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O capixaba metafísico: Identificação cultural capixaba

Foto: Guilherme Santos Neves, anos 1950.
Foto: Guilherme Santos Neves, anos 1950.

Um dos jogos paralelísticos lógicos paradoxais que nos desafia recebe o nome popular de Identidade Cultural Capixaba. Paradoxos dos mentirosos, como este, convidam a reflexões do tipo “se uma árvore caiu na floresta e ninguém percebeu, ela caiu?” Semelhante proposta é a da busca da Identidade Cultural Capixaba. Não que seja desnecessária — muito pelo contrário. No entanto, está equivocada quanto aos meios empregados e à descrição do objeto de estudo.

I – Por que somos capixabas?

Primeiramente, qual a denotação de “capixaba”? A versão corrente, aceita entre os eruditos, concorda com a idéia de que capixaba significava, primitivamente, no século XVI, a lavoura ou roça que se estendia da atual Rua Barão de Monjardim até a região que hoje se fronteia à Capitania dos Portos. Com o passar do tempo, por uma extensão metonímica, a coisa possuída — a plantação — passou a ser a denominação concedida, primeiro aos seus possuidores, e por fim a todos os habitantes da ilha de Vitória. Posteriormente, talvez porque Vitória seja a sua capital, os naturais de qualquer parte do Espírito Santo passaram a receber esse epíteto.

Mestre Guilherme Santos Neves estudou o assunto, propondo nova teoria, em uma série de quatro artigos, intitulados genericamente de “Por que Somos Capixabas”, publicados em A Gazeta, que pudemos ler em recortes sem data conservados por sua família. Em homenagem eterna, deixamos solar o músico que fará o público vibrar — mais do que se tocássemos a sua luz — com seu estilo manso, bem típico. Certamente, não executaríamos o tema melhor:

Creio que o primeiro a propor essa versão foi o visconde de Beaurepaire Rohan, em seu Dicionário de Vocábulos Brasileiros, onde se pode ler, no verbete Capixaba: ‘Os habitantes da cidade de Vitória têm o apelido de Capixabas por causa de uma fonte que ali existe e donde bebem’ (cfr. edição da Livraria Progresso, Salvador, 1956, p. 72). Aceita essa hipótese o Ten. Cel. Ruy Almeida, professor do Colégio Militar, do Rio: ‘Os filhos da ilha de Vitória, hoje capital do formoso Estado, receberam esse apelido (Capixaba), não diretamente da palavra designativa de RoçaRoçado ou Plantação, mas das fontes de que bebiam água de excelente qualidade e que brotavam entre essas plantações.

Menezes de Oliva, em Você Sabe Por quê…? (Rio de Janeiro, Laemmert, 1962, pp. 91-2), concorda:

(…) Teodoro Sampaio consigna o termo tupi CAPIXABA, como significando a lavoura, a roçada. Certo, para o início das plantações, teriam escolhido sítio em cujo local houvesse uma fonte, indispensável à vida dos seus habitantes e à rega da terra e que ficou sendo conhecida como a FONTE DA CAPIXABA, isto é, a fonte da lavoura, da roçada aberta no seio umbroso da mata. O povo (…) acabou emprestando virtudes miraculosas às águas daquela fonte. Dizia que a criancinha que tomasse o primeiro banho com as águas da FONTE DA CAPIXABA seria rica e feliz. Tanto bastou para que tal prática logo entrasse nos hábitos dos seus moradores. É assim que, assistindo ao banho do recém-nascido, indagavam as comadres, apontando para a água da bacia — é CAPIXABA? No caso afirmativo estariam asseguradas ao bebê, pela existência em fora, felicidade e fortuna. Opulento e venturoso também seria todo aquele que, mesmo tendo nascido longe da FONTE DA CAPIXABA, pudesse misturar às águas do primeiro banho um pouco do precioso líquido, que dali lhe houvesse sido enviado por algum parente ou amigo dedicado. Dest’arte, com o decorrer do tempo, o nome da fonte veio a determinar, por distensão, os que tivessem nascido perto ou distante da CAPIXABA.

Com elegância, Mestre Guilherme, no quarto artigo da série, informa que não encontrou, na literatura disponível, outras referências às forças prodigiosas da Fonte da Capixaba além da efetuada por Menezes de Oliva. Entretanto, segundo ele,

(…) a tradição popular tem dado às águas daCapixaba, pelo menos, o dom de prender aqui em Vitória quem delas bebe, feitiço amorável que o povo atribui a certas águas privilegiadas. (…) Além desse poder de fixação à terra, as águas da Capixaba (…) são ótimas para quem sofre dos rins, além de possuírem outras virtudes terapêuticas. A Fonte lá está ainda (graças a Deus), mal resguardada por uma fachada tosca, em cujo gasto reboco se pode ler uma data: 13 de novembro de 187… (1871, 1873, 1878?), certamente para marcar a época da construção.

