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Introdução

Os Diários das visitas pastorais de 1880 e 1886 à Província do Espírito Santo, de autoria do bis­po D. Pedro Maria de Lacerda, aqui transcritos e ora publicados, originam-se de fontes manuscritas que fazem parte do acervo do Centro de Documen­tação e Informação da Arquidiocese de Vitória – CEDAVES –, compreen­dendo três cadernos ou volumes: o primeiro, que abrange o período de 14 de julho a 11 de novembro de 1880, possui 278 páginas; o segundo, de 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886, possui 398 páginas, incluindo versos da capa e contracapa do caderno; e o terceiro e último volume, de 24 de julho de 1886 a 28 de março do ano seguinte, possui 354 páginas, incluídas algumas páginas em branco.

As anotações do primeiro volume dos Diários foram feitas a posteriori, con­siderando-se as oito páginas de rascunhos encontradas: o bispo encerra o volume em 11 de novembro de 1880, e os rascunhos vão até 24 de março do ano seguinte.

A publicação desse documento representa a continuação de trabalho seme­lhante feito anteriormente e que deu origem ao livro intitulado O Espírito Santo em princípios do século XIX, também publicado neste site, baseado nos Apontamentos de outro bispo – D. José Caetano da Silva Coutinho –, que visitou o Espírito Santo em 1812 e 1819.

Ambas as narrativas compõem um conjunto de documentos que, além do marcante caráter religioso, contêm rico registro de vida e costumes de época sob pontos de vista de viajantes, mencionando personalidades e retratando o dia a dia das localidades visitadas. Constituem assim importante contribuição para a historiografia na qualidade de fontes primárias de pesquisa.

Em comparação com os apontamentos de D. José Caetano, os escritos do bispo Lacerda destacam-se por maior riqueza de informações e detalhes na descrição de suas impressões sobre locais, habitantes e paisagens com os quais teve contato. Como viajante ele dá notícias sobre os caminhos percorridos, os meios de transporte utilizados, os incômodos encontrados e o tempo despendido nos trajetos, especialmente na visita de 1886.

De maneira geral, os Diários do bispo D. Pedro Maria de Lacerda revelam um homem de curiosidade aguçada, o que o levou a realizar por conta própria várias pequenas incursões com o fito de deleite e para conferir cartografias da época. Além de sua natural curiosidade por tudo e todos que estavam a sua volta, encontramos nele um grande observador, e é a esses traços de sua personalidade que devemos tamanha riqueza de detalhes encontrada em seus relatos.

O bispo D. Pedro dirige um olhar atento aos habitantes locais. Menciona nomes e fala de suas preocupações com cada indivíduo, nunca deixando de assisti-los em suas necessidades, fossem eles livres, escravos ou índios. Aliás, não esconde sua admiração especial pelos índios, deixando claro o respeito que sente por sua cultura pelas exortações à preservação da língua e esforços que fez para aprendê-la, como se vê em várias passagens ao longo do texto.

As paisagens têm nele observador atento. Sempre que seu trabalho permitiu ele reservou momentos para suas caminhadas, galopes ou passeios de barco para explorar as redondezas e ter contato com a natureza, tomando nota de tudo quanto considerasse significativo. Assim descreveu exaustivamente paisagens locais com seus rios, córregos, montanhas e outros acidentes, abundância e beleza de matas, sempre comparando suas observações com mapas produzidos na época e apontando suas imperfeições.

Nosso trabalho de edição dos Diários tem como objetivo precípuo disponibilizar o documento ao público em geral. Acreditamos que a sua transcrição e publicação tanto na forma impressa como virtual democratizará o acesso ao documento, permitindo que pesquisadores como também o público leigo interessado em assuntos relacionados ao Espírito Santo conheçam seu conteúdo. Não foi nossa preocupação semear centenas de notas nos rodapés do livro, razão por que boa parte delas se restringe a complementar nomes próprios de pessoas citadas no texto ou a identificar corretamente as citações latinas do bispo, procedimentos adotados para facilitar consultas na internet. No mais, esperamos que os pesquisadores se sintam estimulados a realizar a necessária análise e produção de estudos a partir destes diários.

