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O compasso perdido

Mantive com Renato Pacheco uma parceria na autoria de vinte livros, reunindo títulos sobre história, obras didáticas e de literatura infantil. Alguns desses trabalhos contaram também com a colaboração da professora Léa Brígida Rocha de Alvarenga Rosa e de meu irmão Reinaldo.

Dos livros infantis, dois, integrantes de uma trilogia iniciada com Tião Sabará, publicado pela Editora Moderna, permanecem inéditos. Além destes, um último romance, ao qual, por minha culpa, minha máxima e exclusiva culpa, não consegui dar seguimento, ficou inacabado.

E é dele que desejo tratar, na tentativa de expiar um pouco essa culpa, embora talvez a única forma de me redimir com a memória de meu amigo e parceiro fosse atacar a obra com fôlego de sete gatos, e fazer a parte que me coube na empreitada.

Não que eu não tivesse tentado. Mas o caminho pelo qual enveredei mostrou-se ser uma vertente diferente da que Renato seguiu e, pela primeira vez em nossa parceria de autores e amigos, comecei a sentir dificuldade para sintonizar o texto que eu redigia e o que Renato me entregara. Aí parei, para me dar um tempo, mas sem pedir isola a Renato. Por isso, volta e meia, ele me cobrava o romance, enquanto eu ficava na moita.

Com a sua morte, senti-me desamparado de vez para prosseguir a história, porque, independentemente do que ele já havia escrito e do que eu escrevi ou pudesse escrever, a sua presença ao alcance das minhas consultas, como fonte de informações ao vivo, era de fundamental importância para a conclusão do livro, pelo menos naquilo que me dizia respeito, segundo o projeto que havíamos idealizado.

E que livro era este?

Bateu na telha de Renato escrever um romance policial centrado no Radium Hotel, tendo por cenário a cidade de Guarapari, por volta dos anos 50. Ao livro, ele deu o nome preliminar de Crime no Radium Hotel. Mas, desde logo, percebi que gostaria que fosse um título definitivo.

O Rádium Hotel e Guarapari formariam, assim, o “ambiente” nuclear da trama policialesca (!), que teria como principal personagem um médico improvisado em detetive, Dr. Silva Pontes.

Em mensagem prévia a que denominou “Duas Palavras”, dirigida aos futuros leitores, Renato confessou, conforme está nos manuscritos em meu poder: “O Dr. Silva Pontes foi inspirado no famoso e humanitário médico Dr. Silva Mello (1896-1973), tragicamente morto por seu mordomo, e descobridor das maravilhas curativas de Guarapari [nos manuscritos, desenvolvendo a sua parte do romance, Renato chegou até a grafar Silva Mello, ao invés de Silva Pontes].”

Renato era um grande admirador do médico, a quem se referia como o propagandista pioneiro das virtudes medicinais e curativas das areias da Cidade Saúde, no tratamento natural para alguns tipos de reumatismo. Silva Mello teria, portanto, mais do que ninguém, lugar privilegiado no romance, sob o manto diáfano de Silva Pontes.

A descrição do personagem, Renato a tirou da própria pessoa de Silva Mello, a quem chegou a conhecer em Guarapari: “… uma figura altiva, de pincenê, costeletas bem aparadas, botinas, e cabelos visivelmente pintados de roxo.”

E, no romance, a descoberta da Cidade Saúde por Silva Pontes, Renato a foi buscar na obra Guarapari, Maravilha da Natureza, da autoria de Silva Mello:

O Dr. Silva Pontes soubera, na Suíça, das virtudes radiotivas das praias de Guarapari e resolvera visitar a pacata localidade de pescadores, 60 km ao sul de Vitória […] Silva Pontes pegou seu Ford 29 e enfrentando a falta de estradas saiu do Rio e foi a Muriaé, em Minas Gerais, ao norte, desceu para leste, em São Miguel do Veado, Cachoeiro de Itapemirim, e, três dias depois e dois pneus trocados, chegou à paradisíaca cidade, então com cerca de 400 moradores, a maioria de pescadores. Examinou detidamente as condições de salubridade, as virtudes radioativas da monazita e ilmenita, abundantes nas praias da cidade, e voltando ao Rio, passou a receitar para seus doentes de reumatismo que viessem enterrar-se nas areias de Guarapari.

