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Entrevistada: Marlúcia Rufino Guimarães

Entrevistado: Marlúcia Rufino Guimarães
Grupo ao qual pertence: Praia de Itapuã
Entrevistador: Fernanda de Souza
Data da entrevista: 16/01/2014

Local / data de nascimento: Itapuã, Vila velha, ES, 18/01/1973.

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[Como foi sua infância?]

Meus pais já são mortos e sempre trabalharam com pesca. Minha família é toda de pescadores: pais, avós, todo mundo. Fui nascida e criada aqui em Itapuã. Sempre trabalhei com a pesca, tentei ir para outros lados, mas não deu certo, voltei para a pesca de novo e estou criando minhas filhas no mesmo caminho, na pesca.


[O que você lembra da sua infância aqui?]

Minha infância aqui foi muito boa. Há 25, 30 anos tinha muito peixe, hoje em dia é que está escasso o peixe, está sumido porque antigamente as traineiras não podiam pescar aqui perto. Eram cinco milhas que elas podiam pescar e elas não vinham pescar aqui. Hoje dizem que o governo liberou, as traineiras vêm aqui e pegam todos os peixes. No verão passado nós não pegamos nada de peixe. Esse verão já começou e já estamos na metade de janeiro e até agora nada.

Então está difícil. Eu não trabalho só com peixe. Trabalho com peixe, com sururu e camarão, só que a coisa agora está ficando apertada porque até mesmo o sururu tem pessoas pegando a semente para fazer cultivo e levam para outros lugares. Se o Ibama e as autoridades não nos ajudarem daqui uns dias até o sururu vai acabar também.

O governo dá quatro meses de defeso, mas passaram os quatro meses, a gente está indo na ilha e não tem nada. Eles dão o defeso, mas eles não fiscalizam, nem todo mundo respeita. O pessoal daqui respeita, mas o pessoal de Vitória e de outros lugares não respeitam. Se eles não pegarem pesado e não fizerem uma fiscalização vai acabar também. E o peixe também está acabando, infelizmente. Eu queria que minhas filhas pelo menos vivessem um pouco da nossa história e conhecessem.

Antigamente a gente botava uma rede aqui apanhava dois, três barcos, hoje em dia não pega nem meio, está difícil. Numa época de hoje, em janeiro, era para estar pegando sardinha, manjuba e chicharro. Já estamos em 15 de janeiro e não estamos pegando nada até hoje. Está muito difícil por causa das traineiras, porque as traineiras vão ali atrás da ilha, […], eles tem uns aparelhos que nós não temos, e pegam todos os peixes e nós não pegamos nada. E também tem o problema da Petrobrás, que está fazendo essas escavações aí. Essas escavações estão acabando também. Eles vêm aqui dizem que vão ajudar os pescadores, mas só não vêm. Passa na televisão, dizem que estão ajudando os pescadores, que estão dando isso para os pescadores – Não estão dando nada! Só contam mentira. Só ficam na promessa.

Vem aqui fazem reuniões – Vê o que os pescadores estão precisando, que a gente vai ajudar. Os pescadores não estão precisando de cesta básica. Os pescadores estão precisando que parem de jogar lama no mar para que a gente possa voltar a ser como era antes. Infelizmente as escavações estão acabando com o peixe. Tem outros lugares que eles podem estar fazendo essas escavações, mas infelizmente as autoridades competentes ficam do lado deles e não ajudam os pescadores […] Futuramente, se continuar do jeito que está, daqui há uns dois, três anos, todos os pescadores terão que vender os barcos, jogar fora e caçar procurar um serviço, porque peixe, não tem, sururu, não está tendo, caranguejo, muito menos, porque os mangues estão se acabando. Então, o pescador realmente […] só Jesus! Está feia a coisa!

A pesca aqui era muito farta, mas hoje[…] queria que minha neta crescesse vendo do que a gente vivia, do que ela foi criada. A mãe dela também é pescadora e trabalha comigo no cultivo do sururu. Só que estou vendo que daqui a alguns dias, na adolescência dela, não vai ter mais, vou ter que mostrar por fotos, nós temos fotos em casa de como era antigamente. No futuro as crianças vão conhecer a pesca só por fotos ou nos livros. No mar tem o peixe, mas o peixe não encosta por causa das traineiras, dessas escavações, da lama que estão jogando no mar. A nossa infância aqui foi muito boa.