Restringimos a transcrição aos três volumes, deixando de fazê-lo em relação aos rascunhos, que aqui reproduzimos apenas na forma fac-similar, considerando que a linguagem telegráfica adotada pelo bispo não permi­te uma compreensão precisa das informações neles presentes. No entanto foram importante fonte para o estabelecimento do roteiro da primeira visita, fornecendo subsídios consistentes para esse capítulo como se poderá cons­tatar adiante.

Além dos rascunhos, cuja passagem para o livro não foi completada pelo bispo, observa-se a ausência de parte de seus relatos no que diz respeito a Vi­tória e Vila Velha que, ao que tudo indica, foram registrados separadamente e sobre os quais ainda não se tem notícia. Concluímos que tais registros foram produzidos, considerando que o bispo não deixaria de fazê-lo tendo realiza­do a visita a esses lugares, o que deixa claro em algumas passagens como se vê a seguir: “Eu pretendia fazer hoje em Benevente Missa solene aniversária onde ele morreu, como em 1880 fiz na Vitória onde foi sua sepultura!” (p. 336) “Lembro-me bem que em 1880 do alto da Penha vi muito ao longe quase nos confins do horizonte as ilhas de Guarapari.” (p. 307)

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Quanto às características do documento, observamos o seguinte: em geral a caligrafia é bastante regular, com caracteres pequenos, abreviaturas, mui­tos pós-escritos em entrelinhas e frases em latim (vide Anexo I, p. 64 do original). Quanto ao estado de conservação, este é regular, observando-se perfurações por insetos (p. 195 a p. 201 dos originais) e alguns borrões. Essas características dificultaram medianamente a leitura, levando a poucas lacunas na transcrição.

No que se refere à edição do texto, excetuando-se a atualização da ortografia, procurou-se respeitar ao máximo a redação original. Isso significa que se manteve o padrão pessoal e variável do autor no uso de iniciais maiúscu­las, números cardinais e ordinais (às vezes representados por algarismos, ora por extenso), e abreviaturas (de pronomes de tratamento; as demais foram geralmente desdobradas). A pontuação (sobretudo no caso de vírgulas) foi também respeitada, exceto quando se fez necessária uma intervenção em prol da clareza da frase; no entanto eliminaram-se os travessões aleatórios e os parágrafos, com o objetivo de se compactar cada verbete do diário. As tabelas estatísticas das diversas ações de cunho religioso executadas ao longo das visitas (missas, comunhões, bênçãos, casamentos etc.) foram sistematiza­das para melhor entendimento dos leitores, incorporando também eventuais correções e retificações feitas pelo bispo. As paginações feitas nos originais, apesar de posteriores, são mantidas na publicação, aparecendo em negrito e entre colchetes, para facilitar a localização.

Os trechos truncados foram reproduzidos literalmente, evitando-se interpretações subjetivas. Os lapsos ocorridos durante a redação foram mantidos, intervindo-se, porém, quando o bispo duplicou palavras ou deixou de fechar parênteses. Mantiveram-se os erros de sintaxe em quase todas as ocorrências; e incorporaram-se à narrativa as notas de rodapé quando julgadas equivalentes aos acréscimos em entrelinha, não implicando, portanto, cortes na narrativa. Colchetes e uso de sic marcam (e esclarecem) a maior parte das intervenções.

Maria Clara Medeiros Santos Neves
Organizadora e coordenadora editorial
Coordenadora de Projetos da Phoenix Cultura
e do site Estação Capixaba

Maria Clara Medeiros Santos Neves, coordenadora do site ESTAÇÃO CAPIXABA, é museóloga formada pela Universidade do Rio de Janeiro e pós-graduada em Biblioteconomia pela UFMG, autora do projeto do Museu Vale e de diversas publicações. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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