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O nome da cidade


Não fosse a importância do material bibliográfico de acesso dificultado, que andei manuseando, e eu deixaria o assunto, em definitivo, com os linguistas.

A minha intenção é tão-somente a de pôr ao alcance dos estudiosos o veio encontrado, contribuindo, assim, para o estudo etimológico do nome da cidade de Cachoeiro de Itapemirim.

Convenci-me de que pouco adiantaria o recurso dos nossos léxicos, unânimes, na maioria, em definir o vocábulo cachoeira, corruptela do tupi (de — cá-tã-ierê — “quebra-duro e derrama-se”), como “salto na corrente de um rio onde a água faz cachão”. Sabe-se que não existe, no rio Itapemirim, no local onde se situa a “Princesa do Sul”, nenhuma cachoeira.

O Governador Francisco Alberto Rubim, que pode ser considerado como o fundador da cidade, escreveu num ofício datado de julho de 1819, ao referir-se à medição de uma estrada que ele mandou abrir: “… Principia próximo do Quartel da Barca que fiz levantar na margem do Sul do rio Itapemirim defronte da primeira caxoeira seis léguas para o sertão da vila de que faço menção…”

O mesmo Rubim, primeiro historiógrafo capixaba, nas célebres Memórias Estatísticas, que deram muito pano para manga, servindo de subsídios para os baianos reivindicarem quase a metade do território espírito-santense, em ofício endereçado ao Conde da Barca, em junho de 1816, grafou, conforme se pode ler no original, pertencente ao Arquivo Nacional: “… O primeiro caxoeiro deste rio dista dela [Vila do Itapemirim] seis léguas…” Um outro governador da Província, Machado de Oliveira, ao transcrever esse documento, em 1856, na Revista do Instituto Histórico, modificou o texto e a grafia: “… O primeiro cachoeiro deste rio dista da vila 6 léguas…”

Em 1 de fevereiro de 1818, Francisco Antônio de Paula Nogueira da Gama oficiava ao presidente da Província, Inácio Acióli de Vasoncelos, prevenindo da hostilidade repetida do gentio e lembrando a conveniência de guarnecer o “Quartel de Pombal, na vizinhança do rio Santa Maria, bem como o da Barca de Caxoeiro de Itapemirim” [sic] “… Para que o destacamento do Caxoeiro [sic] se conserve ali efetivamente, sem distraição dos praças que o compõem, lembro-me ser muito conveniente que V. Exa. expeça as primeiras ordens a fim de serem estas socorridas de seus respectivos vencimentos e farinhas pelo Recebedor das Rendas Públicas de Itapemirim”.

Faustino José Schultz, relatando, em carta divulgada pelo Governador Rubim, a viagem que fez, em 1825, à Aldeia Velha e ao Rio Doce, escreveu: “… Passando a examinar as matas do rio Santa Maria e do rio Jem até aos primeiros cachoeiros…”

O citado Presidente Machado de Oliveira recebeu, no ano de 1841, um ofício da Câmara Municipal da Vila de Itapemirim, no qual consta: “O rio é navegável em canoas até 6 léguas de distância e nesse ponto principiam os caxoeiros ou saltos do rio que impossibilitam as conduções por via d’água; necessário será para o futuro, logo que se estabeleçam relações comerciais com o povoado de mineiros, o estabelecimento de armazéns públicos ou particulares naquele ponto para nele se arrendarem as mercadorias que ali afluírem…”

Noutro documento, da mesma procedência, endereçado ao dito Presidente e datado do mesmo ano, lê-se: “… A Câmara vê, com bastante mágoa, que a estrada que conduz ao Cachoeiro pela margem do Sul deste rio Itapemirim está inutilizada…”

José Fernandes da Costa Pereira Júnior, a cujo encargo também esteve confiado o governo capixaba, oficiava, em 1863, à Assembléia Legislativa Provincial: “Ponte sobre as Caxoeiras de Itapemirim: orçada em dois contos de réis”.

O Governador do Espírito Santo, Inácio João Mongiardino, em relatório datado de 11 de setembro de 1790, informando sobre o Rio Doce, escrevia: “… Pelo Rio acima, hum largo dia de viagem, se encontra hua formidavel lagoa, chamada a Doce, que pela sua grandeza, parece ínvia; desta para cima, dois dias de viagem, se encontra huas ilhas, e pelo meyo alguns Caxoeiros, que nos tempos das aguas, se inundão aquelas ilhas”. O dito Capitão-Mor escrevia, em 1790: “… das minas de Castelo para cima não há mais navegação, por causa de haver alguns caxoeiros despenhados…”

Outro documento coevo, que pertenceu ao historiador Alberto Lamego, ao tratar de explorações de ouro no Itapemery, assinala: “… É rio caudaloso com dificultosa barra, por ser arenosa, onde com muito risco, apenas entram canoas às Minas do Castelo que da costa hão de distar por rumo, mais de 30 léguas e pelas voltas do rio, muitas mais. Navegando três dias e passando o cachoeiro com trabalho, se chega ao Porto, onde deixando as canoas se caminha por terra”.

Num livro de notas, pertencente a um cartório campista, estava registrada, em 1736, referência a um pioneiro na fundação da Aldeia de São Fidélis, no Paraíba, lendo-se: “… chegando por bem duas vezes a acudir com quazi toda a família humas tres legoas ou mais desta Aldeya para cima por cachoeiros quazi inavegaveis”.