[Você lembra quantos anos tinha quando começou a vir para a praia?]

Eu comecei com idade de nove anos a ajudar meus pais, tios e avós. Aqui nós somos uma colônia de pesca e se olhar, quase todo mundo é parente. Então foi desde criancinha. Essas criancinhas aqui já vêm. Essa aqui tem dois anos, a mãe dela está trabalhando fora porque infelizmente não está tendo peixe e tem que fazer alguma coisa na vida para sustentá-la. Aí, como eu venho pescar, e eu tomo conta dela, tenho que trazê-la. Ela já participa, já ajuda a puxar uma rede. Quando estou descascando sururu ela fica sentadinha aqui. Não tem idade, já cresce […] e daí vai tomando gosto.


[Você brincava de alguma coisa aqui na praia?]

Aqui na praia, vira e mexe, estamos jogando bola e brincando de pegar onda. Com esse mar que Deus nos deu a vida é abençoada, até hoje em dia. Quando não tem peixe, tem que estar brincando de pegar onda, vamos à ilha. Juntamos 10, 15 pessoas e vamos passear na ilha. Ficamos brincando de queimada aqui na beira da praia. Essa é a vida de pescador.

[Você estudou?]

Eu estudei até a 7ª série, mas as duas filhas mais velhas […] uma terminou o 3º ano, só não fez faculdade porque infelizmente ela engravidou e com a grana curta […] Eu até ia ajudá-la, mas não tem como ajudar. Tenho uma de 19 anos que terminou o 3º ano, já tem três anos que ela terminou. Futuramente está pensando em fazer um curso, uma faculdade, mas tem que esperar as coisas melhorarem. Tenho uma de 15 anos que está na 7ª série e já está quase terminando e se Deus quiser vai terminar. Só que infelizmente tem que correr atrás, tem que começar a trabalhar cedo porque a pesca […]

Há 25 anos daria até para bancar uma faculdade, porque na meada de janeiro já estava cansada de tanto pegar peixe, mas infelizmente hoje em dia não tem mais como viver do peixe. Viver do peixe não dá mais.

Nós estamos até pensando em vender os nossos barcos e arrumar um trabalho. Se continuar assim mais uns dois, três anos…  Infelizmente se as autoridades não vieram ajudar a gente vamos ter que fazer isso, vender os barcos e arrumar um trabalho, porque nós temos que comer, pagar aluguel, fazer as coisas e infelizmente o que vai acontecer é isso.


[E seus pais e avós?]

Meus avós e meus pais trabalhavam com a pesca […] A minha bisavó, ela morreu há a cinco anos, com 110 anos. A minha avó ainda é viva e mora aqui na rua de trás e está com quase 100 anos. Elas foram umas das primeiras pessoas a chegarem aqui na colônia de pesca. A minha família foi uma das primeiras a chegarem aqui, quando chegaram aqui era tudo mato, não tinha casa, não tinha barraco, não tinha nada, aí foram chegando mais gente e estão aí. O progresso, prédios de todos os tamanhos, há quarenta anos não tinha nada disso. O pessoal veio, fundou, colonizou. Hoje em dia estão esses prédios aí de todos os tamanhos, que não deveria se permitido. Deveria ser permitido só de quatro andares, porque atrapalham o sol. Chega certo horário aqui que não tem sombra, não tem nada. Não tem sol, não tem sombra, não tem nada.

Isso aí também contribuiu para atrapalhar o peixe, porque é muito barulho de carro, tem muito carro. Um prédio desse aí tem dois três carros e com o barulho e a claridade o peixe não vem. Quando essas luzes acendem isso aqui fica tudo claro, mas em compensação o peixe não vem, então, essas coisas aí que eles falam que é o progresso, para a gente é o fim do mundo.

As autoridades deveriam de olhar por esse lado. Um prédio desses de 15, 20 andares acaba com a pesca. Isso aqui é uma praia de pesca, de pescadores, o nome já diz: praia dos pescadores. Só que eles querem saber do bolso deles cheio de dinheiro e os outros que se ferrem né? Infelizmente é isso o que está acontecendo. Tinha necessidade de um prédio desse aí de 20 andares na beira da praia? Acaba com o sol, com a natureza, isso só agride, é por isso que está tendo tantas enchentes […]

[Com quantos anos você começou a pescar?]