O texto de Santos Neves — que transcrevemos pelo seu valor histórico — permite que diferenciemos entre a Fonte da Capixaba e o Chafariz da Capixaba, este último situado junto à atual Rua Barão de Monjardim:

Mais embaixo, cinco metros talvez, a água clara e cantante escorre dum caco de telha — é a Bica — e desce para os escaninhos do Morro.
Cá embaixo, ao lado da antiga escadaria Cristóvão Colombo, levanta-se, com imponência inválida, o Chafariz da Capixaba (1828, reconstrução 1840) com suas torneiras quebradas e… secas, a testificar o proverbial desinteresse dos poderes públicos, o seu eterno descaso pelas mais caras tradições de nossa gente.

Mestre Guilherme conclui, então, seu pensamento: “Da Fonte da Capixaba é que fluiu, além da boa, cristalina e saborosa água, o nome com que se batizaram todos os que nasceram (e nascerão) nas terras do Espírito Santo.”

Estes ensaios foram a pedra-de-toque de parte do nosso poema Monofonia a Vitória (+ 1551 – 1981), incluído, na íntegra, em apêndice:

(Eis que alguns pedaços do Penedo dinamitado,
Cansados de beber a água salgada, podre e oleosa
pela qual o Penedo é banhado,
Foram beber água doce no que resta da Fonte da Capixaba,
Fonte de onde jorrou água e de onde jorrou o nome “capixaba”,
Mas, se fonte e água ainda existem, as torneiras estão arrebentadas,
E é raiva que o Penedo bebe com a força com que bebia o mar
até a maré baixar. E diz o Penedo:
“Rua Barão de Monjardim, rua da Fonte da Capixaba, fica com a rua
e me dá o barão, que hoje não tem mais água, não;
Me dá um barão que suba pelo Morro do Vigia,
De onde desce, em aqueduto de telhas, a Fonte da Capixaba;
Me dá um barão que suba pelo morro que eu via
e que veja o calçamento pé-de-moleque feito pela gente escravizada;

Me dá um barão que aprecie as árvores imensas
como a angústia de Oscar apreciava;
Me dá um barão que me dê muletas
para que eu me levante sem as pernas esquartejadas;
Me dá um barão muito influente,
Pois só pela influência o Poder ouve, vê, fala e sente;
Me dá um barão que defenda Vitória da destruição total
mais do que o forte São João defendia Vitória das invasões estrangeiras;
Me dá um barão com mais glória
do que a glória do concreto armado do Edifício Glória;
Me dá um barão com muito ouro
que vá comigo ao Teatro Carlos Gomes entoar este coro:



II – Identidade, “características” ou ideologia?

Em segundo lugar, o conceito de “identidade” não parece adequado. A palavra identidade deriva de “idem”, que significa “o mesmo”. Estaríamos diante, portanto, de um projeto estruturalista de procura do invariante presente nas diversas e contrastantes microrregiões culturais capixabas? Onde se encontra este conjunto interseção vazio, esta pedra filosofal impossível, logicamente inconsistente e que não existe?

Se adicionássemos modéstia à dicção empregada no trabalho, substituiríamos identidade por características, cunhando nova expressão, meramente descritiva dos elementos que compõem um sistema. Se adicionássemos exatidão, contudo, preferiríamos ideologia, em sua acepção clássica de sistema de idéias.

O código genético que interliga nossas diferentes microrregiões culturais se materializa na ideologia da cultura capixaba. Por meio dela, o Espírito Santo passa a ter uma geopolítica, limites territoriais, símbolos, hinos, problemáticas, defensores, amigos e inimigos. Sem ela, seríamos todos irmãos. Mas abrir mão de sua proteção, em um mundo mudo dominado pela globalização neocolonialista, corresponde, exatamente, a deixar de existir.

A gestação da ideologia da cultura capixaba começou no século XIX, quando se iniciou a produção do capital cultural regional. Desenvolveu-se lentamente, a partir de então, para nascer, de fato, no governo de Jerônimo Monteiro.

Capital Cultural é a soma que, derivada direta ou indiretamente do enriquecimento social, está empregada em setores relacionados à cultura, levando ao aumento de suas atividades. O capital cultural se valoriza mais ideológica do que economicamente, por meio do investimento em uma mercadoria — a cultura — que será “vendida” de forma primordialmente ideológica para a sociedade, originando ganhos diversos, também monetários, que se estruturarão em um Aparelho Cultural (instituições de arte, academias, editoras etc. ).

O nosso conceito de Aparelhos de Estado pode ser traduzido mais ou menos pelo mesmo que Instituições e se liga à teoria althusseriana por distantes parentescos de que os sensatos duvidam.

III – Tratado da razão do Brasil

Voltemos ao momento do parto, do nascimento do Estado brasileiro. Tudo fica claro-sangue e o século XVI incha como o útero da mãe-terra prestes a dar à luz ao monstro gerado sem a participação paterna. Sim, o Brasil nasceu por clonagem, sem o pai que caracteriza o surgimento de qualquer Estado: o povo.

