Voltar às postagens

O desbravamento das selvas do Rio Doce (Memórias) – Rio Doce IV

Rio Doce

___________________________________________

CAPÍTULO IV

O nevoeiro. Colatina. O cometa. Vale de Canaã. Contraste. Conversa de rio-docenses. O Rio de Santa Joana. O pavor da bicharada. Catita. Barrigudas e companheiras. Porto Belo. Ariranhas. O Capitão Nazaré. Urubus e carniça. Divergências. O Rio Mutum. Passarinhada. Esperam o milho. Desaparecem os indícios de chuvas.

De manhã os que prosseguem a viagem esperam a chamada de bordo, o apitar do navio. Neste fazem-se carga e descarga de mercadorias e tomam-se outras providências.

Fiapos de neblina descem rio abaixo e em pouco se transformam em volumosos rolos caracterizando-se, por fim, em cerração, e impedindo que se perceba a sua separação da corrente. Tudo é branco, é nevoeiro. Prepondera o fenômeno meteorológico. Os vapores condensados assenhoreiam-se do vale, da região. Aqui, como nos rios sujeitos à cerração, oriunda do degelamento da grande Cordilheira dos Andes, a navegação é prejudicada, enquanto não se levanta a neblina. No Rio Doce, porém, não há a “friagem” em virtude da qual o “calor cessa” e a “temperatura cai” e
quando ela é mais demorada, resfria a água, mata os peixes que descem de bubuia, faz as pequenas aves caírem inteiriçadas, enquanto os mamíferos trepadores sobem ao mais alto das árvores, procurando agasalho na copa fechada.[ 91 ]

Colatina,[ 92 ] o antigo arraial de Santa Maria, e, bem assim, o ponto que lhe é fronteiriço, na margem esquerda do rio, que foi a sede da colônia fundada pelo Dr. Nicolau Rodrigues da França Leite em 1874,[ 93 ] estão imersos no nevoeiro. Do trabalho hercúleo do Dr. França Leite não há outro vestígio senão o da mudança em capoeirão de machado, da mata virgem primitiva.

Lentamente uma brisa benfazeja vai dissipando o ruço e Colatina Velha[ 94 ] aparece com o seu punhado de casas sobre a faixa estreita do sopé do espigão, que tem inclinação suave próximo à ribanceira do rio.

O navio está prestes a partir quando, montando um burro xucro, o cometa da véspera, estardalhaçante, grita para o marinheiro, amigo do dia anterior:

— Tive sorte em não estrear a carabina. Um mineiro, lá das bandas de Natividade, comprou-ma. Ganhei cento e vinte mil-réis, quantia que cobre toda a despesa de São Mateus a Vitória. Aqui vendi qualquer cousa e tenho esperanças de fazer algumas vendas em Santa Teresa e grandes em Santa Leopoldina — praça de comércio vultoso e sólido.[ 95 ] Hoje vou pernoitar em Barracão de Petrópolis. Adeus. Boa viagem.

— Até a vista moço, si Deus, Nosso Sinhô, quisé.

Está na hora da partida e o mestre experimenta o motor. O vapor superaquecido escapa-se com um chio forte, estridente, o macho esbaforido, bufa, treme, corcoveia, empina, espinoteia, escouceia, e o cavaleiro é cuspido da sela contra o solo argiloso. E, em disparada, safa-se para o lado do Rio de Santa Maria, fazendo tilintar os estribos, arrebentando freio, cabeçada e loros, arremessando manta e baixeiro… e correndo, correndo sempre vai distanciando-se de Colatina, bufando arquejante, inclinando a cabeça assim à direita como à esquerda.

Nesse momento ouve-se: “coitado! machucou-se?!” E senhoras apiedadas receitam: “dêem-lhe água com arnica, que ele se magoou muito”.

Essa personagem que, agora, desperta a todos interesse e simpatia, vítima de tão impressionante acidente, não perde a desenvoltura, levanta-se pálida e enrubescendo-se aos poucos, sacudindo-se, articula:

Minhas senhoras, muitíssimo agradecido. Não me feri, tenho todos os movimentos livres, a cabeça está um pouco zonza, mas não sinto dor. Muito obrigado. Podia ter sido pior. Sou muito grato a todos. Desejo que façam ótima viagem.

O imprevisto não provoca risos. Não há motejos. Revela-se, antes, louvável solidariedade humana.

* * *

Embarca-se, finalmente, o último volume despachado pelo Sr. Antônio Tironi. Desamarram-se os cabos que mantêm o gaiola encostado à barranca do rio, e retiram-se as pesadas pranchas que são os planos inclinados, auxiliares da modesta estiva do precário porto fluvial.

