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Introdução

Lendo os artigos que Luiz Serafim Derenzi escreveu sobre Vitória, chega-se à conclusão de que muita coisa continua “como antes no quartel de Abrantes”. Neles o autor comenta, ainda na década de 1970, sua insatisfação com o crescimento da cidade e com o descaso das autoridades com problemas que exigiam uma rápida solução.

Apesar de carioca, adotei esta terra como minha desde 1991 e sinto o mesmo tipo de incômodo. Sei que foram promovidas muitas mudanças que contribuíram para melhorar a qualidade de vida, principalmente nos últimos governos municipais, mas há ainda muita coisa importante por fazer.

Desde minha chegada no Espírito Santo, observei nas diversas mudanças de governo uma evolução no serviço público municipal que muito tem beneficiado a cidade. Essa organização municipal favoreceu em muito a população que hoje conta com um melhor controle e atendimento.

Em termos culturais temos saldos positivos, como na criação da Lei Rubem Braga, não se discutindo aqui alguns de seus entraves, por um lado, e aprovações equivocadas, por outro lado. Alguns ajustes são evidentemente necessários para um funcionamento mais satisfatório.

A recente preocupação da prefeitura de Vitória com a conservação e visão das fachadas de prédios que fazem parte da história da cidade merece “vivas” de todos aqueles que valorizam a identidade cultural capixaba, considerando que estamos falando da capital do Estado e o fato de ser este o segundo núcleo de povoamento colonial e, portanto, dos mais antigos.

No entanto dois elementos marcam negativa presença hoje no centro da cidade: a vida comercial desordenada e o trânsito caótico.

O comércio desordenado e descontrolado que reina no centro histórico da cidade é responsável por uma série de incômodos tanto aos moradores como aos transeuntes. A poluição visual talvez seja o mais sério deles, com fachadas escondidas atrás de banners de casas comerciais, acréscimos improvisados que mais parecem “tumores cancerosos”, como inclusive se vê sobre a cobertura do Teatro Glória, gambiarras sob a forma de fios que atravessam sem qualquer cerimônia as ruas e avenidas saindo inclusive de janelas de prédios e que representam grande risco à segurança, ambulantes espalhados por todas as calçadas, a proliferação de “lojas-feirões” como aquelas de “1,99”. O próprio prédio do Mercado da Capixaba, onde se encontrava instalada a Secretaria Municipal de Cultura, vítima recente de incêndio, pode ser apontado como um exemplo de uma ocupação mal estruturada e possivelmente com instalações elétricas comprometidas. Felizmente nada se perdeu de sua fachada, sendo portanto indispensável uma rápida intervenção para garantir a permanência desse patrimônio tão importante.

No caso das gambiarras de fios, sente-se um total silêncio por parte dos serviços públicos, no caso, da Telemar e da Escelsa, que têm, elas mesmas ou através de terceirização, a obrigação de orientar, executar ou mesmo embargar e interditar serviços em andamento.

Já as obras de reforma ou construção de anexos, quando plenamente justificadas, devem ser acompanhadas de perto pela prefeitura com base num código de posturas e numa política de conservação do centro histórico da cidade.

A questão do trânsito é também bastante séria. Devemos reconhecer que o número de veículos em circulação vem aumentando gradativamente e em progressão quase que geométrica. É natural que todos queiram e muitas vezes precisem circular em veículos próprios, que caminhões façam suas entregas para que o comércio mantenha o seu estoque etc., no entanto sabemos que o centro não comporta mais essa circulação e que ela exige no mínimo uma racionalização. Hoje temos caminhões circulando pela cidade a qualquer hora do dia, inclusive nos horários de “rush”, carros particulares de pessoas que trabalham no centro não têm espaço para estacionamento e as calçadas quase inexistem para pedestres em muitos pontos. Mas também notamos que as autoridades fecham os olhos para um grande problema gerado por esse trânsito que é o que chamo de “máfia” dos guardadores de carros. Que “classe profissional” é essa que toma conta de ruas importantes e que é ainda mais forte, poderosa e agressiva justamente nos pontos próximos a prédios públicos como o Palácio Anchieta, Fórum e Prefeitura Municipal? Por que será que nem mesmo a polícia se envolve ou é acionada para remover essa anomalia? Por que será que as autoridades municipais, ao invés de distribuírem seus guardinhas de trânsito em momentos e pontos estratégicos para aumentar a arrecadação, não procuram ajudar a parcela da população trabalhadora que precisa estacionar o seu veículo com segurança e trabalhar tranquila sem se ver ameaçada nem por “guardadores” nem por guardinhas que parecem comissionados?

Enfim, voltando aos textos de Derenzi, dá para sentir saudade de uma Vitória que nem cheguei a conhecer, mas que serviu de mote a ele e a outros cronistas que insistem em manter viva a imagem dessa cidade que um dia pareceu presépio. Fica difícil, mesmo fechando os olhos, imaginar uma Vitória pacata e tranquila com lojas e pontos de encontro tradicionais, com suas fachadas à vista, pessoas passeando pelas praças, carnavais na praça Oito ou no clube Vitória a não ser por fotografias ou Vidas Capichabas.

Mesmo sabendo que muito já se perdeu ao longo do tempo, ainda acredito na possibilidade de o centro de Vitória voltar a ser o lugar nobre e agradável que foi e merece ser para se morar, visitar e fazer compras, onde a civilidade domine com um comércio selecionado, arquitetura respeitada, serviços públicos seguros, estacionamentos sem riscos, trânsito controlado por novas obras de engenharia e circulação racionalizada, com o seu patrimônio à mostra e bem conservado, com sua memória preservada.

A cidade-presépio tem um grande potencial no que se refere a patrimônio cultural, que atualmente está camuflado, como já se viu em muitas outras cidades, e somente uma firme vontade política pode mudar o rumo dessa longa história.

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Maria Clara Medeiros Santos Neves, coordenadora do site ESTAÇÃO CAPIXABA, é museóloga formada pela Universidade do Rio de Janeiro e pós-graduada em Biblioteconomia pela UFMG, autora do projeto do Museu Vale e de diversas publicações. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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