Colônia criada “por decreto”, no Brasil quinhentista, paradoxalmente, as leis, as instituições, o governo e a religião foram preparados e implantados fora daqui, no estrangeiro Portugal, a priori, de cima para baixo, antes da presença daquele elemento que deveria produzi-los: o povo. Por incrível que pareça, na formação nacional, o Estado precedeu o povo. Qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência. E, se não havia povo, não se pode dizer que existia pátria. Os únicos que, nesse pré-Brasil, possuíam algo parecido com a noção de pátria — se é que tinham — eram os índios. A pátria dos brancos obviamente estava em Portugal. Como o povo existente — o gentio — não se tratava do povo brasileiro, muito menos do capixaba ou do português, e não tinha a confiança da Coroa, tornou-se necessário dissolvê-lo cultural e fisicamente para se formar um outro.

A criação de um Estado sem a participação popular produziu sérios problemas. Sem pai, não foi possível a ocorrência da castração edípica. Sem a castração edípica, não aconteceu a introjeção da proibição paterna, base do superego. Sem superego, não pudemos contar com uma instância censória, com uma moral verdadeira.

Sua condição marginal à lei desde sempre inscreveu o Brasil em um processo que, inicialmente obsessivo, com seus rituais — religiosos, políticos, culturais, científicos — esconjuradores de um mal invisível, mas presente, evoluiu para um quadro psicótico. Desprovido da marca legal primitiva, ele não pôde se inscrever na lei e nem, tampouco, aceitá-la. Restou-lhe apenas o espaço vital da loucura.

Concluímos que a esquizofrenia do país se originou no fato de que o Estado brasileiro surgiu antes do seu pai. Vivemos, portanto, atualmente, no segundo momento, em que o surto fragmentou a sua identidade até atingirmos o “espírito dividido” a que se refere a origem etimológica de “esquizofrenia”. Este resultado aponta, sempre e necessariamente, para um caco-átomo indivisível — resistente ao processo de desintegração — que apenas a palavra individualidade traduz, como veremos no final do ensaio.

Porém, quando o mesmo povo se revestir de cidadania, recuperará a sua brasilidade e passará a ocupar o lugar simbólico do pai no inconsciente nacional, tornando possível tanto o resgate de sua macroidentidade sã quanto o da microidentidade capixaba.

IV – Ideologia da cultura periférica capixaba

Os dois eventos que consolidaram o lugar cultural periférico ocupado pelo Espírito Santo, no contexto nacional, datam do século XVIII.

O primeiro deles determinou que a capitania fosse transformada quase que em uma simples barreira de proteção das “Minas Gerais” e nos privou do capital cultural gerado pelas ricas lavras de ouro que, descobertas em terras capixabas em 1693, seriam incorporadas a São Paulo em 1709: Portugal, temeroso do ataque de piratas, decretou que os territórios situados a leste das minas — e a oeste do Espírito Santo — fossem considerados “áreas proibidas”, de acesso vedado, e interditou a construção de estradas por elas. Ao mesmo tempo, a Coroa comprou a capitania, impediu a prospecção de ouro, aprimorou suas fortificações e desestimulou as poucas atividades e iniciativas econômicas que ainda ocorriam.

Tais medidas, além de terem condenado a população à pobreza, retardaram e dificultaram o povoamento, a exploração e a expansão do território. Em conseqüência, não pudemos nem progredir internamente nem, ao menos, vender produtos aos mineiros, o que garantiria uma participação indireta na riqueza dos garimpos e aumentaria o capital cultural circulante.

Com a segunda tragédia, perdemos os jesuítas, que, expulsos do país em 1759, eram detentores do monopólio das instituições escolares e do controle da maioria absoluta das atividades artísticas. A Companhia de Jesus participava, de forma ativa e intensa, do Aparelho Econômico espírito-santense. Possuía, entre muitos outros bens, ricas fazendas que garantiam a sua subsistência e a continuidade dos seus trabalhos por aqui: — destacavam-se Araçatiba, como engenho de açúcar; Muribeca, na criação de gado; Itapoca, na fabricação de farinha.

Esses acontecimentos deixaram marcas profundas na cultura, que entrou de vez em um marasmo comatoso de que despertou com a injeção de capital ocorrida, graças ao café, em meados do século XIX. No entanto, a predominância do capital cultural agrícola, enquanto em todo o Brasil surgia o capital cultural industrial — mais dinâmico, resistente, modernizador e capaz de auto-reprodução — levou-nos a perder um terreno que começaria a ser recuperado no século XX, na década de 1970, quando o processo de industrialização capixaba, produzindo um capital cultural inaudito, garantiu que suas instituições se estruturassem de forma definitiva.

