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M.C., jornalista, escritor, produtor cultural

68 anos, jornalista, escritor, produtor cultural, carioca, reside desde os sete anos em Vitória, e mora atualmente em Mata da Praia. (30.08.2005)

– Vitória sempre valerá a pena viver nela porque é uma ilha e uma ilha tem ventos redondos; você fala aqui agora e depois você tem a repercussão do que você falou, por causa do vento. É uma cidade pequena, intimista, onde você tem a oportunidade de ser o outro, você se encontrar, na praça, na rua, e andar em círculos. Vitória é uma cidade muito delicada e deveria ser tratada assim, com delicadeza, pelo serviço público, pelos seus habitantes, por todo mundo. Hoje ela está sendo tratada com pouca imaginação e com imaginação Vitória seria uma cidade extremamente interessante, originalíssima, e até pra compor um interesse mundial, por causa de suas praias, de sua estética física. Você olhando de avião, a ilha, seu entorno, você tem uma ideia de Rio de Janeiro, um Rio menor, tem características parecidas, nosso Pão de Açúcar é o Penedo, mas é uma cidade de características próprias e o povo de Vitória como todo ilhéu tem suas características próprias principalmente baseadas na ironia, na safadeza pessoal, safadeza no bom sentido, no humor, na brincadeira, no querer não querer querendo… Vitória é uma cidade muito agradável, pelo vento, o vento sul de Carmélia, o nordeste, pelas características geográficas, mas ela está sendo mal tratada porque está sendo mal urbanizada. Na Cidade Alta os prédios não deveriam ter mais de dois andares, mas agora têm dez, doze andares; a ilha ficou tão alta que daqui a pouco chega ao céu. O Centro, como toda cidade antiga, perdeu o sentido – ele hoje é um ponto referencial comercial, limitado ao horário de fechamento bancário, e residencial, é um lugar pra se morar, ideal. Eu por exemplo gosto pessoalmente mais do Centro do que de outro referencial da cidade; é meu lugar preferido. Os administradores estão fazendo pequenas coisas, uma limpezinha… Esse negócio de pintar prédio, não adianta você pintar o prédio se você não tem restaurante, bar. A pessoa sai de um show vai pro bar beber, vai pro restaurante, tem que ter uma coisa e outra. Como é que você estimula isso? Deixando de cobrar impostos exorbitantes, liberar certas fiscalizações, liberar o artista na rua, que anima a cidade, e o governo dar a instrumentação pra que ele possa trabalhar, a biblioteca, o teatro, o cinema.

– O Teatro Carlos Gomes continua mal administrado, mal utilizado e tecnicamente o teatro está mal dirigido. Nas tantas reformas que fizeram no teatro, por exemplo, tiraram as cortinas, que são importantes pro sistema sonoro, pra acústica, não são só pra enfeitar… Os banheiros, os pianos estão mal conservados. Só se pinta por fora, aquela coisa de se pintar por fora pra fazer uma camada de sorvete Kibon. O Carlos Gomes tem essa deficiência de administração. O administrador tinha que ser um técnico de teatro, conhecedor de teatro, não o teatro de palco, mas teatro administração. Você tem a Galeria Homero Massena que está em condições, digamos ótimas, de utilização. Você tem o Museu de Arte do Espírito Santo que realmente foi uma conquista pra cidade. Tem a FAFI que está bem recuperada. Tem muitas coisas interessantes. Agora falta iniciativa de uso das escadarias, como já se utilizou dos becos, dos passeios, dos bares. Um lugar, por exemplo, onde funcionou o Bar Britz, tinha que ser tombado. Aquilo ali é uma fatia da alma da cidade, que foi esquecida, foi jogada fora.

– O capixaba não conhece o capixaba, não conhece Vitória. Quem conhece a ilha das Caieiras? O morro das torres de televisão? Raríssimas pessoas têm informações decentes sobre Vitória. Tem os terrenos de marinha. É uma coisa ridícula pagar terreno de marinha. Esses terrenos não pertencem à Marinha, pertencem às capitanias hereditárias, de mil quinhentos e pouco… Teria que pagar a essas figuras antigas. O capixaba faz confusões das mais diversas, às vezes me telefonam, estudante claro, querendo entrevista porque sou autor daquela frase “Esta ilha é uma delícia”, aí eu tenho que explicar que é de Carmélia Maria de Souza; a minha é “Viver é ver Vitória”, que nasceram mais ou menos na mesma época, no final dos anos 60.

