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M.J.G.Y., escultora

64 anos, escultora, nasceu na antiga Praia Comprida, indo residir na Flórida, EUA, em 1975. Desde então visita ocasionalmente a família em Vitória e atualmente encontra-se há oito meses hospedada em Jardim da Penha. (02.08.2005)

– Não deixo de vir à Vitória, pois meus irmãos, parentes, estão aqui. Meu marido, americano, que já morou aqui e até tinha uma escola de inglês, não volta há oito anos. Ele desistiu, tem medo. Motivo? A insegurança. Mas Vitória continua magnífica, a parte física, de qualquer ponto que você a olha principalmente da praia. Espero que ninguém destrua isso. A parte do Convento, mesmo sendo Vila-Velha, é incrível, continua a mesma. As ilhas, do Boi, do Frade são lindas e até mesmo a das Caieiras, que agora melhorou muito. Agora, o centro de Vitória, piorou muito, tá muito feio, mal conservado, perigoso. Poxa, aquela Praça Costa Pereira, eu cansava de sentar ali, à tarde, à noite, os colegas… Uma pena.

– O que mais me deixa irritada, a cada ano em que volto, pois sempre voltarei enquanto tiver parentes por aqui, é que a cada ano eu me sinto cada vez mais acuada. Lá onde moro, como qualquer uma que more em qualquer parte dos EUA, ou até mesmo na Europa, você tá em casa, e de repente precisa de alguma coisa, você pega seu carro e sai sem aquela preocupação de subir o vidro, ser perseguida, levar um tiro… Você aqui já sai de casa com medo. E pra evitar de estar no lugar errado na hora errada, eu prefiro cortar um pouco minha liberdade aqui. Eu só saio acompanhada. Aqui eu nunca vi polícia na rua. A única coisa que eu vi foi carro de polícia passando correndo, com a sirene ligada, na certa pra atender algum chamado. Vejo muita polícia na TV, dando declaração. O sogro de minha filha sempre desejou conhecer o Brasil, Vitória, ah, mas eu sempre to tirando isso da cabeça deles. Já pensou dois gringos na rua aqui, soltos? Eu não vou deixar. É muito chato isso.

– Na rua vejo gente no ponto de ônibus, nunca vi assalto, pois não procuro isso, mas outro dia em que fui ao shopping havia um ônibus parado cheio de gente ao redor: o ônibus tinha acabado de ser assaltado. Notei que as pessoas na rua estão parecendo mais pobres; fácil de notar no aspecto físico, parece que elas estão encolhendo, sei lá, a população em geral, que dá duro todo o dia, não tem mais aquele brilho que tinha quando eu era jovem e morava em Vitória. Aparentemente estão mais sofridas. Não é só aqui não. Senti isso também em Curitiba e lá a coisa é mais dividida: de um lado rico, de outro pobre. Apesar dos pesares eu acho que Jardim da Penha é um bairro bom porque não vejo muita confusão, diferente de outros bairros. Ah eu tenho visto muita igreja espalhada por aqui. Mas lá nos EUA também é assim, tem um monte de igreja, cada uma na sua religião, é comum.

– Aqui no bairro acho que é aqui é o único lugar em que o motorista pára quando o pedestre atravessa a faixa. Mas eu sou streetwise e não confio muito não. Ando mais de carro por aqui e noto que os homens são muito afoitos no trânsito e as mulheres são motoristas mais contidas. Agora, aquela Avenida Nossa Senhora da Penha, nossa senhora mesmo. Como é que eles vão fazer? Como vai ser quando a Petrobrás for pra lá. Já tá difícil. Só se partir pra fazer viaduto. Agora, Jardim da Penha, é uma loucura pra você andar por causa de seu traçado. Pegaram um terreno limpo e ao invés de se fazer um traçado em linhas retas, não. Fizeram um monte de círculos que não tem um que não se perca aqui. O engenheiro devia tá meio bebum quando ele fez isso, não tava bom da cabeça. É coisa que parece ter sido mal copiada da Europa, dos franceses, onde eles têm aquelas praças de onde saem as ruas. Mas aqui, é um labirinto.