Não achamos correto falar de identidade, de nação brasileira ou de nacionalismo — de nativismo, sim — antes de 1808, ano em que a corte portuguesa se instalou no Rio de Janeiro e em que deixamos de ser uma mera colônia, com os olhos voltados para Portugal, para nos tornarmos, em 1815, Reino Unido a Portugal e Algarves. Não podíamos, obviamente, construir uma ideologia por falta dos Aparelhos Ideológicos de Estado necessários, criados por diversas medidas de D. João VI. Seu governo revogou as restrições impostas à indústria, ao comércio e ao funcionamento de tipografias. A partir de 1808, passou a haver liberdade de imprensa, de instalação de indústrias e os portos nacionais foram abertos às nações amigas — o que representou, na prática, o fim do monopólio do Reino sobre a colônia. Além disso, sua política instituiu a Imprensa Régia, o ensino superior, o Banco do Brasil, o Jardim Botânico, a Academia Real Militar, a Biblioteca Real, a Fábrica de Pólvora, o Arsenal Real da Marinha etc. Por fim, em 1816, a missão artística francesa desembarcou no país.

Repetindo, compulsivamente, a tendência primitiva de implantar a realidade por decreto, de cima para baixo, sem ouvir as razões mercantis ou populares, o governo produziu, assim, estruturas econômicas e ideológicas que a conjuntura colonial não engendraria tão cedo e que foram responsáveis pela formação da nação e dos organismos indispensáveis à sua sobrevivência e à reprodução das suas condições de produção.

Como era de se esperar, logo depois de estruturado, o conjunto primitivo de entidades adquiriria vida própria e se encarregaria de criar uma segunda geração de Aparelhos e de agentes que dessem conta da tarefa de compor uma ideologia da cultura nacional. Tal objetivo nortearia a organização do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838. Por outro lado, a liberdade de imprensa permitiu a criação de editoras e a publicação de jornais, livros e revistas que, provocando uma efervescência artística, científica, crítica, intelectual e política, aceleraram a maturação da nacionalidade.

No entanto, só em 1826, com a publicação, em Paris e em francês, do Résumé de l’Histoire Littéraire du Portugal, suivi du Résumé de l’Histoire Littéraire du Brésil, de Ferdinand Denis, pela Lecointe & Durey, pela primeira vez a literatura brasileira passou a ser estudada como um corpus textual diferente do português.

Ainda que o sermos portugueses não comprometesse a formação natural das características capixabas, de certa forma impedia seus movimentos culturais, já que o modelo ideal paradigmático da sociedade brasileira da época se identificava com a Europa portuguesa. E a ela, portanto, os como nós oitocentistas se voltavam, considerando-a o modelo da perfeição a ser alcançada: nossa meta de Meca.

Podemos compreender, agora, o paradoxo lógico com que abrimos este ensaio: se ninguém percebeu a árvore cair, de que forma saberemos se ela caiu? Analogamente, ainda que nossas características estivessem possivelmente sendo desenvolvidas, em estado bruto, natural, até mesmo antes do século XVI — afinal, a participação indígena na nossa formação ultrapassa a doação da palavra capixaba — é necessário o pensamento da cultura para captar os dados produzidos e integrá-los em um sistema de idéias do porte de uma ideologia. Melhor dizendo: preparar muqueca1 em panela de barro não basta. Precisamos do olhar penetrante do folclorista — melhor seria um folkman? — para perceber suas peculiaridades, cruzá-las com outras referências e produzir seu estudo comprovando que estamos diante de uma manifestação popular típica.

O Espírito Santo, contudo, apenas conseguiu desenvolver uma infra-estrutura econômica forte o bastante para produzir o capital cultural necessário à montagem de um Aparelho Ideológico completo a partir da segunda metade do século XIX, quando o café passou a ser o principal artigo de exportação.

Em 1840 viria à luz o jornal pioneiro, O Estafeta, que circulou uma vez. O Correio da Vitória surgiria em 1849; A Regeneração, em 1853; O Capixaba, em 1856 e assim por diante. A imprensa passou a servir de púlpito para as discussões dos intelectuais da província que, ainda timidamente, esforçavam-se para buscar os legítimos valores e costumes da plaga.

Os trabalhos de José Marcelino Pereira de Vasconcelos são uma boa mostra de tal esforço. Em 1856, ele publicou, em Vitória, na tipografia de Pedro Antônio d’Azeredo, o volume inicial da prima antologia de que temos notícia: o Jardim Poético ou coleção de poesias antigas e modernas, compostas por naturais da Província do Espírito Santo. O segundo tomo sairia quatro anos depois, em 1860. Entre ambos, José Marcelino lançou, em 1858, o Ensaio Sobre a História e Estatística da Província do Espírito Santo.

