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Lixão do medo ou salve-me do aperto, seu Pedrinho

“PeloamordeDeusprecisoconversarcomosenhorseuPedrinho!”

“Calma, mulher! Do jeito corrido como você falou até parece que foi em romeno. Você sabe romeno?”

“É porque estou apavorada, seu Pedrinho.”

“Então desapavore e diga o que está acontecendo.” Lenilda puxou o escrivão em direção ao cajueiro da delegacia. Era ali que Pedro costumava se recolher para fugir à lufa-lufa das tomadas dos depoimentos cansativos, entregando-se a alguns momentos de sossego em meio à fumaça azul-celeste dos cigarros que pitava.

“Pelo seu nervosismo deve ser algo gravíssimo,” disse ele, deixando-se levar pela amiga, visivelmente apavorada.

“Gravíssimo é pouco, seu Pedrinho. O que eu vou lhe contar tem risco de morte.”

“Então quem não quer se arriscar sou eu,” disse o escrivão.

“Mas eu preciso que o senhor me aconselhe, senão eu posso fazer uma besteira e ser ‘apagada’ de uma hora para outra. Pelo amor de Deus, seu Pedrinho, me diga o que fazer!” implorou Lenilda.

Pedro viu que a mulher estava à beira de um triquetrique nervoso e se dispôs a ouvi-la.

“Sente-se aqui no banco de madeira, ao pé do velho cajueiro, e se controle”.

“Não tem ninguém nos espiando?” indagou uma Lenilda que virava a cabeça de um lado para o outro.

“Não se preocupe. Estamos sozinhos neste minifúndio, minha amiga. Conte-me o que aconteceu,” encorajou-a o escrivão.

Sem deixar de vigiar os arredores, Lenilda entreabriu cuidadosamente uma bolsinha de lona que tinha na mão para que o escrivão visse o maço de notas de cem reais que estava lá dentro.

“De onde saiu esse dinheiro, Lenilda?”

“Saiu, seu Pedrinho, da cesta de lixo do gabinete do delegado. Estava tudo lá, de mistura com um monte de jornal rasgado. Tá vendo por que eu estou morrendo de medo? Salve-me do aperto, seu Pedrinho!”

“Por que essa grana veio parar na sua mão?” perguntou o escrivão, que começava a perceber a delicada situação em que se encontrava a faxineira da delegacia.

“Foi logo que o delegado deixou a sala dele, onde ficou trancado depois da batida na boca de fumo do morro do Urubu. Ele me viu e me mandou limpar a sala e queimar todo o lixo da lixeira. ‘Quero tudo queimado bonitinho, dona Lenilda. Preste atenção no que estou dizendo: quero todo este lixo transformado em cinza, ouviu bem?’ E saiu apressadinho pela varanda da delegacia com aquela bolsa de couro fedorenta que ele carrega pendurada no ombro, que ia até bem gordinha…”

“E aí?” indagou Pedro.

“Aí eu entrei na sala, que era uma bagunça só, com pedaço de jornal espalhado pelo chão, dentro e fora da lixeira. Mas o pior foi quando meti a mão na caixa de lixo para recolher o que tinha ali dentro e achei essas notas de cem reais amarradinhas. Já pensou no susto que eu tomei, seu Pedrinho. Agora não sei o que fazer com o dinheiro e tremo só de pensar de onde ele veio. Por isso quero ouvir o seu conselho, meu amigo, porque estou com um medo danado, pensando em entregar tudo para o Delegado.”

“Nem pense nisso, Lenilda!” quase gritou Pedro, esquecendo-se que a conversa entre ambos era reservada.

“Por que não, seu Pedrinho? Eu não tive culpa nenhuma de achar o dinheiro, nem quero ficar com ele,” disse Lenilda ao ponto das lágrimas.

“Eu sei disso, minha querida, eu sei disso. Mas se você devolver o dinheiro para o delegado, ele, que não percebeu que jogou as notas no lixo porque devia ter muito mais grana embrulhada nos jornais, vai descobrir que você sabe do que não devia saber, e aí, babau: era uma vez a faxineira de nome Lenilda na delegacia da Chapot Presvot,” disse Pedro.

“Meu São Benedito, onde eu fui me meter!” disse uma Lenilda chorosa e pálida. “O senhor não quer ficar com o dinheiro? Eu lhe dou de graça.”

“Esta não é a solução correta, minha amiga. Nem eu nem você vamos entrar numa gelada dessa! Para todos os efeitos você não achou dinheiro nenhum e queimou tudo que tinha de queimar, cumprindo bonitinho as ordens recebidas. É o que vamos fazer imediatamente com as notas que você achou.”

Juntando o gesto às palavras o escrivão tirou o isqueiro do bolso e pôs fogo nas cédulas que saíram se desmanchando pelo chão. Voltando-se para Lenilda, perguntou: “Está satisfeita com o encerramento do caso?”

“Assim, assim,” disse a faxineira entristecida.

“Assim, assim por quê?

“Porque confesso que me deu uma dó muito grande vendo o dinheiro se retorcer no fogo”.

“O que você sentiu, Lenilda, foi a dor da honestidade. Nada que um chazinho de camomila não resolva,” disse Pedro, rindo.

E, sem mais palavras, puxou a faxineira pelo braço para dentro da delegacia.

[Este texto integra a série intitulada CHAPOT PRESVOT 272, de Luiz Guilherme Santos Neves]

Luiz Guilherme Santos Neves (autor) nasceu em Vitória, ES, em 24 de setembro de 1933, é filho de Guilherme Santos Neves e Marília de Almeida Neves. Professor, historiador, escritor, folclorista, membro do Instituto Histórico e da Cultural Espírito Santo, é também autor de várias obras de ficção, além de obras didáticas e paradidáticas sobre a História do Espírito Santo. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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