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M.A.C.G., cozinheira autônoma

Bairro onde mora: Praia do Canto
Bairro onde trabalha: Praia do Canto
Profissão: cozinheira (autônoma)
Naturalidade: Vitória
Idade: 64
Tempo de residência em Vitória: 23
Tempo que trabalha em Vitória: 23
Estado civil: viúva
Filhos: 2



O que você acha da cidade de Vitória como ambiente para se viver?

– Bom, a cidade de Vitória, apesar de ser muito violenta pro tamanho dela, é um bom lugar, e você ainda tem um pouquinho de contato com as pessoas pelo tamanho da cidade, porque cidade grande você não tem nem como visitar alguém. É bonita; eu acho linda a cidade. Como trabalho, ainda tem um pouco que dá pra desenvolver alguma coisa. Pra mim o melhor bairro é a Praia do Canto, será que é porque eu vivi no Leblon a vida inteira, e aqui é uma beirada de praia, talvez seja por isso. Ou porque eu moro aqui há muito tempo, já estou acostumada. Eu não me acostumaria a morar em Jucutuquara, por exemplo, que pra você sair tem que trancar a porta. Agora, a parte mais bonita é essa orla aqui nova, Praça dos Namorados, Praça dos Desejos, até o Shopping [Vitória] é muito linda. E a chegada da Terceira Ponte é um sonho. E a Rio-Niterói é horrorosa. Então é muito bonito ali, apesar de ser poluído, mas eu não frequento muito a praia, mas tem gente que frequenta, até de noite.



Como você se relaciona em Vitória? É fácil fazer amigos, namorar…? Qual é o perfil do capixaba?

– Aqui em Vitória eu tenho os mesmos amigos que eu tinha há quarenta anos atrás. Novos amigos é muito difícil. Eu acho o povo meio individualista, não é fechado não. Você senta num bar em Vitória, não é como no Rio, que daqui a pouco o bar vira uma mesa só. Você senta, você toma sua cerveja, se você estiver sozinha, sozinha você vai ficar. O pessoal não se mistura. Talvez até eu seja difícil de interagir. Não sei se eu sou. Só sei que eu tenho as mesmas amizades que eu tinha quando eu vinha aqui de férias, eu nem morava. Mas eu acho que é individualista mesmo.

O que você acha das oportunidades de trabalho, do custo de vida?

– Eu acho que as oportunidades existem. Eu nunca fiquei nem dez minutos sem trabalho. E nunca precisei procurar, sempre caiu na minha mão. Quando eu fui gerente de bar no Triângulo [das Bermudas], eu fui procurada, peguei o Praia Tênis [cantina do clube], também fui procurada. As oportunidades aqui pintam muito mais que numa cidade grande. Não sei talvez até pelo sobrenome, que eu levo o sobrenome de doceira, de tudo que é lado. As pessoas já conhecem meu trabalho, sabem que eu sou competente, por isso. Primeiro eu tinha uma casa de doces, depois sem querer virou bar, depois tive outro bar, depois fui gerente de outro bar. Eu tive bar durante muito tempo. Depois a cantina do Praia [Tênis Clube]. O custo de vida eu acho bem mais barato do que numa cidade grande, em todos os sentidos. Um aluguel de um ponto, você comprar coisas pra trabalhar, por exemplo, meu ramo que é de alimentos, é tudo bem mais barato, condução é mais barato.

Tem algo a dizer sobre o trânsito? Como você se locomove?

– Eu ando de ônibus porque eu trabalho tudo aqui pertinho. O trânsito, eu acho que ainda dá pra dirigir tranquilo. Eu acho que o capixaba, em geral, dirige mal, mas o trânsito não incomoda ninguém. É tudo rápido, é tudo perto. A facilidade de ir em supermercado, em padaria, que eu moro nessa rua aqui [Reta da Penha], que eu tenho tudo, tenho banco, se eu quero presente eu tenho, se eu quero comprar uma roupa eu tenho, tudo.