O fato de terem sido impressas — precursoramente — em Vitória nos autoriza a considerarmos estas obras de José Marcelino como evidências da presença de um movimento romântico estruturado em um Aparelho Cultural. Trata-se de uma etapa heróica, de procura de uma linguagem para o ensaísmo, em que encontramos muito do espírito da coletânea caótica — de poemas, no Jardim Poético; de nomes, feitos, descrições, números, documentos e geografias no Ensaio — e pouco da luz racionalizadora da ciência. Fase ainda obsessiva e primeva do desenvolvimento, similar à da busca da nacionalidade empreendida em termos de Brasil, nela parece ser mais importante invocar e comprovar a existência do Espírito Santo e de seus fenômenos do que compreendê-lo.

Fazendo parte do novo Aparelho Ideológico Cultural que se formava, surgiu a Sociedade Dramática, primeira companhia regional — depois que os jesuítas foram expulsos, no século XVIII —, responsável pela encenação, em 20/8/1841, da peça Maria Teresa, Imperatriz da Alemanha ou o Heroísmo do Amor Filial.

Em virtude da intensa participação dos românticos, muitos deles políticos de relevo, as entidades culturais capixabas foram se constituindo. Em 16/7/1855, ocorreu a inauguração da Biblioteca Pública da capital. Em 1832, a maçonaria instalou, em Vitória, a Loja Beneficência, que seria seguida pela Loja União e Progresso, fundada em 1872.

Os intelectuais abraçaram, com entusiasmo, as causas de interesse do neocolonialismo: a campanha pela abolição da escravatura teve ampla repercussão. Garantiu, sabemos hoje, a ampliação dos mercados consumidores dos produtos ingleses e a passagem do modo de produção escravista para o capitalista. Em 1869, seria criada a Sociedade Abolicionista da Escravatura do Espírito Santo, que, em breve, estaria acompanhada de inúmeras associações congêneres.

A ideologia da cultura capixaba começou a se delinear melhor quando se tornou necessária para a implantação do projeto desenvolvimentista promovido, com mais vigor, a partir do governo de Jerônimo Monteiro (1908-12). Em 1909, ele instituiu o selo e as armas do Espírito Santo. Antes de sua posse, cantava-se, nas cerimônias públicas, a Marseillaise, o tradicional hino francês. Este despropósito foi mais ou menos corrigido por meio de determinações que, imediatamente, o substituíram pelo hino nacional brasileiro.

Os símbolos podem ser comparados a verdadeiros retratos do Estado e, à semelhança das imagens de deuses e de santos, têm a função de tornar o abstrato concreto e o irreal, palpável. Sua implantação constituiu, assim, uma “prova” sensorialmente perceptível da existência do Espírito Santo como unidade distinta do resto da nação. O advento de Jerônimo Monteiro, portanto, marcou o nascimento do saudável bairrismo que vigoraria até o governo Eurico Rezende (1979-83).

Eurico Rezende, com uma única medida administrativa, transformou os principais organismos encarregados da promoção da ideologia da cultura capixaba em inexpressivos departamentos de seu governo, ferindo de morte o bairrismo de que se nutrem os elementos típicos. Entre os moribundos, lamentamos, em especial, pela Fundação Jones dos Santos Neves e pela Fundação Cultural do Espírito Santo — esta última se encontrava, quando de sua facada nas costas, sob a direção iluminista do maior conhecedor da terra: o brilhante escritor Renato Pacheco. Ficamos, então, à mercê do neocolonialismo cultural oriundo do estrangeiro e dos grandes centros que nos cercam: Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia.

O tiro de misericórdia — “até tu, Brutus”- , com direito a grand finale, foi desferido pela UFES, matando dois coelhos de uma só cajadada. Com um golpe, extinguiu, em 1996, a Editora da Fundação Ceciliano Abel de Almeida, responsável, sob a batuta de Reinaldo Santos Neves, por uma das poucas épocas de ouro literárias que tivemos, sem deixar sucessores com verbas e programas à altura. Com o mesmo, em cruel engano, vendeu a quilo, em 1995, como papel higiênico, o acervo de obras raras que havíamos reunido. Carlos Nejar, que situamos na relação dos melhores poetas brasileiros de todos os tempos, descreveu a catástrofe em seu artigo “A queima da Biblioteca de A
lexandria” ( jornal A Gazeta, Vitória, 25/1/96, Caderno Dois, p. 4):

A violência, ou ignorância, ou prepotência não necessitam de argumentos. Mas tivemos em Vitória, neste ano que se findou, conforme informação do próprio editor da Fundação, bem como de escritores locais, um fato pungente e bárbaro. Não foi a queima de uma biblioteca, por acidental engano ou lapso. Foi pior. A Fundação Ceciliano Abel de Almeida, de grata e feliz tradição, através de seu diretor, em face da mudança de sede, agora menor, teria vendido trinta e duas peças do teatro capixaba do século 19, diversas partituras de operetas, obras raras, vários livros de poemas do século 19 e início de 20, os primeiros livros de contos e novelas espírito-santenses, do acervo descoberto pelo historiador e psicólogo Oscar Gama Filho, em árduo trabalho (de 1978 a 1992), além dos originais de autores publicados, constantes do arquivo, como, por exemplo, os de Rubem Braga e José Carlos Oliveira. Esse material insubstituível de nossa memória criadora teria sido vendido, leitores — o que é de pasmar! —, em quilos e quilos, para a confecção do augusto e solene papel higiênico.