Eu comecei a pescar com 12 anos.

[Quem te ensinou?]

Quase todos os pescadores aqui têm rede. Todas as crianças, filhos de pescadores, já começam indo pescar, às vezes porque acham legal ver os peixes, às vezes porque querem ganhar um peixe para levar para casa. […] E vai indo já estão tão envolvidos que não querem mais sair, tomam gosto que não querem mais sair. E assim é a vida de pescador, vai passando de geração em geração.

[Como você compara a pesca de antigamente com a de hoje em dia em termos de quantidade e tipo de peixe?]

Há 20, 30 anos você podia escolher o peixe que queria pescar. Era peroá, dourado, chicharro, você podia escolher. Hoje você não consegue nem pegar, imagina escolher. Antigamente isso aqui era muito farto, tinha peixe demais, a gente achava que era peixe demais, mas era coisa de quantidade certa. Hoje não tem como. Antigamente você via um cardume de peixe ali, ia lá, cercava e dava para todos os donos de redes ficarem satisfeitos. Hoje se aparece um cardume de peixe dá até briga, porque talvez ele seja o único que vai aparecer durante todo o dia, porque não está tendo mais.

Não tem nem como comparar a pesca de 20 atrás. Era uma maravilha. Hoje não tem mais pesca. Não se pode dizer: o pescador que disser que ele vive só da pesca – ele está mentindo.

[Você tem alguma outra fonte de renda?]

Eu trabalho com peixe e com sururu. Quando eu não estou pescando eu estou na ilha arrancando sururu. Mas estou vendo que daqui há uns três, quatro anos, se continuar do jeito que está, se nada for feito para nos ajudar, vou ter que sair, largar isso aqui e procurar um trabalho. Antigamente, há 20 anos, nessa época do mês de janeiro nós estávamos cheios de dinheiro, já tinha vendido bastante peixe. Você chegava aqui na praia tinha 10, 15 caminhões encostados aqui. Hoje, não tem mais, não se vê nem um caminhão, estão indo para o Rio, para outros lugares, porque aqui não tem peixe. Eles sabem que aqui não está dando nada, então nem vem aqui.

Minha fonte de renda é só a pesca. Eu e meu marido somos pescadores de peixe e de sururu, vivemos só da pesca.

[Como é sua rotina como pescadora?]

No verão, quando chega janeiro, às 5h da manhã a gente vem para cá, porque é o horário que os cardumes começam a aparecer. Quando está dando peixe a gente nem vai em casa almoçar, ficamos direto. Às vezes até 7, 8h da noite, mas ultimamente não está dando peixe, a gente é obrigada […] a gente vem às 5h da manhã, fica sentado na beira da batera vigiando, não aparece nada, vai em casa, volta.

Quando a gente vai arrancar sururu, geralmente a gente gosta de apanhar a maré cedo. Às vezes, a maré dá 6h, aí a gente sai de casa 5;30h e vamos para a ilha, ficamos lá até umas 11h arrancando sururu, vem para a praia, faz o fogo aqui mesmo na praia. […], já vai descascando e vendendo. Os fregueses vêm, sentam junto com a gente, metade dos fregueses gostam de ver o fogo aceso. Já tentaram proibir, um tal de PDM, que se diz dono da praia. Eu achava que isso aqui era marítimo, não é? Que era a Marinha que mandava, mas dizem que não é, dizem que é um tal de PDM, que eu nem sei o que significa. Já vieram aqui umas duas vezes e tentaram fazer com que a gente não fizesse fogo na beira da praia, mas nós chamamos a Prefeitura e eles disseram que vão fazer um local apropriado para nós, mas o apropriado é aqui, a cultura é aqui, o povo não quer ver o sururu já embalado, eles querem ver a gente acender o fogo no cantinho, querem ver a gente cozinhar e descascar ali mesmo.

O peixe, eles querem ver o peixe fresco do mar, igual ao rapaz que chegou ali agora com o peixe todo fresquinho. Você vai preferir comprar o peixe fresquinho ou aquele que está na geladeira, que você nem sabe quantos anos está ali?

