Voltar às postagens

IX. Observações genealógicas e antropológicas

As condições demográficas favoráveis indicam que os imigrantes alemães, após certo tempo, adaptaram-se ao meio sem prejuízos graves à saúde da população em geral. Wagemann acha notável a frequência com que se encontram pessoas de idade, muito vigorosas, ainda (o que corresponde à baixa mortalidade). Tivemos oportunidade de ver grande número de velhos colonos, que imigraram na infância ou na juventude. Davam psicológica e fisicamente, impressão saudável e fresca, conseqüência talvez, de uma seleção entre os imigrantes, dos quais vivem, ainda hoje, os mais fortes e mais sadios. Não é possível prever se, nas próximas gerações, se encontrarão muitas pessoas idosas. Tem-se a impressão geral de que as pessoas de meia idade não possuem, em média, a mesma resistência desses velhos imigrantes. Excetuadas as doenças, e outras causas eventuais, esse dote varia de uma família para outra, e naturalmente, depende, de maneira fundamental, das qualidades hereditárias dos imigrantes.

A adaptação verificada, as condições demográficas favoráveis, a baixa mortalidade, apesar do perigo do clima e da falta de higiene, denotam que, na realidade, as famílias de imigrantes, na sua maioria eram resistentes e fortes, qualidades do patrimônio hereditário que transplantaram, consigo, para o Brasil. Por isso, não é possível o exame do problema demográfico, sem se estudar, antes, o destino de cada família que imigrou, ao invés de partir de comunidades, sujeitas, em sua existência, a oscilações consideráveis como já vimos. Conforme nos foi possível ver, através de exemplos, a vida e o desenvolvimento de toda uma comunidade é determinada por uma única família que se distende nas relações mais extensas da parentela. A história e as qualidades características hereditárias das famílias que imigraram, considerando-se a procedência, os característicos físicos, as manifestações psíquicas, espirituais, a capacidade econômica, são do maior interesse para o problema do “meio e da herança”, tão importante do ângulo raciológico e etnológico. Levantamentos genealógicos e de relações de parentesco no Espírito Santo poderiam fornecer material de inestimável valor, servindo para comparar grupos hereditariamente similares, da mesma procedência fixados em meios diversos, isto é as mesmas parentelas e famílias, na Alemanha e no Brasil. Recentemente, tem sido acentuada, repetidas vezes, a importância dessas pesquisas para a ciência antropológica (antropobiologia ou antropologia da compleição). Hans Grimm[ 1 ] por exemplo, depois de formular o problema “Como se desenvolvem as mesmas disposições hereditárias em meios diversos?”, classifica a fixação de teutos no estrangeiro como experimento importantíssimo de transplantação de etnia, diz que urge se realizem novas pesquisas sobre a “Biologia dos alemães no estrangeiro”.

Nossa breve estada, no Espírito Santo, não nos permitiu ocupar-nos, a fundo, com esses problemas, embora reconhecêssemos sua importância para a apreciação do desenvolvimento dos grupos étnicos de origem teuta, nesse Estado brasileiro, e para o estudo da biologia do colono, sob o ângulo da hereditariedade e do meio. Poder-se-ão considerar uma tentativa inicial, de avançar nessa direção, os dados que obtivemos, investigando diversas famílias, as medições antropológicas que tomamos e algumas árvores genealógicas que levantamos. Estamos convencidos de que os resultados do tratamento parcial desses problemas não bastam para se alcançarem conclusões de ordem geral, e por isso desistimos de formular um julgamento e de entrar numa exposição mais a fundo. Outros estudos realizados por pesquisadores, especializados em problemas antropológicos, e com critérios uniformes, poderiam continuar o trabalho utilizando nosso material.