Agitam-se os lenços em despedidas e formulam-se votos de boa viagem. Empurrado pelos marinheiros o barco alcança água, à farta, e as pás movimentam-se com o seu bate-bate contínuo de encontro à massa líquida. E, à medida que Colatina desaparece, a mata dos arredores do Rio de Santa Maria vai surgindo e, por fim, a foz desse caudal que, também, se engrossa com as águas do afamado Vale de Canaã, percorrido por Lentz e Milkau, célebres vultos da colônia alemã criados na notável obra que imortalizou Graça Aranha.

* * *

Em Colatina o Rio Doce tem de largura cerca de setecentos e cinqüenta metros. Aumenta, acima da embocadura do Santa Maria e, então, aparecem coroas e ilhas baixas. Nestas, como em outras, e nas beiradas inundáveis, divisam-se ingazeiras, algodões-do-brejo, urtigas diversas, imbaíbas, ubás…

As canas-bravas ou candiubás estão, nessa época, apendoadas. Banham-se na luz forte do sol que enlourece os seus pendões, as suas flechas, cuja cor desmaiada de enxofre contrasta com a verde-clara, reluzente, das longas folhas lanceoladas.

Daí para cima vai a largura do rio diminuindo progressivamente até à Cachoeira das Escadinhas, sendo navegável sem mais estorvos.

* * *

Coleia o navio nessa parte mais larga uma das ilhas baixas quando, assustados, anus-corocas ou coróias de “plumagem negra, lustrada de azul-ferrete e verde-cúpreo”,[ 96 ] alçam sua algaravia e lá se vão afastando, voando, rápido, de galho a galho.

Indiferentes à fuga dos anuns e ao seu estardalhaço dois passageiros, rio-docenses, conversam com o mestre sobre assunto relativo à seca e ao rio. Concordam que as chuvas estão prestes a cair, porque a saracura na véspera, ao anoitecer, cantou no morro; porque o sol, na hora do ocaso, se encobriu muito vermelho; porque a cerração, depois de nascer o sol invadiu o rio; e, ainda, porque os quero-queros, à noite, reclamaram; que a enchente será muito grande porque os ninhos de japira estão por demais altos em relação ao nível atual do álveo do rio. Na volta é possível que a enchente já esteja começada e se as águas já tiverem subido mais de um metro a viagem de Colatina a Linhares será feita em três horas. Está chegando a quadra de serem pescados, nos Rios Doce e São José, os deliciosos robalos, e, em Colatina, na correnteza da pedra, a saborosa cumbaca.[ 97 ]

E nesse discretear profetizavam a alteração do tempo baseados em indícios colhidos pela experiência, em conhecimentos transmitidos pela tradição. As exceções, porém, são freqüentes e causam desapontamentos chocantes. E foi o que aconteceu naquele ano de 1905 em que, só no fim da segunda quinzena de novembro, teve início a enchente desejada, e das maiores que se há registrado.

* * *

A separação, em certo trecho, dos espigões que fenecem na margem direita do rio, observada de longe, descobre pujante matagal que se adentra por uma escavação de desgaste milenar, protegida por um dossel verde de matizes variados, pintalgado de amarelo, róseo, branco e vermelho. E quando se vai avançando, a estreiteza da depressão alarga-se, devagar, os montes laterais destacam-se tomando formas arredondadas, e o Rio de Santa Joana corre através da planície até desaguar no Rio Doce.

Espantadiço penetra no intricado da selva o jaburu, enquanto queixadas de cerdas eriçadas fogem estarrincando os dentes, zoando, roncando, em marcha acelerada na trilha que vão fazendo. Somem-se, também, os caras-sujas, que grazinam na corindiúba, ao passo que a preguiça, repimpada no alto da imbaíba, olha sisuda, imóvel, apática.

É que o gaiola fronteando com o Rio de Santa Joana apavora a bicharada.

Vencida mais uma estirada, abica ele num porto de lenha de nome condizente com a topografia que o cerca. Chama-se Catita. Tudo ali é empolgante e condensado num painel admirável. Está a casa única de Catita situada na margem direita do rio. É coberta de telha, rebocada, caiada, assoalhada. Nela há três compartimentos e cozinha. Por detrás continua o terreno em suavíssimo aclive, na frente está o rio e, depois, o paredão de cerros que o delimita. Há pequena lavoura. Desmaninha-se o terreno.