Então, não têm como a Prefeitura proibir isso aqui, PDM, nem nada. Isso aqui é cultura e não vem de dois, três anos, isso vem mais de 100 anos. Eu mesma tive uma bisavó que morreu com 110 anos e ela era pescadora, tem carteira dela até hoje, a carteira dela está na colônia, dado baixa, mas está lá e existe lá para comprovar. Meu pai morreu tem dois meses com 78 anos e era pescador, pescador de carteirinha, de ir lá no mar, porque tem uns que são só de carteirinha, tem aqueles que são velhos, são antigos. O Seu João de Zeco que é pescador, ele tem mais de 100 anos, está velhinho. Se deixar, ele vai para o mar. Ele é pescador de carteirinha que vai mesmo, conserta rede e trasmalha. E como pode acabar um negócio desses?

Ao invés de quererem acabar com isso aqui, eles deveriam se unir para melhorar isso aqui para a gente. Colocar uma água. Hoje se trabalha com umas mesas de madeira. Se a gente tivesse uma mesinha de fórmica, de azulejo, tudo bonitinha […] Se eu vendo 100kg de sururu eu venderia 200, 300kg, se tivesse uma mesinha, uma água para lavar as facas direitinhas, para lavar tudo direitinho. Mas a Prefeitura não deixa, não permite.

Nós já tentamos fazer ali uma mesa de azulejo. O cara fez de mármore, tudo bonitinho. A Prefeitura esteve aqui e quebrou, porque eles não deixam e não dão condições para a gente trabalhar. Ao invés de quererem tirar a gente daqui deviam se unir com a gente, procurar saber o que estamos precisando e nos ajudar. Ficaria uma praia muito mais limpa e mais bonita.  Por exemplo: a areia daqui fica preta? Fica! E porque a Prefeitura não manda um trator vir aqui e pegar a areia lá de baixo e sempre estar limpando e ajudando? A gente faz isso com o carrinho, mas não é a mesma coisa de um trator estar limpando.

A culpa de estar essa bagunça não é dos pescadores. É dos organizadores, da Prefeitura, do pessoal lá de cima que não colabora com a gente. Só que eles pensam que é só fazer prédio, mas turista não quer ver prédio, se for para ver prédio eles ficam lá em Nova York que é uma cidade muito mais bonita do que isso aqui. Eu nunca fui lá, mas pela televisão dá para saber que é muito mais linda do que isso aqui. Eles vêm por causa dos pescadores. Eu tenho freguês lá da Bahia que vem comprar sururu comigo. Quando chega a Semana Santa que é a semana de fazer a torta capixaba em abril, eles ligam para mim e dizem olha, separa sururu para mim, eu quero sururu para fazer torta. Eu tenho que estar com o sururu no freezer, se não tiver sururu eles não vem. Teve dois anos que não teve sururu e aí eu liguei para eles avisando. – Então nós não vamos aí. Eles querem ver o fogo aqui, querem ver a gente cozinhando o marisco. Se a Prefeitura acabar com isso aqui, isso vai acabar. Eles acham que a boniteza daqui são os prédios, mas se enganam… Se eles nos ajudassem aqui, viessem até a nossa comunidade, procurassem os pescadores, isso aqui iria encher de turista.

Os quiosques: eles acham que acabando com os quiosques vão chamar turista. Turista vai vir na praia fazer o quê? O mesmo sol que brilha aqui brilha em Nova York, na Bahia. Eles vão vir aqui fazer o quê? É a mesma coisa se eles acabarem com a pesca, com o sururu. O turista vai vir aqui fazer o quê? Gente bonita tem em todos os lugares, eles vêm aqui é por causa disso aqui. Tem gente de Minas, da Bahia de tudo quanto é lugar e eles falam que vêm aqui para verem as redes e para ver a pesca. O sururu que eu vendo vai para tudo quanto é lugar.

[Como é a preparação da rede para a pesca? O que você tem que preparar para ir fazer a pesca de peixe?]

Eu trabalho com a rede de arrasto, que é aquela que quando a gente vê o cardume a gente joga e ficam duas pessoas dentro do mar no barquinho e joga e as outras pessoas ficam em terra puxando. As outras pessoas ficam puxando a rede, depois se juntam as duas pontas e o cardume de peixe fica no meio, essa é a de rede.