– O capixaba é muito acanhado a respeito de elogios a si próprio, a ele pessoa, aos amigos, melhor, ele desdenha, ele ironiza, com raras exceções, é claro; há pessoas intocáveis no Espírito Santo que ninguém poderia falar uma palavra contra, como é o caso do saudoso professor Renato Pacheco, Guilherme Santos Neves, Adelfo Poli Monjardim, mas são estátuas, estão edificadas. Eu não sofro muito esse problema, como jornalista, criador em literatura, como criador em artes plásticas, criador em rádio, com as coisas que eu faço. Mas essa coisa dizem que é em função da proximidade com o Rio de Janeiro, com Minas – dizem que é complexo de inferioridade, porque falam muito do Rio, de Salvador e se fala pouco daqui, em termos financeiros, em paisagens, em produção cultural, mas o capixaba deveria aproveitar essa condição de estar ilhado por tão poderosos estados e deveria tirar disso lições, tirar disso inclusive o seu ganha-pão de prestígio. Assim como o baiano chega aqui com seu forró, o carioca com seu samba, o mineiro chega aqui com a sua conversa, o capixaba deveria ir ao Rio de Janeiro, ir a São Paulo, a Salvador, e levar o que o capixaba sabe fazer: sabe fazer uma boa comida, tem uma ótima música, tem talento, tem versatilidade, sabe contar uma piada, ninguém sabe contar uma piada como um capixaba. Um dos raros capixabas que elogiam o estado é o Rubem Braga. O Menescal não fala de jeito nenhum, Nara Leão desconhecia, Maísa gostou uma época e depois desgostou. Roberto Carlos, por exemplo, não fala no Espírito Santo nem pedindo a Deus. Há uma curiosidade como Carlos Nejar que veio morar aqui, elogiava Vitória, o Jorginho Guinle, o filho pintor, que me chamou a atenção pra luz solar de Vitória, uma luz notável, diferente, e que foi mais uma qualidade de Vitória que passei a observar, que me chamou a atenção. São pessoas de fora. E o capixaba não apóia o capixaba. Você vê, grava-se um disco e as rádios locais não rodam esse disco.

– Não vejo turistas em Vitória e se houvesse não teriam o que fazer. Proporcionalmente, a vida noturna nos anos 50 foi mais dinâmica; hoje ela é muito mutável, falta um pouco de imaginação. Os bares, os restaurantes, eles não querem investir, investir no artista e fazer um Projeto Moqueca, que foi um projeto que deu certo aqui nos anos 70 que consistia em trazer um artista de fora e colocar junto do artista local. Acham caro trazer gente de fora; preferem pouca gente cobrando caro a investir. Vitória tem um ditado terrível: a cidade que já teve, teve isso, teve aquilo. Os restaurantes de Vitória são caros. Curiosos são os garçons de Vitória, que têm sempre uma intimidade com os fregueses, batem nas costas, não importa quem sejam, dão opinião e opinam até sobre a comida, quer dizer, falam mal da comida. O custo [de vida] de Vitória é caro. O capixaba paga muito caro pra ser feliz e até pra não ser feliz. Pra comer, pra sair à noite. O táxi é outra coisa que vandaliza o turismo. Comentei outro dia sobre o preço da corrida e ele disse que tinham que cobrar mais caro, pois a cidade não tinha nada a oferecer e tinham que cobrar caro pra ganhar. Ele fala mal da cidade. Ora, a cidade não tem movimento porque também as coisas são caras. Os shows são caros. A diversão é pra quem tem dinheiro rápido. Veja a programação da Secretaria de Cultura. Tem muito debate. Pra que debater cultura? Cultura faz-se…

– O capixaba gosta muito de bife, arroz, feijão e batatinha frita, daí o sucesso do McDonald’s. O capixaba come pouco peixe Você vê o peixe, por exemplo, é caríssimo. O Brasil é um país com uma costa enorme e Vitória com seu mar pouco aproveita. O esporte, por exemplo, o mais valorizado deveria ser o remo, pela sua tradição, sua estética na baía de Vitória, mas o capixaba não sabe usar o esporte no mar. A procissão marítima de São Pedro, por exemplo, é uma das coisas mais bonitas, ainda que não seja original O nosso mar está muito sujo. Temos um depósito do lixo dos navios. Hoje o vôlei de praia sobressai-se, congrega muita gente e ali você se diverte duplamente, admira a praia e o jogo.