Você assiste ou participa das tradições que ainda restam? (procissão dos navegantes, festa da Penha, festa de S. Benedito…)

– Já fui, mas nunca me interessei. Fui porque eu estava em Manguinhos, e tinha São Sebastião ou São Benedito. E uma vez eu vi os barquinhos lá de São Pedro. Não fui lá pra ver não. Por acaso eu estava lá num bar na Praia do Suá e todo mundo foi ver; eu fui junto. Tinha pouquíssima gente e nessa época era bem mais tradicional, tinha os pescadores, agora nem tem pescador direito.

E as tradições mais recentes, como o Vital, o carnaval do Centro…?

– Vital, eu não gosto de música baiana, e carnaval do Centro, eu tenho é medo, e já enjoei de carnaval. Mas eu já desfilei em escola de samba, já fui diretora da extinta Mocidade da Praia, que era do pessoal ali do [bar] Di-Dom-Dom. Foi muito divertido, no primeiro ano lá do Sambão [do Povo], eu desfilei na Novo Império, na ala da Prefeitura, na época de Hermes [Laranja], foi uma galera, foi ótimo, nunca me diverti tanto, mais do que no Rio, porque lá você desfila e vai embora, aqui não, você fica. E depois eu fui ao desfile dos campeões, arrumaram fantasia pra mim, eu desfilei em todas. Fantasia grande, fantasia pequena. Foi uma farra boa. Tem tempo isso, foi lá por 84, 85. E era a mesma coisa, trabalha o ano inteiro pra ganhar.



Como você se diverte? Quais lugares que frequenta?

– Eu saio muito pouco, quando eu saio, eu saio com esses amigos e a gente vai num lugar só, agora que, de vez em quando, a gente também está indo ao Bar do Henrique e só, mais nada, eu saio muito pouco. Uma vez por semana, no Henrique, no Centro, na Barão de Monjardim, antes a gente só ia lá, no bar do Augusto, perto da Capitania dos Portos, mas Seu Augusto está ficando muito chato e a cerveja tá muito quente. Todos os meus amigos moram lá, mas ele tá muito chato, ou nós que estamos chatos. Eu não sei. – Eu vou muito ao Parque Moscoso, quando minha neta tá aqui comigo eu levo lá. É agradabilíssimo, fresquinho, com segurança. É povão que frequenta, mas é tranquilo, tem muita gente de idade, que eu acredito que more ali por perto, sentada nos banquinhos, andando. Muita criança também; tem parquinho, tem peixinho, tem patinho pra dar comida, tem uma escolinha de futebol. Nunca fui à noite, nesses shows que a Prefeitura estava organizando, na concha acústica, mas parece que são bem tranquilos também, com famílias, e o parque é muito bonito.



E a vida noturna? O que se vê na noite de Vitória?

– Não existe. Na minha época era bar, sentar em bar; tinha três, quatro boates, uma aqui na Avenida Rio Branco, que era a Kripton, onde tocavam sempre aqueles Big Beatles. Mas a noite não tem mais a ver comigo, acho que há mais de trinta anos. Hoje eu não sei nem onde tem essas coisas. E esse negócio de dança de salão eu acho um porre porque as pessoas vão pra lá pra se arrumar, como todo lugar.



O que acha dos políticos?

– Tudo igual tal e qual. Se fizer um feixe e amarrar num saco e jogar fora, não vai fazer diferença nenhuma. Paulo Hartung é uma pessoa que me parece correta e um bom administrador.



Quais são os grandes problemas de Vitória?