Tem a de rede de trasmalho que é uma rede que a gente vai lá no meio do mar e coloca lá. Por exemplo: a gente vai lá hoje e amanhã só vai recolher o que Deus permitiu que ficasse lá, o peixe, a lagosta, tudo o que tiver lá. Eu trabalho com as duas redes.

[Você prepara as redes? Como que é?]

Eu não preparo as redes, eu compro feita, tem pessoas aqui que fazem. Meu marido aprendeu a fazer agora, ele está pegando o jeito de fazer e está tentando, de vez em quando ele faz alguma. Seu João de Zeco é uma pessoa que faz bem o trasmalho, costura e remenda rede. Quando as nossas redes rasgam tem que pagar alguém para costurar, tudo isso é prejuízo para a gente.


[Tem alguma preparação para se usar a rede?]

Tem que colocar a rede certinha no barco, embarcar, e não é que qualquer maneira. Se for de qualquer maneira, quando for jogar em cima do cardume ela vai estar embolada e não vai conseguir pegar o cardume. Tem que ter duas pessoas, tem que ser em dois, pegar as cordas por cordas, malha por malha e colocar dentro da rede. Essa é a rede de arrasto, a de trasmalho é a mesma coisa.

A de trasmalho [rede de espera] coloca dentro do barco, vão duas pessoas lá fora no mar, joga e deixa amarrada com a corda e com a gallhateira. No outro dia vai só recolher os peixes.

A rede de arrasto é aquela que quando se vê o cardume corre, joga a rede e puxa. A rede de trasmalho se deixa de um dia para o outro, é o que se chama de rede de espera. Essa semana eu não coloquei porque fiquei esperando cardume.


[Quando se coloca a rede de espera?]

A rede de espera se coloca mais no inverno, quando não está dando peixe. Não dá para fazer as duas coisas porque a gente fica muito cansada fazendo as duas coisas ao mesmo tempo.

No verão, uma hora dessa era para a gente estar cansado de tanto puxar rede, mas estou aqui sentada.

De trasmalho, só de vez em quando, quando não está dando nada de rede tem que apelar para a rede de trasmalho.


[Quantas pessoas são necessárias pra puxar a rede de arrasto?]

Olha eu tenho uma pequena ali que umas seis pessoas puxam. Mas eu tenho uma rede maior que tem que ser umas 10 a 15 pessoas, porque pesa muito. Se estiver cheia de peixe, quando Deus abençoa que vem cheia de peixe, tem que ter bastante gente, senão a gente perde todo o peixe.

O Anderson, meu sobrinho tem 17 anos, trabalha com meu marido.  Ele trabalha tanto com rede de arrasto quanto com rede de espera. Ele já atua comigo na pesca.


[Que tipos de peixes se pega na rede de arrasto?]

Antigamente pegava variado, hoje não se sabe o que vem, agora, por exemplo, que é verão, é época de sardinha, chicharro, bonito, mas esses peixes estão sumidos. A espada hoje está difícil.

Dizem que lá na Ponta da Fruta tem muita sardinha, mas ainda não veio para cá. Era para estar pegando e era o que a gente queria que estivesse aparecendo, cardume de sardinha, de espada, mas não está dando nada. Esse mês está fraco mesmo.

[O que se pega com a rede de espera?]

Lá na rede de espera vem sarda, enchova, pescadinha, bonito, bagre, banco, quando vem, porque a rede de espera é todo peixe que passa no fundo. Joga a rede, a rede fica no fundo e é todo o peixe que vem. Quando a gente dá sorte, aí vem uma sarda, às vezes uma pescada, aí é muito bom, mas não é sempre que vem. Antigamente a gente ia na certeza, mas hoje não se tem mais certeza, o que vier, veio.

[Quantas vezes você tem jogado a rede de arrasto?]

Duas vezes por semana. Hoje eu já joguei duas vezes, mas não peguei nada. Hoje passou um cardume, jogamos a rede, mas não veio nada, era tudo peixinho pequeno. A gente está aqui esperando, eu vou ficar aqui até às 16h mais ou menos para ver se aparece algum cardume. Se não aparecer nada a gente vai embora e amanhã volta de novo.


[E a rede de espera, quantas vezes por semana você coloca?]