– A cidade tem mais mulher que homem e muito idoso e dentro de pouco tempo os idosos serão uma maioria trabalhosa pro serviço público. Pra terceira idade não se oferece nada, nada. Vitória não dá a mínima importância à terceira idade, aliás, dá pouca importância também à criança. O deficiente então está esquecido, não há rampas, transportes, programas, tem a brutalização do trânsito. Nós temos uma cidade feita pros carros e não pro cidadão. Há inclusive poucos pedestres a não ser em Camburi, por interesses de saúde.

– O nível do comércio de Vitória, pra mulher, tem o nível da sofisticação carioca, sofisticação libertária, exibir as pernas, os seios, os ombros, algo saudável. O homem capixaba já não é tão elegante como a mulher, tão exigente, é mais despojado, uma calça jeans, camisa esporte, não que tivesse que ser rígido, mas isso talvez desse um pouco à cidade mais qualidade inclusive compreender que não deve ir a um casamento de manga de camisa, destruindo a estética de uma festa. O homem capixaba não dá importância a essas coisas, acha uma bobagem, coisa de veado; se você gosta de um bom lenço de seda no paletó, é coisa de veado. Por isso é que no Shopping Vitória, que é uma cidade, as lojas femininas são em número muito maior, claro, elas compram mais, mas a masculinas têm um padrão único, não existe o novo. Eles não investem. Tem loja em Vitória, como a da Maria Helena Nasser Bonino [Pacheco], que existe há mais de 30 anos e ela tá sempre lançando coisas novas e boas. No nosso comércio há poucos produtos culturais. Somos prisioneiros de uma única loja de discos. A novidade recente são duas livrarias no Shopping Vitória que acrescentaram seções de discos.

– O trânsito em Vitória é caótico. Ele só melhoraria se tivesse um administrador com absoluta coragem de reduzir o número de carros que andam na cidade e de reimplantar na Avenida Jerônimo Monteiro a divisão da rua pelos postes antigos. Seria uma forma de dificultar o indivíduo sair de casa e [fazê-lo] utilizar o ônibus, o seletivo. Pra que se colocou o seletivo em Vitória, esses pequenos ônibus que são muito úteis? Eu utilizo bastante. O serviço é bom. E os ônibus pro povo deveriam ser maiores e com ar refrigerado. O gargalo do trânsito é muito carro na rua. Essa nova avenida do aeroporto deverá pesar mais o trânsito. O erro é antigo, Vitória é passagem. Ninguém vem ficar em Vitória, seja o turista, o caminhoneiro. E o capixaba é péssimo motorista, não sabe ultrapassar, aliás, ouço isso de muita gente de fora.

– O nosso aeroporto atual é antigo, uma combinação de arranjos, parece mais um serviço inferior. Talvez o do futuro melhore. A rodoviária está envelhecida e abandonada. É uma pena, ali tem a Ponte Florentino Avidos. Florentino Avidos desenhou o cartão postal de Vitória. A ponte está abandonada, ninguém quer assumir. Nossa cidade é muito bonita, mas ela não é bem tratada. A cidade é mal sinalizada, a numeração das ruas é um caos e falta também o nome das ruas. Vitória tem monumentos ridículos, como aquela sombrinha de cabeça pra baixo perto do Centro da Praia. Aquele papa na Beira Mar e o Getúlio que estão de costas pra cidade… Tem a Praça do Papa que não tem nada a ver com Vitória, uma homenagem religiosa onde se realizam festas profanas. Pra mim a cara de Vitória é as Cinco Pontes. A festa de Vitória é a procissão de São Pedro, bem representativa.

– Não merecemos o título de cidade violenta. A violência que vejo nas ruas são idosos e crianças pedindo esmolas, essa que é pior. Eu já fui até assaltado na minha casa com uma pessoa com revólver nas minhas costas. Nossa polícia é pouca e despreparada. Faltam carros, informatização, vejo pouca polícia nas ruas. Quanto a prontos-socorros, maternidades, estamos mal, vem muita gente do interior, estamos despreparados. Temos também prostituição nas ruas, de dia, de noite. A região do Parque Moscoso, a Beira Mar, no Triângulo das Bermudas, onde tem muita pobreza infiltrada.

– O capixaba é mais espontâneo na rua do que em casa. Observei isso entre amigos, em casa eles são mais fechados.