Numas das muitas achegas que escreveu, depois de já me haver entregue o eixo básico do romance, na vertente que produziu, Renato me passou a seguinte sugestão, sob a pergunta “que acha?”: “À moda do Inspetor Morse, Silva Pontes pode, de vez em quando, fazer umas citações: Shakespeare, Dante, Camões, Manoel Bandeira (amigo dele)…” E me recheou de citações que poderiam ser colocadas na boca do nosso médico-detetive.

Outras figuras reais também estão contempladas nos originais de Renato: Jayme Santos Neves, Rubem Braga, Heliomar Carneiro da Cunha, Boris Ackermann — gerente da Mibra, Monazitique e Ilmenite du Brésil, o cantor Sílvio Caldas… A presença de Sílvio Caldas aparece diretamente ligada ao cassino que funcionava no Radium Hotel.

O Cabloquinho querido, como era chamado, viera, em outubro, cantar no hotel, sob o patrocínio de Heitor Latorraca, arrendatário do cassino (clandestino) e tolerado pela polícia e pela Justiça. Gostara da cidade e dois meses depois ainda se deixava ficar, comendo, bebendo e cantando. Dizia que já lançara suas músicas de carnaval, e voltaria para o Rio depois do tríduo momesco.

Além dos nomes citados (afora outros mais), participa da narrativa, como verdadeiro ator coadjuvante, o célebre padre Manezinho — Manoel do Nascimento (“cuja vida é descrita em A Centopéia, de Jayme Santos Neves, Vitória, edição do autor, 1989, p. 81 a 85″), diz Renato, nas “Duas Palavras”.

Já no primeiro capítulo, “Um corpo no jardim”, da versão inicial do manuscrito de 58 páginas que me legou (fora as que acrescentou depois, para que eu as incluísse onde coubessem), ocorre a menção aos dois personagens principais do romance, Silva Pontes e padre Manezinho. Vale a transcrição (este primeiro capítulo, Renato modificou em parte, posteriormente):

Os cães da rua, invadindo o amplo jardim do Radium Hotel, à beira da praia da Areia Preta, é que, com seus latidos, deram o alarme. Já lambiam e mordiscavam um cadáver desnudo.
Dona Maria Silveira, a cozinheira-chefe, e suas duas auxiliares, vieram correndo para ver que tanto barulho era aquele.
Encontraram o cadáver de uma hóspede, Dona Marinalva Cunha, em decúbito dorsal, sobre uma moita de azaleias.
Dona Maria gritou:
“Socorro! Socorro!”
As auxiliares, Pretinha e Jorete, correram para o interior do hotel, em busca de ajuda. Logo uma pequena multidão de hóspedes, empregados e curiosos se formou em torno do corpo. O gerente, Delduque Bonfim, telefonou para a delegacia e, peremptório, disse:
“Afastem-se. Não mexam em nada…”
Num jipe velho, o delegado leigo Manoel Lyra chegou e dispersou os curiosos.
Soube que era hóspede do hotel o famoso médico carioca Dr. Silva Pontes e logo o convidou para presidir a autópsia.
O médico, descobridor das areias radioativas, se desculpou com sua próxima viagem para o Rio, e eximiu-se da função.
“Então,” disse o delegado, “como faço sempre, vou chamar o sacristão e o padre Manezinho para peritos…” E se justificou: “O sacristão fez até o 3° ano de medicina…”
Silva Pontes, embora tendo se desobrigado do encargo, observou detidamente o local em que o corpo caíra, o possível ponto de queda na varanda do segundo andar do hotel, e, com surpresa, ao virar-se o corpo, verificou tratar-se de uma quase paralítica, sempre em cadeira de rodas, vítima de avançado reumatismo.

Ainda sobre o padre Manezinho, que em vida foi personagem que deu o que falar quando vigário na Serra e depois de Guarapari, Renato espalha pelos seus originais várias informações que retratam o temperamento franco e o modo de vida escandaloso do sacerdote. Puxemos, do capítulo 10, uma passagem ilustrativa:

Uma bela afro-brasileira, jovem baixinha e gordota, chegou à porta e disse:
“Senhor padre, o almoço está servido…”
O padre convidou o médico para acompanhá-lo no repasto de peixe frito, mas este, polidamente recusou.
“Então o senhor fica intimado para a sexta-feita que vem. A Maria vai fazer uma torta capixaba, ouviu falar?”
E à guisa de despedida disse:
“A Maria eu não posso apresentar ao senhor como minha esposa, porque a Santa Igreja Católica não deixa. Mas não posso dizer que é minha empregada porque ela dorme comigo…”

Pelo trecho acima, e pelo início do capítulo I, antes transcrito, pode-se depreender a linha que Renato Pacheco pretendia fosse imprimida ao “nosso romance”, ou seja, à novela que teria motivação policial, mas apenas como chamarisco, para épater le bourgeoisie, como gostava de dizer, já que visava, principalmente, a reconstituição da época de ouro do Radium Hotel, em Guarapari. Além de, naturalmente, prestar-se a um divertissement para os seus dois autores.