A rede de espera às vezes se coloca três vezes, porque a rede de espera se deixa lá. Por exemplo: coloca na segunda feira, fica lá a semana toda. Tem que ir todos os dias mirar, se estiver dando peixe, tem que ir duas vezes por dia, pela manhã e às 16h de novo, isso quando está dando peixe. Quando não está dando nada, deixa lá, vai lá hoje e pega o que tem. Amanhã por volta das 6h vai de novo para ver se tem alguma coisa, quanto tem puxa, recolhe o peixe, bate [a rede] para lavar e joga de novo no mar, não precisa trazer a rede, recolhe o peixe e deixa lá mesmo, fica uma duas semanas, quando dá sorte fica lá 15, 20 dias. Às vezes, quando está muito suja, tira e trás para terra para lavar com a água do mar mesmo, lava e coloca para secar, daí dois dias de novo vai lá e faz a mesma coisa. Essa é a rede de espera.

[Qual o processo da pesca do sururu?]

O sururu a gente vai de acordo com a lua, com a maré-baixa. A lua boa para ir é a lua nova e a lua cheia, quando a maré está mais calma. Na Lua crescente e minguante não dá para arrancar porque a maré bate muito. Geralmente vamos em quatro pessoas porque senão fica muito cansativo e cada um faz uma coisa, se for muita gente fica difícil. Aí, a gente tem o barquinho, vou eu, meu sobrinho, meu marido e, às vezes, minha filha também vai. Geralmente a gente vai às escalvadas, que é onde tem uns maiores, lá perto do navio. Lá meu sobrinho e meu marido arrancam. Nós temos uma ferramenta chamada grapuá, que é um pedaço de pau com um ferro na ponta, tem gente que chama de catadeira, mas a gente aqui chama de grapuá. Aí nós colocamos em um saco de estopa. Eles ficam agarrados nas pedras da ilha, cavouca e pega os sururus, depois coloca em sacos de estopa e amarra põe na batera e vem para terra.

A primeira coisa que se vê é a lua. As luas boas são: a lua cheia e a lua nova, não vamos na minguante nem na quarta crescente, porque a maré bate muito. Até dá, mas é perigoso, a gente pode cair e se machucar. A maré está agitada, para apanhar sururu o bom é quando a maré está mais calma, bom é quando ela dá zero, zero, mas esse ano ainda não deu nem uma, está dando ponto 3, ponto 4.


[O que é zero, zero?]

Zero, zero, é quando está sem onda. Na ilha ela não bate nada, fica como uma lagoa, você pode ir despreocupado porque você não vai se machucar. Tem que ver de acordo com o calendário, passa na televisão, o horário da maré. Se ela for dar 6h da manhã a gente tem que sair daqui às 5h, uma antes para chegar lá e fazer a preparação. Tem que encostar e amarrar o barco, tem que ir antes do horário dela para depois subir em cima da pedra e devagarzinho ir pegando, calçar o tênis para não se machucar, porque tem muito ouriço (é cheio de espinho que fura a gente) e muita casquinha, tem as ostras que, se a gente cair, a gente se corta, tem a mãe d’água que é perigoso e tem limo. Tem que ter muito cuidado, é um serviço gostoso de fazer, mas é perigoso e trabalhoso. Aí, depois que arranca o sururu, coloca nos sacos e amarra, lava e guarda todo o material do dia e vem embora para casa.

[Quais são as ferramentas que se leva para pegar o sururu?]

Um tênis, e não pode estar furado porque se tiver furado é perigoso entrar o ouriço, um par de luvas, cada um leva a sua luva, o grapuá e os sacos.

[O que é grapuá?]

Tem gente que chama de cavadeira. É um pedaço de pau, de um metro mais ou menos, e um ferro na ponta. Aqui nós chamamos de grapuá, mas por aí o pessoal chama de cavadeira.

[Quantas pessoas vão?]

O ideal são dois, três, porque se for muita gente fica difícil. Quando nós vamos na batera pequena, vamos em dois, porque senão não dá para trazer quase nada se for muita gente.  No meu caso, eu tenho um barco a motor de sete metros e aí nós vamos em quatro pessoas. Normalmente vamos eu, meu marido e meu sobrinho, às vezes, a minha filha também vai.

Na Semana Santa geralmente o mar está bem mansinho, as minhas filhas também vão, porque não tem perigo.


[Quais são as épocas do sururu?]