A família Seibel é um bom exemplo do destino de uma família e de seu desenvolvimento, nas gerações seguintes; seus membros, na sua maioria encontramo-los nos respectivos sítios, situados na comunidade de Laranja da Terra, quando não se reuniam em dias determinados, numa colônia ou na casa do pastor Grothe, a pedido deste.[ 2 ] A família remonta a Adam Seibel, que, segundo se sabe, nasceu em Hamm, em Worms, a 15 de novembro de 1815, imigrando para o Brasil, em 1861, com mulher e três filhos. Por ocasião de trabalhos de estrada, que os colonos tinham de fazer no início do povoamento, uma árvore caiu e feriu Adam Seibel, que morreu a 22 de janeiro de 1869. Faltam dados precisos sobre sua mulher, não se sabendo, inclusive, o nome de solteira. Dizem ter sido vítima de um acidente, a queda da parede de uma casa, recebendo ferimentos que a obrigaram a andar de bordão. Dos três filhos de Adam Seibel, Jakob, o mais velho, viera, aos 19 anos, para o Espírito Santo. Nele se entronca a parentela Seibel hoje, conhecida no Espírito Santo. Kaspar Seibel, o segundo filho, desapareceu do Espírito Santo. Não se sabe se voltou para a Alemanha ou se foi para outras zonas de povoamento da América, e lá se fixou. Quanto ao terceiro filho, Adam, diz-se que era violento e estúpido. Informam que matou um brasileiro a pata de cavalo, o que o levou à cadeia, onde morreu após longa permanência. Sua mulher foi viver com um preto. Parece que a descendência desse Adam Seibel logo se misturou com outros elementos étnicos (holandeses, luso-brasileiros) e não é mais possível reconstruir sua história. Faltam, também, dados sobre os descendentes das filhas do velho Adam Seibel.

É possível seguir, com exatidão, a descendência de Jakob Seibel, que se casou com Luisa Sarter, de Obserstein sobre o Nahe (Oldenburg), a qual ainda vivia, por ocasião de nossa visita. Luisa Sarter emigrou com seus pais, em 1861, com 12 anos de idade, tendo durado oito semanas a travessia a vela do oceano. Resistiu ao duro trabalho dos primeiros anos do povoamento, deu ao seu marido l1 filhos, e chega aos 90 anos com um vigor surpreendente. Jakob Seibel conseguiu viver muito bem no ambiente dos colonos e parece ter possuído senso e inteligência práticos. Informaram-nos que viajou muito, detendo-se muitas vezes na capital, e que falava bem o português. De seus filhos, foi Wilhelm que desempenhou, na família, o papel de líder. Foi ele quem, primeiro, organizou colônias no território da atual comunidade de Laranja da Terra, mandando vir os irmãos. Foi ele quem se ocupou com a vida da comunidade, lutando pelo desenvolvimento da instrução e transmitindo algo de suas qualidades pessoais não apenas aos parentes, mas também a toda a comunidade. Um dos poucos colonos do Espírito Santo, dotados de qualidades de liderança.

Nas gerações seguintes, essa família de origem renano-oldenburguesa mistura-se com famílias de origem pomerana. Existe, contudo, certa unidade em todas as famílias Seibel, que se manifesta na capacidade econômica, em geral boa, e no padrão de vida algo elevado. A grande vivacidade intelectual, herdada do lado renaniano, é completada, por uma mistura feliz, com a perseverança e a tenacidade do fator pomerano. Os Seibel são, sem dúvida, especialmente dotados para tarefas colonizadoras. As colônias administradas pelos Seibel Juniors (irmãos e filhos de Wilhelm Seibel) estão entre as melhores que vimos no Espírito Santo.

Constituem tarefas da pesquisa biológica em grupos étnicos alemães, no estrangeiro, observações relativas ao cabelo e à cor dos olhos, ao índice da largura e comprimento cranianos etc.; a determinação do tamanho e do peso, especialmente estudos do crescimento na juventude, em suas relações com diversos fatores que possivelmente influem no desenvolvimento dos jovens (particularidades da alimentação, trabalho corporal prematuro, rapidez do crescimento em virtude da forte irradiação solar, influência da verminose etc.). Antes de nossa visita, o doutor Saettele realizara, no Espírito Santo, pesquisas a esse respeito, as quais, em parte, prosseguimos, trabalhando em comum.[ 3 ]