– Eu acho que é o trânsito, ainda não é, mas vai ser, porque não tem mais ônibus. E condução à noite. Isso pra mim é o maior problema. Sempre foi; os pobres dos meus empregados ficavam até 5:30 da manhã esperando Transcol rodar. Passou de 1 hora não tem mais.  A gente levava até onde tem a Madeireira do Sandri ali, que o vigia deixava esperar lá dentro. A pessoa tem que voltar tarde, mora lá em Deus me livre. É brincadeira, não tem como ir. Pra gente era fácil, quando a gente tinha o Teco-Teco (bar) pegava um táxi, ou ia de carro. Eu acho esse o grande problema, porque tem muita gente que trabalha à noite e táxi é caríssimo aqui em Vitória. Você vai do Galeão a Copacabana são 45/50 reais, você vem da cidade até aqui [Praia do Canto] à noite são 20, sete minutos. E não tem mais pra onde ir esse trânsito. Você vê a Terceira Ponte, 3 horas da tarde engarrafa. Aí vão desapropriando terreno, ali perto do aeroporto, pegando pedaço da UFES, mas até quando eles vão fazer isso?



E as grandes vantagens de morar aqui?

– É um centro pequeno, a gente se locomove com rapidez. Um clima gostoso, agradável, não faz um calor insuportável.



Como você definiria a sua vida em Vitória?

– Com uma palavra só: tranquila. Eu gostaria de voltar pro Rio, se eu pudesse. Lá eu criei filho, lá eu casei, fiz amigos. Amigos você faz aonde, na faculdade, porque em cidade grande os do ginásio ao primário passam. Eu sinto falta até do burburinho, do auê. Mas é aquela história, Rio pra mim é Leblon, e Leblon é uma coisa que está muito longe do meu poder aquisitivo hoje. Por isso que eu prefiro aqui, e os filhos estão aqui também, há uma parte da família daqui lá. A família do meu marido que pra mim é como se fosse a mesma coisa, minha sogra e minha mãe, é tudo a mesma coisa.



Você gosta de morar aqui?

– A vizinhança é boa, tranquila. Só tem velhinho. Acho que umas duas moças, e uns dois casais, só. E olha que eu achava que aqui ia virar um “balança mais não cai” [pardieiro], por causa da localização, sei lá. Mas não virou. Eu gosto daqui, só não gosto do barulho das ambulâncias subindo pro hospital infantil, meu coração fica apertado. Tem dias, final de semana, que sobe muita ambulância gritando, eu fico agoniada. Eu cheguei a comprar um apartamento no Mirante [da Praia], mas na sexta prestação eu desisti. Fiquei com medo de ser um “balança mais não cai”. Porque lá, antigamente, era barra pesada, só morava polícia e traficante. Hoje não, tem estudante, tem família, tem muito velho também, criança. Os velhinhos ficam todos lá embaixo conversando. E é uma localização ótima ali na Moacir Avidos. Só que são, eu acho, vinte apartamentos por andar, e acho que são quinze andares. Então são uns trezentos apartamentos. Tem um senhor que comprou três e fez um grande, pra família, ele tem dois filhos novos, mas ele já é um senhor. E lá no Mirante é tudo organizado, é muito organizado ali, limpo, não tem bagunça. Já o Prince [Apart Hotel] é uma zona, criança correndo molhada pra todo canto. Gente esquisita. – Eu fui pro Rio com meses, voltei em 1978, já casada e com os meninos. Fiquei sete anos aqui e depois voltei pro Rio em 1985 e depois só voltei pra Vitória em 1991. Era diferente, na verdade a gente que mudou. Antes, qualquer lugar que a gente ia se sentia em casa, depois mudou, a gente mudou. – Eu tenho freguês aqui no prédio, muitos, no Banco Itaú, no Mirante, Marina, e tem uma que mora lá no final da Aleixo Neto, quer dizer, lá no começo, aí, essa, não dá pra eu levar lá longe caminhando, então ela vem buscar. Eu espero por ela ali naquela pracinha do Pão Gostoso, em frente à farmácia Santa Lúcia, na Reta da Penha, é uma meia pracinha. Hoje eu não pude nem sentar que estava cheia de mendigo dormindo nos bancos, na sombra, no sol, aquele cheiro horrível.

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