O único mês que geralmente não dá para ir é agosto, porque é o mês mais bravo e aí não dá para ir, mas hoje em dia está tudo mudado. Antigamente eu saberia te falar com certeza qual era o dia que dava para ir, hoje tem dias que a maré está boa e tem dias que não está. Parece que até o tempo eles mudaram. […] está difícil saber. Às vezes a gente diz: hoje não vai ter maré boa e chega aqui o mar está calminho. Às vezes é o vento que atrapalha muito a ficar em cima da pedra, o barco pode ir para muito longe, arrastar, então, quando está ventando muito não dá apara ir, mas hoje não tem como dizer se vai dar ou não para ir, tem que ficar de olho no tempo e na meteorologia para saber.

Quando se chega em terra, aqui mesmo se faz o fogo. Vamos nas obras e catamos lenha nas obras […]


[O que se faz com o sururu assim que se chega do mar?]

A primeira coisa que tem que fazer é tirar do barco e trazer para a sombra, porque não pode deixar ele no sol. Então, a primeira coisa que tem que fazer é tirar os sacos (de estopa ou nas caixas) de sururus do barco (nas costas) trazer e colocar em cima da lona no chão na sombra e colocar o sururu em cima da lona, fazer o fogo e aqui mesmo cozinhar. A gente cata lenha nas obras. A gente cozinha e vai descascando aqui mesmo, às vezes tem aqui umas seis pessoas, ou até mais, trabalhando com a gente, tipo uma cooperativa.

[E como é? Tem que separar? Tem aqueles que não estão bons?]

Geralmente todos que vem da ilha estão bons, a gente cozinha e automaticamente quando ele está fervendo ele abre. O sururu é uma conchinha, ela vem fechada, lacrada, se você quebrar, estraga. Tem que cozinhar e automaticamente sozinha ela já abre e se tira o que tem dentro. Tem gente que quer um, dois quilos, geralmente estamos vendendo a R$ 20,00 o quilo, que pesa aqui na hora.  Tem pessoas que querem somente comprar uma penca para comer como tira gosto, e se vende por R$ 2,00, R$ 5,00.


[E a fogueira?]

A fogueira é para cozinhar o sururu, tem que cozinhar o sururu e se não estiver cozido o pessoal diz que não é fresco. Aqui tem pessoas que compram o sururu lá em Vitória para revenderem, mas aí tem que vir congelado porque senão estraga. Quando a pessoa vê congelado diz que não é de hoje, que não é fresquinho, você viu o moço falar agora – vou esperar você ir lá, pegar e cozinhar. O pessoal quer ver isso, isso aqui é uma coisa que não pode acabar.


[Como se faz para ascender a fogueira?]

A gente pega duas pedras, põe em um cantinho, coloca a madeira e ascende. Eu tenho um caldeirão de alumínio que fica em casa guardado. Ou então a gente pega aquelas latas grandes de manteiga que tem nas padarias, tipo aquelas de tinta, limpa, lava em casa direitinho e traz para cozinhar. Quando a gente tira sururu, a gente fica o dia inteiro […] Na Semana Santa, que é em abril, vem pessoas de todos os lugares para comprar, é a época que mais vende.


[Desde quando você pesca nesse ponto de Itapuã?]

Praticamente, desde os 12 anos de idade.  Aqui foi passando de um para o outro. Antes era meu tio e depois eu. […] Sempre pesquei nesse ponto.


[Quais são suas lembranças daqui de Itapuã?]

Já foi uma época muito boa, agora é que a situação está meio ruim, meio complicada, mas já teve uma época muito boa.

[Como vocês ficam na praia?]

Nós ficamos sentados de olho para o mar. Quando o cardume aparece nós pegamos o barquinho e saímos em cima dele para tentar pegar, e tem que ser na mesma hora, a água mexeu tem que sair correndo.


[O que foi que os meninos avistaram lá?]

Eu acho que avistaram um cardume de chicharro.


[Quem foi para o mar?]

Foi meu sobrinho e meu primo. Foram com meu barco.

[Os dois foram e o que você fica fazendo aqui?]

Enquanto eles estão lá fico segurando a corda, porque se ele jogar a rede, se o cardume vier mais para perto, eu tenho que puxar a corda até chegar a rede, e é assim o tempo todo. Se estiver comendo tem que largar a comida, largar tudo e sair correndo. Vida de pescador é assim, é gostosa, é trabalhosa, mas é boa.