Devemos acrescentar que, após a tragédia, lançamo-nos em trabalho de campo e conseguimos recuperar parte do material destruído. Guardamos conosco, a salvo do vandalismo, inúmeros textos datados de fins do século XIX-início do séculoXX, à espera de alguma entidade com verba e interesse para microfilmá-los. Entre eles, constam as primeiras incursões provincianas no conto, na novela e no teatro.

Depois da produção do selo e das armas, o passo seguinte foi o estabelecimento de associações que desempenharam a dupla tarefa de formação das elites e de criação das bases teóricas “comprobatórias” da especificidade e da peculiaridade da cultura regional. Esses objetivos nortearam a fundação do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, em 1916, e da Academia Espírito-santense de Letras, em 1921. Em 1923, nasceu a revista Vida Capixaba, que seria, por mais de três décadas, a principal divulgadora de nossas características.

A Segunda Guerra Mundial abalou as raízes agrícolas tradicionais da sociedade e introduziu novas empresas, a exemplo da Companhia Vale do Rio Doce e da Companhia Ferro e Aço de Vitória, ambas surgidas em 1942. Ao mesmo tempo, a difusão do modo de vida e dos valores norte-americanos pelo cinema e pelo rádio contribuiu para a modernização do Estado. Essa dinamização se estendeu às artes. Em 1946, jovens escritores — como Christiano Dias Lopes Filho, futuro governador — lançaram a Academia Capixaba dos Novos, que se propunha a diminuir o marasmo literário vitoriense. Em 1947, ocorreu a Quinzena de Arte Capixaba, uma amostragem ampla que incluiu recitais poéticos, teatro, palestras, concursos, concertos e exposições. Finalmente, em 1947, foi instituído o Hino do Espírito Santo, único símbolo que faltava. Em seu lugar, desde o governo Jerônimo Monteiro, o Hino Nacional Brasileiro era cantado nas cerimônias oficiais.

V – Artes de criação da cultura capixaba

De todos os agentes de construção da ideologia de que necessitamos — para continuarmos a existir —, os artistas merecem ser destacados pelo seu poder divino de introduzir vida, voz e personalidade no que era barro: intuitivamente, os habitantes de um local se reconhecem em certas características culturais produzidas por eles. Seus olhares genesíacos ressuscitam o que é matéria bruta e inerte e criam uma grande personagem: o Espírito Santo. Sim, pois o Estado necessita de uma construção psicológica que o transforme em ser social maior do que a simples soma de dados, pessoas, ruas e moradias. Eles têm o poder de nos apresentar a interessantíssimos tipos populares e — mágica! — fazê-los se reunirem, suspensos no ar, sob a forma do mosaico eternizado que nos define.

Do todo de características desarmônicas e mosaicas, só a arte pode dar conta, graças a seu díspar poder de apreender até mesmo o futuro. Compõe, assim, o universo cultural, captando-o de sua desarmonia abstrata natural e dando-lhe o toque harmônico da variante estética.

A arte transforma em código estético qualquer tipo de ocorrência, possibilitando a incorporação ao tesouro social e contribuindo para a preservação de preciosas reservas das características humanas que ajuda a alterar.

Ainda que uma indústria pareça absolutamente concreta, houve o arquiteto que a idealizou em belos projetos que precederam a sua edificação. Em suma, o real se constrói por meio de sonhos que se transformam em “realidade”.

Portanto, uma das funções da arte — mosaical e intertextual alicerce da língua — está centrada na absorção especializada e estética de uma multidão de dados desencontrados para construir sua invariante essencial à revelia da razão. Isso ocorre, não no mundo ideal e irreal de Platão, e sim dentro de uma prática — que podemos sentir porque a ideologia da cultura, em vez de ser abstrata, se materializa em atos, costumes e posturas rituais que deságuam em edificações, em cidades, em ruas e, quem sabe?, na disposição do homem sobre os campos. Muito mais do que pousa sobre os símbolos do Estado, repousa sobre nós sua mão disciplinadora com padrões que — se quisermos ser capixabas — devemos ser capazes de incorporar. É como o ritual de entrada em uma ordem tão secreta, que mesmo nós desconhecemos nossa entrada. Mas os membros reais dariam a própria vida por ela.

VI – Projeto MuquecaMuqueca[ 1 ]

Os poderes públicos deveriam se movimentar, repondo este vocábulo perdido e exclusivamente “capixaba”. O uso de muqueca em todos os livros didáticos, bem como sua adoção oficial — em documentos, mapas culturais etc. — preservaria o nome do mais típico e festejado prato regional, resgatando-o do esquecimento e do erro e ajudando a manter presente a INDIVIDUALIDADE da cultura capixaba.