Este toque de divertissement Renato o quis deixar claro, penso eu, na pequena introdução que escreveu para o romance: “Este livro, à moda de Ellery Queen, é fruto de antiga e fraternal associação criativa entre Luiz Guilherme Santos Neves e Renato Pacheco. Realiza, a quatro mãos, o primeiro romance policial “capixaba” do século XXI, e talvez o primeiro romance policial “capixaba” de todos os tempos, se não levarmos em conta o livro de Azambuja Suzano do século XIX.”

Generosa visão dourada, do meu parceiro e amigo!

No capítulo segundo, intitulado “O Radim Hotel”, confirma-se, pelo manuscrito em meu poder, a proeminência que Renato desejava dar, sem prejuízo da trama, ao principal hotel de Guarapari na década de 50 do século passado. (E aí podemos enxergar a mão do historiador impulsionando o romancista. Neste sentido, juntou aos seus originais várias informações históricas, para caracterizar a época do romance.) Vamos ao trecho que ilustra esta afirmação:

Não se pode dizer que o prédio do Radium Hotel é bonito. Grande, isto ele é, um sobradão em forma de V com mais de dois mil metros quadrados de jardim em torno.
Sua construção fora planejada por um amazonense que estudara em Vitória, Adalberto Ferreira do Vale, presidente da Previdência Capitalização. Na falta de recursos, ele vendeu o prédio, ainda no esqueleto, ao Governo do Estado, que o concluiu, aproveitando a planta previamente desenhada.
O hotel competia com os outros dois hotéis da localidade: o Veranistas e o Guará, menores e não tão bem localizados.

Mais tarde, vieram novos acréscimos sobre o Radium Hotel, para serem aproveitados onde fossem cabíveis. Um deles, sob a forma de capítulo a mais, transcrevo a seguir:

Silva Pontes sabia que havia, no hotel, um cassino clandestino. Desde o governo do general Dutra, dizem que a pedido de sua esposa, Dona Santinha, católica e ultraconservadora, todos os jogos de azar — isto é, aqueles que não dependem de talento ou habilidade, e simplesmente de sorte para o ganho — estavam proibidos no Brasil, desde o popular e tolerado jogo do bicho, inventado no fim do século XIX pelo Barão de Drumond, para sustentar o Jardim Botânico. A polícia, no entanto, fazia vista grossa, permitindo que, aqui e ali, proliferassem casas de tavolagem. Não os magníficos cassinos que o médico conheceu em Monte Carlo, mas tugúrios mal iluminados, onde os jogadores satisfaziam as suas necessidades psicológicas de emoções fortes.
Silva Pontes achou — ele mesmo se considerava um casmurro — que o jogo era coisa de crianças, para se adequarem às regras da vida, ou de adultos imaturos. Porém, por curiosidade, foi visitar o cassino do Radim Hotel, situado numa ala lateral do prédio, com entrada franca para maiores.
Admirou-se do luxo e do bom gosto. Grandes cortinas não deixavam que a luz passasse para a rua e ventiladores de teto arejavam o ambiente. Muita gente bem vestida tentando a sorte. Duas roletas, uma mesa de bacará, diversas mesas de pôquer, e, no fundo, mais afastado, um bingo eletrônico, novidade no Brasil, com predominância de apostadores idosos.
Deu uma pequena volta pelo local, observou fisionomias tensas. O gerente convidou-o para uma roda de baralho, mas, delicadamente, recusou, e foi saindo de fininho. Por certo, aquele não era seu ambiente…
Soube que, de quando em vez, quando a imprensa denunciava, ou em época de eleições, havia batidas policiais, adredemente avisadas: “Dia tal vamos fechar o jogo.”
O cassino ficou fechado dois a três dias e reabriu logo. Graças ao cassino é que grandes artistas internacionais e nacionais como Lucho Gatica, Sílvio Caldas, Orquestra Severino Araújo, tinham se apresentado no teatro do Hotel.
Consta que, certa feita, numa das investidas da polícia, uma velhinha solicitou:
“Ah, seu guardinha, deixa cantar mais uma pedra. Estou pela boa…”
Nas suas matutações, meio dormindo, meio acordado, Silva Pontes se perguntava: — Por que os legisladores não regulamentam logo essa porcaria do jogo de azar, que deveria chamar-se jogo da sorte?
Ele sabia o porquê, mas calado ficava.