[Se seu sobrinho não estivesse aqui você que iria no barco?]

Não, porque teria que ter outra pessoa para ir comigo. Se eu estivesse sozinha não teria como. A rede tem que ser em dois, sozinho não dá. Tem que ser duas pessoas, uma para remar e outra para jogar a rede, não dá para esperar, senão perde o cardume.

[Eles já jogaram a rede?]

Não, ainda não. Estão esperando porque o cardume apareceu aqui e sumiu, foi embora. Aí tem que ficar um tempinho para ver se vai aparecer de novo ou o que vai acontecer.

[Quanto tempo vão ficar?]

Ficam ali uma meia hora, mais ou menos, e se não aparecer nada eles voltam para a terra de novo. Se aparecer, eles cercam e jogam a rede, se não aparecer nada, eles voltam e esperam.

[Quem está lá agora?]

Meu sobrinho e um primo, um tem 17 e o outro 19.


[Todos os dias que você vem você trás seus sobrinhos e sua neta?]

Não, geralmente trago minha neta [dois anos de idade], porque a mãe dela tem que ir trabalhar e ela fica comigo. Ela não entra no barco comigo porque é perigoso. Se eu tiver que ir no barco ela fica aqui com a minha outra sobrinha, que toma conta, ela só fica em terra.

[E quais são as outras lembranças que você tem daqui?]

Eu tenho uma lembrança daqui muito boa, porque isso aqui já foi muito farto. Eu acredito que se as autoridades fizerem alguma coisa […] eu espero que antes de morrer possa ver como era antes. Gostaria muito que minha neta e minha filha de 15 anos que não chegaram a pegar essa época […] Porque a gente está sempre contando como era, quando a gente saía, nunca era perdido o cardume. Eu acredito que eu ainda vá viver muito e peço a Deus para que os governantes façam alguma coisa para voltar a ser como era antes. Isso aqui é muito bom de viver e trabalhar. Tirar o pão de cada dia honestamente daqui, com nosso suor, com nosso trabalho é uma coisa muito boa, sem precisar fazer nada de errado, sem estar prejudicando ninguém, foi Deus que nos deu isso aqui para nós trabalharmos. Quando esse mar está cheio de peixe, que joga a rede e pega os cardumes é muito bom, não tem nem explicação o que nós sentimos quando pegamos um barco cheio de peixe. Não só visualizando o dinheiro, é muito importante o dinheiro porque a gente vai ganhar com a venda do peixe, mas também é prazeroso, é gostoso saber que a gente está fazendo uma coisa com o nosso próprio suor. Criei minhas filhas […]


[Interrupção para a puxada.]

Está vendo o cardume de peixe? Você viu o peixe pular? É o cardume que está pulando. É chicharro!


[O que eles estão fazendo agora?]

Agora eles estão cercando, porque agora eles estão vendo o peixe e jogando a rede. Isso é uma coisa muito bonita. Você está na praia com lazer, trabalhando, tirando seu sustento. Não tem nada melhor do que isso. […] Às vezes as minhas filhas vem, meu marido e junta todo mundo aqui. Daqui tiramos nosso sustento. […]

[Deu para cansar Marlucia?]

Deu um pouco, mas graças a Deus pegamos uns peixinhos, chicharro e bonito. É isso que está faltando vir, mas se Deus quiser vai começar a aparecer de novo.

[E agora o que você vai fazer?]

Agora, põe na banca e vende, vamos oferecendo aos fregueses e vamos vendendo.

[O que vocês pegaram?]

Bonito e chicharro. Esse mais escuro é o bonito, ele é bonito no tamanho e o nome dele é bonito mesmo. No alto mar eles chamam de atum, é o famoso atum, e esse aqui é o chicharro, bom para fazer moqueca e fritar.

Agora tem esperar para trazer a bicicleta para levar para a barraca, porque lá tem balança, tem sacola e fica mais fácil para vender.

[E comum nesse horário de 12h pegar peixe?]

É o que falei, no verão não tem horário, estamos aqui desde as 5:30h da manhã e olha o horário que fomos conseguir pegar, no verão não tem horário. Na hora em que Deus abençoa, o peixe aparece.

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