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O primeiro aterro da Prainha

Muito antes do grande sepultamento dos pontos que contavam as mais remotas tradições históricas do nosso estado o “porto seguro” da Prainha teve seu primeiro aterro por volta de 1912, quando o governo Jerônimo de Souza Monteiro projetou modernizar o transporte de massa através dos bondes elétricos, cujo êxito era uma realidade nas principais cidades do mundo.

Primeiramente construiu a linha desde a Praça da Bandeira no coração de Vila Velha até Paul, na margem do porto. Dai para Vitória, a mesma empresa dos bondes oferecia bom serviço das lanchas Elizabeth e Santa Maria.

Pouco tempo depois o moderno serviço de transportes deveria ser estendido desde a Praça da Bandeira até a guarita do antigo Terceiro Batalhão de Caçadores sediado na Praia de Piratininga. Para isso bastava prolongar linha de ferro em cerca de dois quilômetros, serviço que foi logo contratado em benefício dos militares ali aquartelados.

Esse pequeno trecho, deveria percorrer a orla da Prainha, passando pelo portão dos fiéis ao Convento e o trecho final que margearia a Praia das Timbebas, até chegar no alto do monte Ucharia, onde estava a guarita do Exército.

Todavia, no trecho que passava pelo Portão de Acesso dos Fiéis para o Convento surgiu um problema de ordem técnica que consistia na diminuição do raio de curvatura da linha em torno da pedra sobre a qual Frei Pedro Palácios construiu o Oratório que abrigava o painel de Nossa Senhora da Penha.

Segundo o engenheiro responsável pela execução essa era uma questão de fácil solução porque, bastava transferir o pequenino oratório para a pedra ao lado e eliminar com fogo de dinamite aquela que impedia a execução com a curvatura da linha de acordo com a boa técnica. E, estando assim decidido, marcou dia e hora para anunciar aos interessados aquilo que,. por si só, resolvera realizar.

Através da empresa, solicitou a presença dos interessados no local da obra. Eram eles, o guardião do Convento, o Prefeito da cidade e o Comandante do Terceiro Batalhão de Caçadores.

No dia e hora aprazados, o doutor engenheiro expos a questão nos mínimos detalhes e, quando perorava qual prosélito que anuncia nova verdade, o Capelão Padre José Lidwin conhecido como um homem bravo e muito zeloso com as coisas do convento, o interrompeu assim:

— Senhor Doutor Engenheiro, escuta-me por favor.

Tanto as autoridades presentes como o encarregado dos serviços e os operários, todos enfim, volveram suas atenções para aquele sacerdote robusto, de batina negra coberta por guarda-pó banco e tendo na mão esquerda a rédea do seu cavalo que diariamente o conduzia para todos os cantos de Vila Velha, que dizia:

— Desde quando o senhor acha que Nossa Senhora deverá sair do lugar que é dela para que o senhor possa continuar seu trabalho ? Por acaso, o senhor gostaria que eu chegasse na sua casa e entrasse na sua sala com meu cavalo também!?

— Mas reverendo, disse surpreso o engenheiro, eu não quero, de forma alguma, desrespeitar Nossa Senhora, e muito menos invadir o que é dela.

— Pois então, senhor, trate de arranjar outra solução para o seu trabalho sem mexer na pedra onde o Frei Pedro Palácios a colocou. Vou subir para o Convento onde estarei rezando para que o senhor encontre outro jeito e não dinamitem a pedra da Santa. E olhando para os operários, repetiu: Vou rezar muito para que a Santa não fique zangada, nem com ele nem com vocês.

— No dia seguinte o próprio Prefeito viu que todos estavam concentrados na construção de curto arrimo de pedras no canto da Prainha. Esse muro de arrimo teve por finalidade suportar o primeiro aterro naquele ponto onde foi aumentado o raio de curvatura de linha de bondes. Nesta nova solução o mar da Prainha é que foi invadido.

[Reprodução autorizada pelo autor.]

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Jair Santos é arquiteto e professor aposentado, natural de Alegre, ES, autor dos livros Vila Velha, onde começou o Estado do Espírito Santo e A igrejinha do Rosário.

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