Abastecido, desatraca o navio e retomando a derrota é saudado, repetidamente, a cerca de meio quilômetro, adiante, por um acauã que na copa de uma gameleira esganiça o som onomatopéico: “acauã, cauã, cauã…”

Perlongando, ainda, a margem direita observa-se que a encosta íngreme de gnaisse se eleva das águas, a princípio temporizada, para se revestir, gradualmente, de vegetação xerófita rasteira, de arbúsculos, arbustos, arvoretas e, no cume da montanha, de árvores frondosas de troncos avantajados. Ao sul, no fim do declive está a superfície apertada constituindo a cela, a garganta, que divide as águas dos Ribeirões de Catita e de Porto Belo.[ 98 ]

Na época de inflorescência avistam-se de bordo belas flores de cactáceas e principalmente de certa liliácea de corola [ 99 ] Esta, em reboleiras, chama a atenção dos passageiros porque está florida.

— Como são bonitas! Como são lindas!

No limite dessa encosta rochosa distinguem-se árvores espaçadas de caules esquisitos, cilíndricos a partir do solo, avolumados, quase globosos, a seguir e, depois, na forma corrente até à galhada sem folhas. São as barrigudas. Por entre essas bombacáceas aparecem as conhecidas euforbiáceas — os arre-diabos — e ao desflorestado, rio acima, sucede a capoeira fina ou a pastagem maltratada, praguejada de cipós-caboclos, dos de são-joão, de malvariscos, malmequeres, guaximas, marias-pretas…

O batel atinge a embocadura do Ribeirão de Porto Belo. Em sua margem direita, em um altiplano, há uma cabana muito aprazível, coberta de tabuinhas com quatro cômodos. É a residência de Dr. Hermann Tautfeus Belo[ 100 ] quando, raramente, lá passa alguns dias. Na esquerda fica uma choupana ocupada por um homem preto e família. Em frente está a ilha do Dr. Belo, onde há uma desenvolvida criação de cabras.

* * *

E os matagais dominam novamente as margens do rio que desliza entre serras, das quais se originam grotas, grotões, lacrimais e córregos. Aí se deparam… no descrever do poeta, também a mesma flora variada, opulenta.

Hartos troncos, luzidios
Uns, rofos outros, uns desempenados,
Outros recurvos, tortos, semelhando
Em contorsões, vultos de condenados.[ 101 ]

Um desmatamento, uma tapera e um rio chama a atenção dos viajantes. É o modesto desaguar do Laje. E que vêem? Cabeças que, rápido, emergem e imergem. Nas emersões bufam, guincham.[ 102 ] Nas imersões deslocam-se reaparecendo em outros pontos, fugindo. “São ariranhas”, esclarece um entendido. Os guinchos são dos filhotes, das lontrinhas. É difícil caçá-las. E é de lamentar-se porque o couro é bem cotado.

Os espigões íngremes mais e mais se acercam do rio que lambe suas bases curvas, desgastadas, alisadas. Nela os cameleões irisam-se, correm, emparelhados ou não, por entre gravatás e liquens, vencendo aclives e, depois, cansados, papejam sob a sombra minguada dos cactos.

* * *

Vingado esse trecho de margens ásperas, sucede-lhe uma planura pouco extensa e na riba esquerda do rio descobre-se um grupo de índios. São mansos, dizem. São os bugres do Capitão Nazaré; o que, segundo dizem, se avistou com o Imperador D. Pedro II, e ele, com orgulho, não se esquece desse fato. Narra-o, sempre, sentindo-se feliz de relembrá-lo.

— Na mansidão desses tapuios não acredito eu -insinua um passageiro.

— São mansos, sim, quando lhes dão roupas e eles vestem-nas, mas quando entram, de novo, ria mata, e despem-nas, tornam-se bravos como dantes. Há muitos fatos que comprovam isso.

Intensa divergência campeia entre os viajantes. Uns opinam pela falsidade do Capitão Nazaré e de sua maloca na selva, outros defendem-nos como sendo uma tribo reconhecidamente amiga dos civilizados, incapaz de praticar uma traição…

Enquanto isso os índios acenam, gritam, algazarram e o navio deles se afasta, celeremente.

* * *

As pás rebatendo a água e o rechinar do motor, em cadência interminável, ninam os passageiros que, esmorecidos, adormecem.

De súbito um tripulante brada:

— Muitos patos! Na água, debaixo da jaribara!

E outro contesta:

— Patos, cousa nenhuma! São urubus. É carniça. Deve ser o cavalo preto de Seu Buriche. Estava doente, todo pelado. Decerto morreu, e ele, provavelmente, mandou arrastá-lo e lançá-lo no rio.

