terra de Murilo Mendes, é uma admirador da obra de Jorge de Lima. Deve-se lembrar também que Quaderna de João Cabral é dedicado a Murilo Mendes, formando assim uma familiaridade de relações.

As influências jorgianas e cabralinas não tiram, antes conferem a Almada uma forte identidade, uma vez que não há identidade fora da tradição. Ao dizer e repetir que “Edificar é pois preciso / este lugar em que habito” Almada alude ao jogo verbal “precisar esses heróis / esse poema precisa” de Invenção de Orfeu canto VI, II. A tradição lhe confere, pois, um vigor que não se encontra com facilidade na poesia que renasce, hoje, do questionável movimento marginal, com o qual não há confronto. Roberto Almada é da raça dos poetas fortes. E um poeta, desde que o seja, é sempre do seu momento, do seu tempo e para todo o sempre.

[In O país d’el rey & A casa imaginária, de Roberto Almada, Vitória: Fundação Ceciliano Abel de Almeida, 1986.]

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Luiz Busatto nasceu em Ibiraçu-ES, em 1937. Graduado em Letras, com cursos de especialização em Portugal (Teoria da Literatura e História da Literatura Portuguesa), na Itália (Filosofia), mestrado em Letras pela PUC/RJ e doutorado na mesma área pela UFRJ. Professor da Ufes e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Colatina (1969-1983). É membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e da Academia Espírito-santense de Letras. Foi presidente do Conselho Estadual de Cultura (1993/4) e vice-presidente (1986/7). Tem várias obras publicadas, sendo um estudioso da imigração italiana. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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