– Sabe que eu nunca notei turista por aqui, só se eles vão pra outros lugares tipo Guarapari, Domingos Martins… Ônibus de turista nunca vi. Já vi muito ônibus de igreja evangélica. Mas pro turista aqui é bom porque é barato. E o aeroporto tá de bom tamanho. O centro da cidade era pra ter sido conservado, aquele casario antigo. Cortaram muita árvore. Era pra ser um tipo assim como lá no nordeste, preservado.  Outro dia passei na Rua Duque de Caxias e vi que não deixaram aquelas pedras, asfaltaram tudo, uma barbaridade. Mas temos as praças novas agora, a dos Namorados, uma beleza de jardim, o aterro, a Enseada do Suá, né? Tem o shopping, enorme, mas é popular, não é um shopping assim muito diversificado, grande, mas comum. Em Curitiba tem shopping que dá um banho nesse.

– Eu sempre trabalhei com escultura e nunca senti que houvesse um mercado de arte em Vitória. O capixaba não é chegado a essas coisas. Capixaba de um modo geral gosta é mesmo de tomar cerveja, gosta de festa, de ir à praia, jogar conversa fora. O pessoal reclama da vida, da falta de dinheiro, mas você sai qualquer dia da semana, tá todo mundo tomando cerveja. De onde eles tiram dinheiro?

– O povo aqui não se mete muito nos costumes dos outros, é tipo viva e deixe viver. Racismo sempre tem, sempre teve como no Brasil num todo. Povo quieto. Mas é um povo comunicativo. E sabe que não vejo nenhuma festa popular que seja a cara da cidade, a não ser a Festa da Penha, que é de Vila Velha.

– O custo de vida em Vitória é bem barato, comparado até com outros lugares do Brasil. E temos até bons supermercados. O Wall Mart é o mesmo, a mesma organização como os dos EUA. Nada a queixar. A moqueca que é o prato do capixaba. Eu como toda semana. Mas não é barato não, não sei se o povo come peixe não. Comprei ontem 2 quilos de dentão, 22 reais, não rende muito, dá pra um dia só, não rende. Também tem a torta capixaba da semana santa; cara, muito cara.

– O que eu ouço falar de educação (tenho um irmão diretor de escola) e também pela minha intuição, acho que do jeito que as coisas andam neste país, cada vez mais as pessoas pobres tem menos chance de irem pra uma boa escola. A parte de saúde então, péssima. Quem não tiver dinheiro pra um plano de saúde, passa dificuldade. Veja, minha secretária chegou aqui mês passado com uma inflamação que dá nos nervos da sola do pé, quase não andava e nós pedimos que ela procurasse um médico. Procurar ela já havia procurado só que a consulta tinha sido marcado pra um mês depois. Como é que pode? Não fosse um médico amigo nosso pra marcar uma consulta no SUS mais rápido, sei não. E os preços dos remédios estão altíssimos. Do jeito que as coisas vão, vai ser o caos daqui a uns cinco anos. E como os políticos roubam. Quem acredita mais neles? Tem que tampar esses buracos, da educação, saúde, segurança. E as pessoas entram no crime porque não têm de onde tirar dinheiro, do trabalho normal.

– Eu acho que Vitória nem podia ser mais a capital. Aqui é uma ilha e não tem pra onde crescer. A cidade está sufocada, espremida entre a montanha e o mar e como eles não conservaram a cidade, sempre crescendo pra cima, sei lá. Não vejo solução, a não ser que eles comecem a fazer viadutos, viadutos pra tudo que é lado. Vitória é um ovinho. Como não tem conservação, tudo parece que está caindo. E estão cortando muita árvore, onde tinha não tem mais. E o monte de fio nos postes pendurados? Parece que a gente tá no século XIX ainda.

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