– Estamos com muitas estações de rádio. Temos boas rádios, mas muitas com muito lixo estrangeiro, mas nenhuma tem a cara de Vitória, tem algumas coisas de Vitória. A televisão está estrangeirada. O regional não tem espaço. A informação é passional, paternalista, os repórteres entrevistam mal. Temos duas televisões: os estudantes estão fazendo muito TV, coisa saudável, mas deficiente, e a profissional está interessada no mundo e não na sua cidade, na rua do cidadão, no seu bairro… Ela está preocupada com o furacão lá no “Chegenistão”, mas não está preocupada com o buraco da sua rua. Há pouco enfoque na coisa local.  Por exemplo, o novo aeroporto… Todo mundo acha que vai ser uma maravilha, que vai trazer mais carga, mais dinheiro, mais passageiros, mais movimento comercial… O fato é que estão todos muito felizes, mas na verdade ninguém se reuniu pra discutir os problemas que o novo aeroporto vai trazer. No momento, no mundo inteiro, há um trabalho pra que se evite colocar aeroportos perto de regiões urbanas, até pra evitar acidentes em zona urbana, mas…

– O capixaba tem vergonha de se organizar. Vejo no meu bairro onde a Prefeitura convocou os moradores pra discutir instalação de comércio e mudança de PDU, e nós não queremos, e apenas um quinto dos moradores vai às reuniões. Quanto mais rico, quanto mais poder patrimonial, mais afastado ele fica das reuniões públicas, daquilo que é seu interesse, proteção do seu próprio patrimônio. Poucos se interessam com os problemas de seu interesse, limpeza, trânsito, segurança. O capixaba também não gosta de opinar, se você pergunta a ele se prefere o verde ou o azul, ele responde que as duas são bonitas. Ele é pouco solícito e pouco solidário.

– O Vital está no lugar errado. Acho que ele deveria estar no Tancredão, que foi criado pra isso, e não parar uma avenida importante da cidade e impedir que os moradores saiam de casa. O errado do Vital é o local, ainda que o Vital traga com ele um problema de saúde, que é a poluição sonora, e isso não é combatido e esclarecido pelas autoridades.

– Nós temos talentos em Vitória. Temos um médico, o Kamel Moisés, mas falta uma homenagem, o reconhecimento, não se dá valor, e outros. Talento artístico, por exemplo, temos duas celebridades, a Viviane Mosé e a Elisa Lucinda. O César Huapaya, um grande talento do teatro, o Pedro Alcântara, grande músico que deveria estar nos EUA, o Hilal Sami Hilal nas artes plásticas, o Renato Pacheco, o Francisco Aurélio Ribeiro, o José Augusto de Carvalho, Reinaldo Santos Neves e Ivan Borgo, na literatura. Quanto ao Reinaldo, considero aquele livro dele, Sueli, uma reportagem viva perfeita, ainda que o considere uma invasão de privacidade, mas se você está andando na rua, você é personagem de qualquer literatura. Aliás, o capixaba lê pouco e mal. No esporte, a Neymara, que sabe tirar proveito da carreira.

– Nossa indústria cultural é muito pobre. Não temos editoras, não temos distribuidor… Eu tenho ali mil livros e não tenho quem venda esses livros pra mim, preste conta e pague. O autor tem que sair com o livro debaixo do braço bancando tudo. A literatura no Brasil, que atinge Vitória, tem um defeito que não se vai consertar: não se faz livro popular, com papel-jornal, livro comum, a preço acessível.

– Vitória é uma cidade muito propensa à futilidade. A cidade é pequena, as pessoas são críticas e irônicas, então a prática da futilidade é uma das mais conceituadas em Vitória. Somos uma província e continuaremos assim. Tenho notado muita gente de fora morando aqui. Um exemplo: há uns anos atrás eu entrava no Carlos Gomes, qualquer espetáculo, eu olhava e conhecia todas as pessoas. Hoje eu vou a um lugar e não vejo ninguém, por exemplo, ali no Triângulo das Bermudas, conheço o Luiz Paixão, alguém no Jazz Café, e vejo que a cidade está diferente. Aí você vê uma coisa curiosa: ao invés do pessoal influenciar os locais, elas é que estão se influenciando pelo pessoal de Vitória. Elas gostam daqui porque estão em busca de calma e tranquilidade, ficam felizes. Entre estrangeiros vejo muito alemão morando aqui e também o asiático, além de muito paulista e gaúcho. Eles alegam a vida de pouco estresse por aqui. Mas isso pode se perder se as autoridades não tomarem providências. E a tendência de Vitória é se verticalizar.

– Eu gostaria que a cidade se chamasse, se escrevesse, Victoria. Se fosse uma menina, eu diria, estude, viaje, aprenda, volte e dê à cidade o que ela espera de você como cidadã.

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