Grimm pôs em dúvida a exatidão de nossa conclusão e lembrou que os valores para a Alemanha, tirados de uma tabela antiga precisavam ser corrigidos. Faltam publicações que se ocupem do peso e tamanho dos meninos pomeranos. Os valores médios, obtidos com a medição de meninos de Mecklenburg, na Alemanha do Norte, da mesma raça, estão acima daqueles apresentados pelo doutor Saettele, para as idades correspondentes. Os meninos teuto-brasileiros apresentam, em relação aos meninos do norte da Alemanha, um déficit de peso e de tamanho. Apuraram-se através de exames precisos, as seguintes divergências de peso (meninos, aos 14 anos, menos 10,2 quilos; as meninas que, na Alemanha Setentrional, apresentam, no começo da puberdade, um acentuado aumento de peso, menos 13,4 quilos; ou sejam, 26,8% de diferença para os meninos e 28% para as meninas). Aos 6 anos de idade, os meninos brasileiros são maiores do que os meninos e as meninas de Mecklenburg; aos 7 anos, sua altura é menor que a dos meninos da Alemanha Setentrional; aos 14 anos, os meninos da Alemanha do Norte são 10,8 centímetros mais altos, e as meninas, 10,2 centímetros; nessa idade a divergência dos valores vigentes para os meninos da Alemanha do norte importa, conforme o sexo, em 7 % e 6,7 %. A nossa suposição inicial de uma estatura esguia, baseada na comparação com valores médios, mais antigos, vigentes para a Alemanha, esboroa-se em face dos meninos da Alemanha Setentrional, da mesma raça. Mas, não parece improvável que, em concordância com observações de outras regiões tropicais, o crescimento seja apressado no primeiro período (até o 6º ano mais ou menos), passando, então, a retardar-se, vindo, depois, a experimentar, possivelmente, uma parada prematura. É inteiramente improvável que se trate no caso de uma modificação dos caracteres físicos, de natureza genotípica, logo após tão poucas gerações. É, antes, uma modificação do fenótipo, para o que além das influências climáticas e da alimentação, contribui, provavelmente, como fator mais importante, a verminose existente nos meninos em geral.

A constituição e o porte dos adultos não revelam num julgamento geral, nenhuma diferença notável dos de uma população rural da Alemanha Setentrional. Também hoje vêem-se numerosas, estaturas, possantes e altas; no conjunto, predomina o tipo magro, delgado; vêem-se raras pessoas com adiposidade. Até aí, pode-se falar, talvez, de uma adaptação determinada pelo meio, influenciada pelo clima e pela alimentação, ao tipo da população luso-brasileira. Também entre as mulheres e as filhas dos colonos, que, desde a juventude, realizam o trabalho do campo junto aos homens, é freqüente uma constituição robusta e possante.

_____________________________


NOTAS

[ 1 ] Grimm, Hans: Körperliche Entwicklung Auslandsdeutscher Jugend, Auslandsdeutsebe Volksforschung 1938, volume 2, caderno 1, p. 130.
Grimm, Hans: Anthropologie in der Volksforschung. Ibidem, volume 2, caderno 3, p. 396.
[ 2 ] Vide, no apêndice, a árvore genealógica da família Seibel.
[ 3 ] R. Saettele: Untersuchungen an deutschstaemmigen Schulkindern im Staate Espírito Santo in Brasilien und kurze Eroerterung der Hauptkrankungen dieser Volksgrupe. Arch. f. Schiffsu. Tropenhyg. Vol. 40, Caderno 11. p. 495.

[GIEMSA, Gustav, NAUCK, Ernst G. Uma viagem de estudos ao Espírito Santo: pesquisa demo-biológica, realizada, com o fim de contribuir para o estudo do problema da aclimação, numa população de origem alemã, estabelecida no Brasil Oriental. Trabalho publicado pela Universidade de Hanseática, Anais Geográficos (continuação dos Anais do Instituto Colonial de Hamburgo, vol. 48), série D, Medicina e Veterinária, vol. IV, Hamburgo, Friederichsen, De Gruyter & Co., 1939, traduzido para o português por Reginaldo Sant’Ana e publicado no Boletim Geográfico do Conselho Nacional de Geografia, n. 88, 89 e 90, 1950].

Gustav Giemsa nasceu na Alemanha a 20 de novembro de 1867 e faleceu a 10 de junho de 1948. Foi químico e bacteriologista e alcançou notoriedade pela criação uma solução de corante conhecida como “Giemsa”, empregada para o diagnóstico histopatológico da malária e outros parasitas, tais como Plasmodium, Trypanosoma e Chlamydia. Estudou Farmácia e mineralogia na Universidade de Leipzig, e Química e Bacteriologia na Universidade de Berlim. Entre 1895 e 1898 Giemsa atuou como farmacêutico na África Oriental Alemã. Em 1900 tornou-se chefe do Departamento de Química Institut für Tropenmedizin em Hamburgo.
Ernst G. Nauck nasceu em São Petersburgo, Alemanha, em 1867, e faleceu em Benidorm, Espanha, em 1967. Especialista em doenças tropicais. 

Deixe um Comentário