Ah, quase esquecemos!… Superior à imprecisão de “identidade” e ao peso de “ideologia”, INDIVIDUALIDADE DA CULTURA CAPIXABA é o conceito que buscamos. Etimologicamente, denota aquilo que não pode ser dividido, que nos torna únicos, conceito que deságua na essência metafísica, átomo de Demócrito, enfim.

A busca da individualidade aponta para o toque de tempero capixaba que faz únicos os pomeranos de Santa Maria do Jetibá, ainda que eles existam em outros lugares. Proferindo esta palavra-chave da alquimia verbal, espécie de “abre-te, sésamo!”, podemos nos referir às várias microrregiões culturais de que somos compostos, diferentes entre si, mas que guardam um sensível sentido de peculiaridade local em relação a outras microrregiões culturais semelhantes encontráveis no restante do país: apenas nós temos nosso caboclo indígena das praias — filhos espirituais dos jesuítas —, nossos negros suaves, nossos baianos amineirados do norte, nossos italianos alegres, nosso português bem falado, nossos agropecuaristas tradicionais das montanhas do sul.

É o tempero capixaba, leve toque da poesia típica do Espírito Santo, paraíso terreal da individualidade, onde todos podem se comportar do jeito que quiserem, graças à sua democrática “pasmaceira” — uma de nossas características, segundo o dramaturgo romântico Amâncio Pereira — que, cordialmente, não impõe formas de ser. Sejam bem-vindos!

Apêndice

Monofonia a Vitória (1551 – 1981)

Porque as marcas de quatrocentos e trinta anos
subsistem sob o solo e nas sombras e nos segundos andares
de sobrados anciãos alicerçados por lojas comerciais;
Porque são quatrocentos e trinta anos,
Não quatrocentos homens nem quatrocentos e trinta ventos,
Mas quatrocentos e trinta anos que me empurram e que me levam
a passar por todo o supérfluo das lojas do primeiro andar
e as escadas subir e tocar em prostitutas Vitórias do amar;

Tudo em teu corpo cicatricial me leva com 430 anos
a atravessar teus homens e seus desejos de hoje
com a espada silenciosa que uso para não os ouvir
e a seus desejos de novos carros,
E deste sangue despejado em formas
compor aquilo que se foi demolido
contra o desejo não ouvido de homens mais antigos
— e tão os mesmos —
que te pisaram também esquecidos.

Sim, e algo virá do sangue silencioso que agora já corre pelas ruas
mesclando-se ao meu em minhas artérias
mais concretas do que as da parede que veda os buracos
por onde poderia brotar Vitória antiga do sangue que brotará
em mim, refugiada de tempos tão indignos dela,
Refugiada de tempos que nunca a mereceram
e à sua filosófica indiferença
pelo que passa — e tudo passa —
ao largo da alegria prazerosa
e de boa comida na pança.

E do sangue envolvido em muitas partidas para o mesmo ponto,
Envolvido em partos ao avesso feitos dentro de cada artéria,
Virá múltipla brotada em mim a mulher que desceu dos morros
para invadir o mar com lugares por muito procriados,
Virá em mim o Solar dos Monjardins
passar pela mesma rua desmemoriada
em que ingressam a FAFI, a casa do Anísio na Av. Marcos de Azevedo
e as oitocentas casas 197 e 203 da Rua José Marcelino,
Passar por tijolos aposentados que estudaram no Maria Ortiz,
    Por tijolos aposentados que lecionaram no secular Convento do Carmo,
    Por aposentados que se curaram no Convento da Penha,
Aposentados lugares que vão todos os dias — menos domingo —
ao Parque Moscoso ouvir um samba inaudível que desce das favelas
às buzinadas e invade casarões velhos sobreviventes
dos cancerígenos remédios que não respeitaram
a sujeira ancestral do Hotel Europa
e das casas das Ruas Muniz Freire e Duque de Caxias.
Aos domingos, no entanto, trabalham na Empresa Capixaba de Turismo.

Trabalham de graça na mesma empresa em que todos enriquecem,
Com exceção dos aposentados, do antigo Mercado da Capixaba
e de muitas igrejas profanadas quase que pela mesma Rádio Capixaba
que invadiu a igreja de São Francisco
e quase que pelo mesmo governo que instaurou o seu neoluxuoso Palácio
no Colégio dos Jesuítas e na pobre Igreja de São Tiago,
Igreja que Anchieta ajudou a erguer e em que foi sepultado;
E é porque a menor descaracterização descaracteriza toda a cidade
que a culpa de tudo não deixa de ser do governo e da Rádio Capixaba,
Ambos demolidores — não do caos, que é eterno —
Mas da beira de cais capixaba,
Que sobrevive em antigos retratos de sal e de pesca
tirados ao lado de tudo que foi demolido pelos irmãos hunos:
Bernardino e Jerônimo, Monteiros que — junto com D. Fernando bispo —
já-já exorcizo
para alívio das sombras que vêm envolvidas
e disfarçadas em livros perdidos e largados
que surgem, voadores de prateleiras,
E que, subitamente, quando abrem suas páginas solares,
Se tornam carregadores de sombras
que deles são irradiadas
para um papel fotográfico que se impregna e se revela.