Os que dormiam despertam, querem certificar-se do que ouviram, e atentam o rodopiar dos corvos, e sentem o cheiro nauseabundo da carniça e dos urubus, que crocitam, e uns dão bicadas na podridão, e outros voluteiam, no ar, desengonçados, medonhos…

Já se está longe do ambiente empestado e os comentários continuam acalorados, apaixonados.

É prática que não pode prevalecer. O rio não deve ser depósito de lixo, de animais mortos, porque isso concorre até para disseminar as epizootias. E todos bebem, e nós bebemos, essa água impura, contaminada, arriscando-nos a contrair infecções.

Há, porém, os que, de supetão, afirmam que água do Rio Doce não faz mal a ninguém. Ingerem-na os pobres durante todo o ano e não causa moléstias. Filtros são invenções modernas. Nossos avós não os conheciam e conquistaram o país, dessedentando-se nos rios que percorreram, varando pela mata adentro e pelos sem-fins ignorados. E, de modo particular, a água do Rio Doce é saudável, é benéfica. Querendo-a clara, transparente, cristalina, basta depositá-la. Colocada em porongos ou porrões, em poucos dias está em condições de ser decantada, e conserva-se meses. Não se corrompe.

Por fim houve um consenso geral e todos se harmonizaram concordando que, efetivamente, o rio não deve ser o receptáculo de imundícias. Todavia nessa conclusão não consideraram, no debate, os processos de expurgação, de imunização da água para tomá-la higiênica. Essas idéias não estavam, ainda, suficientemente difundidas.

* * *

Insinuando-se através de terrenos escabrosos precipita-se, em profundo valo cavado na fraga, o Ribeirão dos Queixados, que deságua no rio borbotando, e na margem esquerda, quase em frente, o Mutum, reúne-se ao grande curso, timidamente, ocultando-se. Serpenteando desde a nascente por entre serranias e mataria, pouco volumoso, ele vem humilde, por obrigação geográfica, trazer, render, prestar ao mestre a vassalagem que lhe é imposta.

Acima da foz do Mutum jaz um araxá desflorestado e da copa de um óleo-vermelho, no aceiro partiam os tinidos de uma araponga correspondidos pelos de outras que se adentraram na mata, em direções diversas. É um concerto impressionante em que o nervosismo do martelar se conjuga com o cadenciado estridente que, pouco a pouco, se monotoniza.

Lá nas alturas passam voando casais de papagaios galreando. O navio apita. Já se enxerga o Porto da Esperança, onde o Sr. João Buriche se estabeleceu com uma bem sortida casa comercial. Atraca-se.

E, agora, a recepção, os cumprimentos, as indagações, os oferecimentos e a lida rotineira. Descarrega-se o barco. Faz-se a conferência dos volumes recebidos com os que constam nos conhecimentos. O gaiola não vai demorar-se. Procede-se, diligentemente, ao embarque de mercadorias.

* * *

Do Porto da Esperança até a barra do Manhuaçu as matas virgens não alcançam a margem direita do rio. Dela se afastam, geralmente, de mais de meio quilômetro. Há lavouras, capoeiras e capoeirões.

Contíguo à casa do Sr. Buriche há um pequeno pomar e nele trinam canários, coleiros, gaturamos, sanhaços e outros. Ouvem-se os gorjeios do sabiá que não depende do favor de alguém para gorjear e regorjear, e que não é como a flauta de prata, metida em rico estojo de veludo; mas que só canta com o sopro dos lábios do artista.[ 103 ] Saltando de galho em galho uma rabilonga, com falsos miados e sem direção definida, avança, recua, requebra-se. E junto à cerca do pomar, nos mais altos ramos de um mururu, os pitanguás esgoelam “bem-te-vi, bem-te-vi, bem-te-vi” e trincolejam “siriri, siriri, siriri”, cada vez que, em vôos rapidíssimos, apresam insetos de toda espécie.

No terreiro os perus grugulejam e fazem rodas ostentando as caudas que formam leques, enquanto os “estou-fracas” distribuem bicaços às galinhas que atitam, e aos patos que gracitam enfrentando-os. Todos, porém, estão alerta e esperam o milho que será atirado a mancheias.

Numa janela, pousado sobre um taco, embutido em uma tábua de pequenas dimensões está acorrentado um papagaio que não cessa de piruetar e de grasnar: “meu louro! meu louro! vem cá meu louro… dá, dá, dá…” Também ele compartilha a expectativa das outras aves e já aplaude, ruidosamente, o amilhar prestes a aparecer. Está na hora da ração. De uma pocilga distante partem grunhidos e mais grunhidos. São os porcos que reclamam o seu quinhão.

