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Nome de rua

I

O Papa Paulo VI reformulando o calendário dos santos exclui trinta e tantos nomes venerandos da liturgia católica. Não foi expurgo à moda russa nem cassação, remédio democrático contra os corruptos. Foi simples revisão. A Igreja nada mais fez do que se acautelar contra possíveis dúvidas suscitadas pelos exegetas evolucionistas. Em última análise, aposentadoria respeitosa. Foi sábia, foi prudente a medida adotada por Sua Santidade? Justa, é claro, e prudentíssima. Não cassou e não expurgou, apenas suprimiu das festividades oficiais, nomes e certas criaturas cujas vidas pertencem mais à legenda do que à realidade.

II

Ato paralelo sugerimos ao ilustre governador da cidade: REVER O NOME DAS RUAS. O jornalista Edgard Castro, em A Gazeta de 27 de abril, feriu o assunto com a síntese estilística que o caracteriza. Não sei qual a repercussão alcançada no nosso meio social pelo esplêndido artigo. Venho manifestar meu incondicional apoio à tese e juntar algumas considerandas.

III

Até 1900, Vitória conservou sua pitoresca fisionomia da época dos capitães-mores. Cidade torta, sem lógica, sem higiene, pendurada no morro do “Colégio Fonte Grande”, para o “Campinho”. Ruelas, ladeiras e o casario seguindo a borda da baía, desde o morro da Santa Casa, até a chácara do Barão, na Capixaba. As ruas tinham nomes. Poucas placas e numeração escassa. Toda a população se conhecia. Ausência de placas e número não embaraçaram a ninguém e os bairros se originaram das chácaras ou sítios e guardaram seus nomes primitivos. Ilha das Caieiras, Nhanguetá, Santo Antônio, Caratoíra, Vila Rubim, Caes Schimit, Santa Clara, Vila Moscoso, São Francisco, Chácara da Piedade, Várzea, Chácara do Moniz, do Barão ou capixaba, Forte São João, Romão, Jucutuquara, Fradinhos, Maruípe, Mulembá, Bomba, Passagem, Praia Comprida, Praia do Suá, Monte Belo, (Ilha do Wetzel), Ilha do Príncipe. Nem todos estes locais eram propriamente bairros. Na maioria eram habitados por uma só família.

Depois de 1930, por descuido da Prefeitura, que não legislou a respeito, esses sítios se povoaram a esmo e se subdividiram numa infinidade de nomes que nada significam e nada dizem. Os capixabas não reagiram aos INVASORES e as tradições foram se apagando. Mas quando a nomenclatura das ruas… Os prefeitos de Octávio Peixoto a Américo Monjardim (1924-1944) observaram certa ética. Procuraram na história, na geografia, nas letras, no magistério, nomes dignos, incontestáveis de cidadãos terranteses, como diria Afonso Lírio. Os acidentes geográficos do território espírito-santense, os municípios do Estado, tudo em fim, que fosse presença constante de nós mesmos na nossa cidade principal. E surgiram os catequistas José de Anchieta, Afonso Braz, Braz Lourenço, Manuel da Nóbrega, os frades Antônio dos Mártires, Antônio das Chagas. Vasco Coutinho e Duarte de Lemos para recordar os primeiros donatários. Marcos de Azeredo, o bandeirante corajoso da estirpe de Belchior de Azeredo, Nicolau de Abreu, o construtor de fortes, Carvalho Daemon nosso minucioso cronista, Carneiro Duarte comandante de armas e intrépido construtor da estrada para Ouro Preto. Dom Fernando, o bispo da caridade, Arariboia, o índio serrano que ajudou Mem de Sá a expulsar os franceses do Rio de Janeiro, etc. Nestor Gomes, o apaziguador da política, Deoclesiano de Oliveira, Aristides Freire, Amâncio Pereira, os educadores de gerações, Anthero de Almeida, o legislador municipal. Na Praia Comprida adotou-se o conselho de Saturnino de Brito, homenageando-se os municípios do Estado. Não se substituía nomes. Perpetuava-se valores. A Câmara composta de vereadores gratuitos não cortejava eleitores, não pedia empregos. Não tinha empatia de parlamentares.

Mas… A demagogia, essa megera arma da ignorância e dos corruptos, subverteu a ordem natural das coisas. E então veio o dilúvio… e o escrúpulo, o poder e a licença, se transformaram em chacota, bajulação e pantomima de circo de subúrbio. Vereador houve, na década de 1942 a 1960, que substitui nome de três municípios para galardear seu avô, pais e tio. Três anônimos. Foi uma enxurrada de verão. Não vou citar nomes para não ferir susceptibilidades, Mas é bastante que se saiba: padeiros, barbeiros, alfaiates, engenheiros, futebolers, motoristas, quitandeiros, pedreiros, comerciantes, sem a menor expressão, sem que se houvessem celebrizado por qualquer feito notável, sem nenhuma repercussão citadina, ganharam nome em vias públicas.

Francamente, Duque de Caxias, Pedro Palácio, Princesa Isabel, devem estar profundamente encabulados na companhia ridícula de tantos anônimos.

Senhor prefeito: faça uma seleção nobilitante. Casse os apagados e ilumine as esquinas de nossas ruas com nomes que tenham honrado o Espírito Santo.

[DERENZI, Luiz Serafim. Nome de rua. In A Gazeta, 24/06/1969. Reprodução autorizada pela família Avancini Derenzi.]

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Luiz Serafim Derenzi nasceu em Vitória a 20/3/1898 e faleceu no Rio a 29/4/1977. Formado em Engenharia Civil, participou de muitos projetos importantes nessa área em nosso Estado e fora dele. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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