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O jogo das pedrinhas

Jogo das pedrinhas, Vitória, ES. Na fotografia que ilustra a 'ponte' ou 'arco' a menina é canhota. Foto Guilherme Santos Neves.
Jogo das pedrinhas, Vitória, ES. Na fotografia, que ilustra a ‘ponte’ ou ‘arco’, a menina é canhota. Foto Guilherme Santos Neves.

As meninas de hoje em dia, quase deixaram de lado, perdido no tempo, o interessante jogo das pedrinhas, também conhecido entre nós, como belisca ou cinco Marias. É jogo dos mais antigos. Basta dizer que nos vem ele da velha Grécia, ou de Roma, segundo diz-se se pode ver em antigas pinturas de eras seculares.

Todos os povos o conhecem e seria, de fato, uma pena ficasse esse jogo relegado, à margem da porção de divertimentos de que é tão rico o nosso folclore infantil.

Felizmente, durante o mês de setembro, folgamos de ver, ali em Jucutuquara (mas só em Jucutuquara…) grupos de meninas, jogando, nas calçadas, o interessante jogo das pedrinhas. Fixamos o fato nas fotografias que aqui estampamos.

Compõe-se o jogo, de 5 pedrinhas de tamanho regular, polidas, roliças, e que possam caber numa mão mais ou menos fechada. Jogam-no duas ou mais crianças, começando o jogo aquela atirando as pedrinhas para o alto, conseguir recolher, nas costas da mão, o maior número de pedras. Inicia-se, então, o jogo, que atenderá às seguintes partes ou tempos.

1º — Atira, a jogadora, as pedrinhas ao chão, sem espalhá-las muito. Escolhe sua pedra principal o “galo”, atira-a para cima, e, antes de recolhê-la com a mão, apanha, ligeiro, na mão, uma das pedras do chão. Depois. com o mesmo jogo do “galo”, colhe a segunda pedra, depois a terceira, e por fim, a quarta.

2º — Atirando o “galo” para o alto, recolhe, de um só golpe, duas das pedras do chão; depois, do mesmo modo, as outras duas. Em seguida, postas no chão as quatro pedras, recolhe com o mesmo jogo do “galo”, três pedrinhas de uma vez e, depois, a que sobrou. Novamente postas as quatro no chão, apanha-as todas de uma só vez, precedendo o lance com o mesmo jogo do “galo” para o alto.

3º — É a “troca” — Joga-se o “galo” ao alto, apanhando-se uma pedra no chão. Depois, joga-se novamente o “galo” para cima e troca-se, rapidamente, a pedra que está na mão por outra qualquer do chão. Assim se procede até que tenham sido “trocadas”, uma a uma, todas as pedrinhas do chão.

4º — A “ponte” ou “arco” — Seguram-se na mão direita as 5 pedras. Põe-se a esquerda no chão, de modo que haja regular abertura entre o polegar e o indicador apoiados no solo, como se fosse um arco ou ponte. Em seguida, como se vê numa das fotos que ilustram esta página passando a mão direita sob a esquerda, jogam-se, por cima desta, as cinco pedrinhas, tendo-se o cuidado de não deixá-las cair muito separadas. Depois, recolhido o “galo”, pede-se ao adversário que indique, entre as 4 pedras restantes, aquela que deve ser jogada em último lugar. Será indicada, naturalmente, a pedra mais distante da “ponte” e mais difícil de ser jogada. Após isto, o jogador, atirando o “galo” ao alto, rapidamente fará passar, por baixo da “ponte”, uma a uma, as 3 pedrinhas, e, por último, a que foi indicada pelo adversário.

Em qualquer das partes ou tempos, constituirá erro — a) deixar cair o “galo”; b) bolir ou, mexer em qualquer das pedrinhas do chão ao tentar recolher qualquer das outras. Talvez provenha desse cuidado em não bolir nas pedrinhas do chão, o nome de “belisca” que também se dá a esse jogo infantil. c) Também cometerá erro a jogadora que deixar cair, das costas da mão, qualquer das que aí recolheu. Cometido qualquer desses erros, a jogadora perde a vez, passando a jogar a segunda colocada. E assim sucessivamente.

Em Muniz Freire e também em Cachoeiro de Itapemirim, acrescenta-se aos tempos indicados, mais um — o da mão pelada”. Seguram-se as cinco pedrinhas e jogam-se ao alto, recolhendo-se nas costas da mão, o maior número delas. Se forem recolhidas as cinco, são elas atiradas para cima e apanhadas, em seguida, todas elas, na concha da mão. Se em vez de cinco, apanharem quatro, ou três, ou duas, faz-se o mesmo gesto atirando-as para o alto e recolhendo-se, de uma só vez, as que restarem no chão, aparando-se, em seguida, na concha da mão, as que foram jogadas ao alto. É preciso, como se vê, muita destreza e agilidade no lance, para não se cometer o erro de deixar alguma das pedrinhas no chão.

Está claro que a ordem dos tempos ou partes pode ser alterada, segundo o que se combinar antes do jogo. Também é possível que faltem, nesta ligeira descrição, alguns lances. Estes que aí ficam eu os consegui, de pronto, entre as minhas alunas do Colégio do Carmo, que também me ofertaram dois belos e polidos jogos de pedrinhas.

Cecília Meireles também se referiu a este antigo jogo infantil em um dos seus interessantes artigos ” Infância e Folclore”, na A Manhã, do Rio. Aí se diz que o jogo é, em certos lances, acompanhado de uma lengalenga cantada – fato que não pude observar aqui no Espírito Santo.

Termina a ilustre folclorista o seu breve estudo, ressaltando o interesse desses jogos infantis, como um dos capítulos mais dignos de estudo, por parte dos pais e especialmente dos professores, certamente porque, como no das “Cinco Marias”, são eles, em regra, “excelente exercício de agilidade e atenção”.

Quem dera que chamando aqui o interesse de todas as meninas capixabas para o velho jogo das “pedrinhas”, para o desprezado “belisca, retornassem todas a ele, reavivando, assim, um dos mais divertidos e pitorescos brinquedos do nosso belo folclore infantil.

[Artigo publicado em Folclore, Vitória-ES, n. 7-8, de julho-outubro de 1950]

Guilherme Santos Neves foi pesquisador do folclore capixaba com vários livros e artigos publicados. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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