Na folha de abertura dos seus originais, precedida de um croquis à mão reconstituindo Guarapari na época do romance, Renato assinalou três datas: 20.02.2001, 07.01.2002 a 10.01.2002. Era um velho hábito que tinha, de datar seus escritos. Como se lançava com obsessão àquilo que se propunha fazer, fazendo-o de uma arrancada, enquanto o tema lhe batia a passarinha (ele se confessava um obcecado, quando tinha de fazer alguma coisa), passava-me em seguida o material que terminava e assumia a posição de cobrador do que desejava que fizéssemos juntos. “Já fiz a minha parte, falta a sua,” costumava dizer, atenuando a cobrança com a liberdade que me dava para alterar tudo, como eu bem entendesse, sem que se preocupasse em nada com o sofrimento intelectual em que me deixava, espremido no córner de um ringue que ele mesmo armava.

No caso do Crime no Radium Hotel foi exatamente assim. Deixou em meu poder os manuscritos produzidos no ímpeto da inspiração, sem preocupações estilísticas, sem um maior rigor narrativo, embalado pelo projeto que o entusiasmara (“a gente deve ter sempre um projeto em execução, para espantar a morte”), que era praticamente um roteiro destinado a agir no meu ânimo como o impulso inicial, o chute na bola, o starting point do romance. O caráter de roteiro fica evidente em muitas passagens do manuscrito, em que a narrativa se faz quase telegráfica, fixando pontos e insinuando sugestões a serem aprofundadas e desenvolvidas para se chegar ao texto final.

Quando começou a sentir que eu me retardava em meter a mão no Crime no Radium Hotel, a pressão passou a ser explícita para que eu esquentasse as turbinas: num envelope branco, para cartas, onde subscritou “Feliz Páscoa, votos extensivos a Terezinha e família”, e onde colocou a data 30.03.2002, premiou-me com a transcrição digitada da entrevista que se segue, feita com o sr. Antônio Vieira, 70 anos, aposentado do Radium Hotel, endereço Rua José Barcello de Mattos, 1000, Guarapari, fone 33615188:

Guarapari 28 de março de 2002

O entrevistado começou a trabalhar no Radium Hotel em outubro de 1953. O estabelecimento foi inaugurado em 8 de dezembro de 1953, dia de Nossa Senhora da Conceição e dia da cidade. O prédio pertencia ao Estado que o arrendou a Alberto Bianchi. Primeiro gerente: Manuel Jantzen Fom. Outros servidores: o depoente, o motorista Libonati, o almoxarife Ângelo Forastieri e o chefe de cozinha Ovídio Chagas.
O cassino (clandestino) funcionou desde antes da inauguração oficial. Como a luz (da cidade) era desligada às 22 horas, os jogadores seguiam à base de lampiões. O contrato com Bianchi, de 10 anos, findos os quais as benfeitorias passariam para o Estado, foi prorrogado por Hélcio Cordeiro, por mais dez anos, em dezembro de 1961. Em dezembro de 1968, Christiano Dias Lopes, então governador, tomou o hotel na marra.
Havia 18 apartamentos, 30 quartos e o sótão chamado república, onde não havia divisões. Mais tarde ficaram apenas 49 apartamentos, inclusive a suíte do Governo do Estado, eliminando-se os quartos.
O auge do funcionamento do Radium foi até 1963, e o cassino funcionava de acordo com a maior ou menor complacência das autoridades.
No cassino havia bacará, campista, roleta, street flash, este um jogo violentíssimo de que participavam poucos jogadores. Uma vez Gaturamo ganhou na roleta quatro vezes em seguida no número ZERO. Pessoal do pif paf, selecionados entre os maiores jogadores: Joelmir, de Cachoeiro, Aprígio Gomes, Graciano Espíndula, José Tristão. Chegavam sexta-feira à tarde e saíam segunda-feira de madrugada. Graciano mandou vir de Vitória um barbeiro, pagando a corrida de 50 km, e fez a barba sem levantar-se da mesa de jogo. Outros jogadores: Márcio Vivacqua, Adamastor Bomfim, os Pretti (Gato e Pelota).
Sobre Silva Mello: ficou duas temporadas no Radium, mas ele preferia um hotel mais modesto, o Guarapari (onde hoje está o Edifício Caparaó, na praça Central, do sr. João Pessoa). Inicialmente, além de estudar as areias pretas, ele fez um pequeno estudo sobre a longevidade de três centenárias irmãs, que moravam perto do Canal, na rua das Bonecas. Uma vez ele disse, no Hotel, que o asfalto tirava a radioatividade das ruas. Nessa época ele trouxe americanos e o padre Xavier, da PUC do Rio, que estudaram os pendores curativos das areias monazíticas. Famosos que, nesse tempo, estiveram no Hotel: Tenório Cavalcante com sua filha e o genro Hércules de Freitas Lima (que foi o deputado federal mais novo na época); Elza Soares, cantora, com seu marido Garrincha; Maysa Monjardim, que bebia gin logo cedo, e ficou seis meses no Hotel; o conde Matarazzo e sua esposa; o dono das Casas da Banha e muitos outros. Na semana santa o dono dava de 40 a 50 “cortesias” para pessoas gradas virem comer torta capixaba no Radium. Outros que se hospedavam no Radium, como convidados: General Amauri Kruel; senhores Genaro Pinheiro e João Batista Pinheiro, com sua esposa. Como os quartos eram geminados, o porteiro Alfredo encaminhava a turma da república para espreitar no apartamento vizinho casais em lua de mel. Sobre o padre Manoel: Um amigo dele, Ciríaco Ramalhete, arranjou-lhe um rapaz para auxiliá-lo em sua casa. Todas as noites o padre ouvia a BBC de Londres. Uma noite, o informante estava jogando víspora nas vizinhanças quando apareceu o empregado do padre, todo rasgado, dizendo que o padre o quisera violentar.