Na sesmaria concedida a José Cláudio de Souza (o avô de Afonso Cláudio), em 1816, consta: “Meia légua de terras em quadra nas margens do rio Santa Maria, junto ao Caxoeiro onde já se acha estabelecido…” O Imperador Pedro II, quando visitou o lugar, na manhã de 29 de janeiro de 1860, escreveu no seu caderninho de notas: “pouco para cima do porto de desembarque, margem direito do caxoeiro de José Cláudio, há a caxoeira grande…”

Parece muito esclarecedora a observação do suíço Barão de Tschudi, o qual esteve visitando o Espírito Santo em dezembro de 1860: “… a palavra cachoeira compreende, na língua do país, desde as quedas d’água até as corredeiras…”

O vigésimo segundo presidente da Província, Dr. Sebastião Machado Nunes, visitando a região do Itapemirim, em 1854, comunicou ao Governo da Corte: “… Passando por esses lugares tive ocasião de observar com muito prazer que uma população laboriosa e empreendedora vinda das províncias do Rio de Janeiro e Minas, se tem estabelecido nos caxoeiros do rio Itapemirim e margens do Castelo, por onde já se encontram muitas fazendas bem principiadas…”

A Secretaria do Governo capixaba comunicava, em expediente do dia 19 de fevereiro de 1855, ao presidente do Governo mineiro: “… que se acha pronta uma estrada que comunica o lugar denominado Abre-Campo — desta província — com o município da Vila de Itapemirim a qual dá trânsito a cargueiros e cavaleiros desde o Caxoeiro de Itapemirim (porto de embarque) até Santa Cruz, na estrada de S. Pedro de Alcântara, vindo por conseqüência, segundo consta, a ter-se franca comunicação desde o dito Caxoeiro, até Ouro Preto com 59 léguas…”

O Capitão Francisco de Souza Monteiro (proprietário da Fazenda Monte Líbano) escrevia no Correio da Vitória, de 22 de junho de 1859: “… José Pereira de Amorim, em dias do ano de 1852, dirigiu-se ao Cachoeiro de Itapemirim [sic!] carregado de armas, dizem que para assassinar o falecido Bernardino Ferreira Rios…”

No texto elucidativo da “Breve Notícia Descritiva Sobre a Província do Espírito Santo”, que acompanha a planta da Província, organizada pelos engenheiros Cintra e Rivière, em 1878, há referência ao rio Itapemirim, navegável por pequenos braços, desde a foz “até a Vila do Cachoeiro”.

César Marques, no Dicionário da Província do Espírito Santo, publicado em 1879, referindo-se ao rio Piraquê-Açu, escreve: “… No inverno chegam as canoas até o sítio do Simão, pouco abaixo do primeiro cachoeiro”. E, na página seguinte, ao tratar do rio Piúma: “Termina a E com o oceano, a W com o distrito do Cachoeiro por uma linha tirada da marca do Colégio aos Cachoeiros do rio Itapemirim…”

Quando, na Freguesia de São Pedro do Cachoeiro, se editou o seu primeiro jornal, O Itabira, isto é, em 1866, ainda não estava firmada a grafia do nome do lugar. Uma notícia, no sexto número dessa folha, declarava, sobre o Capitão Deslandes: “… ainda a esse incansável cidadão se deve o ensaio da navegação do rio Itapemirim, de sua foz às Cachoeiras…” E, no mesmo número, outro tópico: “Ainda hoje não teríamos a matriz das Cachoeiras se não conhecesse a freguesia a fortuna de vir nela residir o prestante cidadão Antônio Francisco Moreira, que fez construir a expensas suas…” E, mais esta: “Há grande necessidade de uma ponte nas Cachoeiras, prestes a tomar o lugar entre as mais importantes vilas da província”.

No corpo de redatores do jornal, destacava-se a colaboração de Basílio Daemon, autor de uma História Cronológica da Província, contendo diversas informações relativas ao Município, publicada em Vitória, no ano de 1889, e em cujas páginas foi grafado Cachoeiro acertadamente, com ch e no masculino. Quatro anos antes, o Padre Antunes de Sequeira, no seu poemeto descritivo da Província, fazia uso da grafia antiquada, do tempo do Governador Rubim. Eis como se referiu ao rio, no seu curso caudaloso:

Nele cruzam em fluvial carreira
Dous vapores muito regularmente,
Vão do Itapemirim à Caxoeira,
Quando das águas lhe permit’ enchente.
Dali voltam em viagem prazenteira,
Conduzindo carga e muita gente:
Tudo ali então é vida ativa,
Ao trabalho ninguém jamais s’esquiva.

Após fazer alusão às personalidades mais evidentes do Itapemirim — o vigário Martins; o Amorim; o Dr. Horta; Gregório Magno e Pimentel — prossegue o canto:

Com seus ares tristonhos e sombrios
Dividindo um rio ao sul e norte
Surge entre doces murmúrios
Pequeno — Caxoeiro — rico e forte.

É de notar que já no ano da publicação deste poemeto (1885) se escrevia o nome certo e por extenso. Alfredo Mário Pinto, nos Apontamentos para o Dicionário Geográfico do Brasil, registrou: “… Da Câmara Municipal dessa cidade recebemos, em 1884, a seguinte informação: A sede do município é a cidade de Cachoeiro de Itapemirim, que tem recente data, pois que a primeira casa construída foi no ano de 1846.”

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Levy Rocha nasceu em 14 de merco de 1916, em São Felipe, então distrito de São João do Muqui. Graduado em Farmácia, residiu em Cachoeiro de Itapemirim e no Rio de Janeiro, interessando pela história de seu Estado natal. Publicou vários livros. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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