Mas não me basta tua foto desnuda
de todos os espigões com que te revestiram,
É preciso — ó bela esquartejada — tomar as sombras
e inventar uma alma enxuta de todo corpo descrente
que não te toca enquanto não for mergulhado
no sangue silencioso de minhas artérias,
Enquanto não for restituída uma glória
que minta sobre a mentira de hoje:
A glória verdadeira de casarões-cogumelos
que límpidos cresceram do esterco e da miséria.

(Eis que alguns pedaços do Penedo dinamitado,
Cansados de beber a água salgada, podre e oleosa
pela qual o Penedo é banhado,
Foram beber água doce no que resta da Fonte da Capixaba,
Fonte de onde jorrou água e de onde jorrou o nome “capixaba”,
Mas, se fonte e água ainda existem, as torneiras estão arrebentadas,
E é raiva que o Penedo bebe com a força com que bebia o mar
até a maré baixar. E diz o Penedo:
    — “Rua Barão de Monjardim, rua da Fonte da Capixaba, fica com a rua
e me dá o barão, que hoje não tem mais água, não;
Me dá um barão que suba pelo Morro do Vigia,
De onde desce, em aqueduto de telhas, a Fonte da Capixaba;
Me dá um barão que suba pelo morro que eu via
e que veja o calçamento pé-de-moleque feito pela gente escravizada;

Me dá um barão que aprecie as árvores imensas
como a angústia de Oscar apreciava;
Me dá um barão que me dê muletas
para que eu me levante sem as pernas esquartejadas;
Me dá um barão muito influente,
Pois só pela influência o Poder ouve, vê, fala e sente;
Me dá um barão que defenda Vitória da destruição total
mais do que o forte São João defendia Vitória das invasões estrangeiras;
Me dá um barão com mais glória
do que a glória do concreto armado do Edifício Glória;
Me dá um barão com muito ouro
que vá comigo ao Teatro Carlos Gomes entoar este coro:

CORO:
Aterraram o contorno da ilha porque era negro e de barro,
Aterraram com terra, com edifícios e com carros;

Aterraram os teus mangues,
Aterraram os veios de lama,
Aterram os teus mangues,
Veias por onde corria teu sangue.

Eras uma terra molhada,
E hoje, que aterraram teu molho,
Terra molhada, onde estão teus mares,
Onde está teu álcool,
Onde estão teus santos bares?

Onde estão todas as coisas centenárias,
Onde estão os Caramurus e Peroás
da Igreja de São Francisco
e da Igreja do Rosário,
Onde está a procissão?”

Onde está? e só a pergunta refaz a procissão,
E só a pergunta anda pelo chão;
Mas, como perguntas não são cristãs,
Elas não rezam para deus,
E sim para seus representantes:
Estas Igrejas de Santa Luzia e de São Gonçalo,
Símbolos da decadência de uma classe dominante.

Teu povo olha pra baixo, ó bela avoada,
Envergonhado por ser igualado às outras massas
logo pela mudança na direção de passos já dados,
Logo pela demolição de teus primeiros passos,
Mas, sem base que os sustentem,
Os segundos andares dançam no espaço
um balé desorbitado que levanta pescoços,
Um balé em que pesados prédios libertos reconstroem a antiga cidade
erguendo nos braços — leves bailarinas do guardado —
estampas e letras inumanamente gravadas pelo passado.)

[GAMA FILHO, Oscar. O Despedaçado ao Espelho. Vitória, Fundação Ceciliano Abel de Almeida/Universidade Federal do Espírito Santo, 1988. pp. 90-4.]

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NOTAS

[ 1 ] Muqueca parece a melhor grafia, única usada no Espírito Santo desde o século XIX até meados do século XX. Apesar de os dicionários adotarem a grafia moqueca, a forma adequada seria a que respeita a sua etimologia, derivada do quimbundo mu’keka, que significa “caldeirada de peixe”, segundo Antônio Geraldo da Cunha (Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982). A palavra, portanto, é de origem africana e não possui relação alguma com moqueca, criada a partir do termo indígena moquém, que se refere, segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, a uma “grelha de varas para assar ou secar a carne ou o peixe” [Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986].

[GAMA Filho, Oscar. O capixaba metafísico. Texto inédito reproduzido com autorização do autor.]

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Oscar Gama Filho é psicólogo, poeta e crítico literário com diversas obras publicadas.(Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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