Não parou aí. No Natal de 2003, presenteou-me com um exemplar do livro de Silva Mello, Guarapari, Maravilha da Natureza, que havia encontrado no sebo da rua 13 de Maio, e que me deu, com a dedicatória: “Para Luiz Guilherme, na esperança de que o Silva Mello inspire o Conan Doyle Jr. Com abraços do velho amigo Renato”.

Eu já havia lido o livro graças a um exemplar que Ivan Borgo me emprestara, para que pudesse — no dizer de Renato —, ir me inspirando para a tarefa que me estava sendo firmemente cobrada. Mas aquele presente que, diga-se de passagem, recebi com enorme prazer, não só porque pude devolver o exemplar de Ivan, como também por poder usar o meu com a liberdade de rabiscá-lo à vontade, foi uma estocada a mais de Renato, no lado esquerdo do peito, me convocando para concluir o nosso compromisso, quebrando o passo de cágado que eu imprimia ao romance.

No entanto, apesar de pressionado e encurralado “tão discretamente”, continuei driblando o meu amigo até o fim (literalmente falando, do que não me vanglorio), com o Crime no Radium Hotel. Em grande parte, como já disse, por incompetência pessoal em compor o romance a quatro mãos; outro tanto, por certa macunaímica preguiça em juntar as pontas do que Renato escreveu com o que eu já tinha escrito e ainda restava por escrever; e, finalmente, devido àquela vã tranqüilidade de quem achava que podia deixar para amanhã o que estava sendo pedido hoje, acreditando que o amanhã fosse contornável a ponto de torná-lo imperecível. Por minha culpa, minha máxima culpa, claudicou a “antiga e fraternal associação criativa entre Luiz Guilherme Santos Neves e Renato Pacheco.” E por negligência minha, perdi o compasso no contrapé de uma procrastinação, indesculpável e perdulária.

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Seguem-se:

1) Texto corrido extraído da primeira versão manuscrita do romance, com 58 folhas numeradas, escritas na frente e no verso.

2) Diversos textos, também manuscritos, apresentados posteriormente por Renato, quase todos com a indicação “onde couber”. (Resolvi deixar soltos e não encaixar na forma inicial do manuscrito.)

3) Diversos subsídios e sugestões para possível aproveitamento.

4) Finalmente, os capítulos que cheguei a produzir, nos quais fiz alguns ajustes para a eventual divulgação. Não fui além do que está apresentado.

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Luiz Guilherme Santos Neves (autor) nasceu em Vitória, ES, em 24 de setembro de 1933, é filho de Guilherme Santos Neves e Marília de Almeida Neves. Professor, historiador, escritor, folclorista, membro do Instituto Histórico e da Cultural Espírito Santo, é também autor de várias obras de ficção, além de obras didáticas e paradidáticas sobre a História do Espírito Santo. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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