* * *

O apito de bordo ressoa. É a chamada dos passageiros. O término da viagem não está longe. Percorrido mais um estirão será ele alcançado. Um vento do Nordeste, brando, verga, ligeiramente, hastes, colmos, arbúsculos e arvoretas e os dois rio-docenses, logo após a partida do barco, retomam com o mestre, desapontados, o tema da manhã — a seca e o rio — e observam.

Os indícios de chuvas estão desaparecendo. O sol lá no ocaso está vermelho ainda, mas é fumaça por amor das queimadas. Tudo parece ser neblina seca. No zênite e para o ocidente lobrigam-se, além da neblina rala, os rabos de galo que se misturam no céu pedrento e — céu pedrento é chuva ou vento. Hoje os bichos não estão confirmando mudança de tempo próxima e se o vento se mantiver e aumentar, adeus chuvas. Elas não virão tão cedo. E já se reclama contra a estiagem. Lá na barra o clamor é geral, até parece que se está no tempo do Padre Anchieta.[ 104 ] E aqui é o que se vê, tudo queimado, estorricado.

Mas ouçam: efetivamente não choverá, porque está formada a “capela de bugios”.[ 105 ] E os barbados estão roncando, nesta hora das ave-marias. Anunciam, pois, seca. Durante a noite ou ao amanhecer estariam vaticinando chuvas.[ 106 ] Correndo irregular a estação não se plantará e até farinha de mandioca importar-se-á. Conformemo-nos, porém, com a vontade de Deus.

O silvo do “caixa-de-fósforo” previne os passageiros de que a viagem está atingindo o fim. Não tarda, e ele proeja e amarra-se à terra.

Já se está em Porto Final.

_____________________________

NOTAS

[ 91 ] Angyone Costa, Indiologia, p. 263.
[ 92 ] Xenócrates Calmon, O Centenário do Município de Colatina, Revista do IHGES, n. 7. p. 190-1.
[ 93 ] Salm de Miranda, Rio Doce (Impressões de uma época), p. 30.
[ 94 ] Colatina Nova surgiu depois de construída a estação da Estrada de Ferro Vitória a Minas, que foi locada pelo autor em 1906.
[ 95 ] João Ribas da Costa, Canoeiros do Rio Santa Maria, p. 21.
[ 96 ] De Wied, Viagem no Brasil.
[ 97 ] A cumbaca também é chamada em outros lugares amijá, chorão e cachorro-de-padre. Em São Mateus, no Espírito Santo, é considerada, por muitos, o melhor peixe de água doce e é conhecida por “judeu”.
[ 98 ] O autor fez o reconhecimento desta região tentando mudar o traçado da Estrada de Ferro de Vitória a Minas da margem do rio. Os estudos não deram resultado satisfatório.
[ 99 ]  O autor conserva, até hoje, no seu pequeno jardim, em Vitória, a liliácea colhida nessa encosta.
[ 100 ] Era um dos agrimensores, chefe do serviço de terras do Espírito Santo, já falecido.
[ 101 ] Alberto de Oliveira, A Mata.
[ 102 ] H. Florense, Zoophonia, apud Rocha Pombo, obra citada, Vol. 1, p. 537: “O grito dessa espécie de lontra se parece com o choro de uma criança de peito…”
[ 103 ] Coelho Neto, A Flauta e o Sabiá.
[ 104 ] Aludem à lenda de um verão bruto testemunhado pelo Padre Anchieta, cujo final é assim descrito por Beresford Moreira: “Os areais parecem de brasa. E as árvores, principalmente as almesqueiras, estiolam-se, sucumbem, exalando perfume. Em torno delas – a asfixia pelo aroma.” [Obra inédita, p. 109].
[ 105 ] Hércules FIorence, citação da História do Brasil, de Rocha Pombo, p. 537.
[ 106 ] A. Wallace, citação da História do Brasil, de Rocha Pombo, p. 527.


[Reprodução da primeira edição publicada pela Livraria e Editora José Olympio, Rio de Janeiro, em 1959, como parte da Coleção Documentos Brasileiros. Publicado originalmente no site em 2004.]

Ceciliano Abel de Almeida (autor) foi engenheiro da Estrada de Ferro Vitória a Minas, tendo trabalhado nos primórdios de sua construção, sendo também responsável por importantes obras de infraestrutura no Estado. Foi o primeiro prefeito de Vitória, ES, professor de ensino secundário no Ginásio Espírito Santo e primeiro reitor da Universidade do Espírito Santo, quando de sua fundação como instituição estadual.

Deixe um Comentário