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O quartel da barca

O povoamento das margens do rio Itapemirim, trecho navegável, sem embargo, para as canoas, até os Caxoeiros (como se dizia, antigamente), deve retroceder aos tempos de Vasco Coutinho.

Pelo rio transitavam os bandeirantes e, com o concurso dos índios, se extraía e exportava o pau-brasil, que as caravelas embarcavam em frente à povoação de Santa Catarina das Mós.

As fazendas de açúcar e criações de gado cresciam na medida em que eram rechaçadas as tribos hostis dos selvagens.

Sabe-se que o Primeiro Donatário da Capitania tinha uma propriedade “obra de duas léguas pouco mais ou menos” da embocadura do rio, chamada Aguapé.

Em 1818, segundo o sábio-naturalista francês Saint-Hilaire (informação confirmada pelo Governador Rubim), já se podiam contar oito engenhos ribeirinhos. Tais seriam: Areia; Cutia; Cardoso; Barra-Seca; Poço Grande; Paineiras e São Gregório da Ribeira.

A Vila de Itapemirim, conhecida por Caxangá (nome indígena, que se deriva de – mato, xangá – longo), não passava de um lugarejo que regulava, em tamanho, com a decadente Vila Velha; ambas se constituíam dumas sessenta casas, a maioria coberta de sapé e barreada a sopapo.

A fixação de um povoado no Caxoeiro, bem como a abertura das fazendas, rio acima e arredores, somente teriam condições de segurança com a proteção do Quartel da Barca, que o Governador Francisco Alberto Rubim mandou levantar na margem sul do rio “defronte da primeira caxoeira”, conforme ele registrou em documento. O local corresponderia às imediações de onde o comerciante Samuel Levy e o Coronel Luiz Pinheiro construíram, mais tarde, as suas casas.

O Governador rendia uma homenagem ao seu ilustre patrício, Luiz Araújo, Conde da Barca, que fora Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra; autor do projeto da fundação da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro, e possuía, ainda, outros títulos muito honrosos, como servidor do governo de D. João VI.

Para defender as fazendas intermédias das incursões dos Puris e Botocudos e incentivar os lavradores a abrirem novas derribadas e fábricas (conforme chamavam aos engenhos de açúcar e cachaça), o Governador Rubim determinou um patrulhamento em circuito triangular: passava pela nova estrada que ele mandara abrir e que começava no Quartel da Barca; seguia pelo sertão, até a fazenda da Muribeca,na igreja das Neves. A patrulha de Pedestres descia do Caxoeiro até a Vila de Itapemirim, donde prosseguia ao Quartel da Boa Vista,.. situado nas barreiras do Siri, em frente à ilha das Andorinhas; daí, regressava ao ponto de partida, entrando pelo sertão, até o Caxoeiro. Alternativamente, em sentido contrário, marchava uma patrulha do Quartel de Boa Vista.

A 13 de maio de 1816 (dia de aniversário do Augusto Soberano), o Comandante do Quartel da Barca obtinha licença do Governador Rubim para casar-se. Em ofício de agradecimento, ele dizia, no ano seguinte: “…Faz-se também necessário que V. S. dê alguma providência para que haja neste Quartel um forno e roda para a fatura de farinha, possa ter mandioca em termos disso. Recebi os quatro recrutas e ficam considerados como praças no Corpo de Pedestres…” E, adiante: “…Já se acha o terreno do nosso Quartel com uma grande derribada e não se tem botado fogo por estar ainda verde e também algumas chuvas têm feito algum mal.”

O Governador Rubim cuidou, ainda, defender a região norte do Itapemirim e parte do sertão de Benevente. Mandou abrir uma picada do Quartel da Barca em direção ao Quartel da Vitória “que fiz levantar no sertão do rio Piúma, para depois se lhe abrir estrada”, conforme escreveu, em 1819.

O operoso Governador se empenhava em desbravar e povoar os sertões capixabas. Inaugurando a trilha (até os limites de Minas) da importante estrada que ele mandara abrir ligando Mariana ao porto de Itacibá, na baía de Vitória, chegou, através da ramificação do Itapemirim, no arraial do Caxangá, a 14 de novembro de 1815, uma tropa de doze muares, carregados com quarenta e cinco arrobas de toucinho, quarenta arrobas de carne-seca e dezoito rolos de fumo em corda. No ano seguinte, a Estrada Nova do Rubim era concluída. Sua extensão: setenta e uma léguas e três quartos, desde Mariana até Vitória. Tinha a proteção de Quartéis de Pedestres que se distanciavam de três em três léguas. Só no território espírito-santense (32 léguas), foram estabelecidos dez Quartéis, com nomes de vilas e lugares de Portugal.

Por essa estrada, vindo de Minas, chegou a Vitória, a 22 de julho de 1820, a primeira boiada. Mas, os percalços da viagem e o pouco incremento do intercâmbio comercial foram desanimadores.

Em 1830, os Quartéis eram retirados e o mato tomou conta da estrada, também conhecida por São Pedro de Alcântara.

O Quartel da Barca conservou-se, ainda, por muitos anos. Recorda-se que, em 1855, ele tinha a guarnição de uns dez pedestres, além do comandante.

Em 1828, Francisco Antônio de Paula Nogueira da Gama levava ao conhecimento do Presidente da Província, Acióli de Vasconcelos, o “.. quanto convinha guarnecer o Quartel do Pombal na vizinhança do rio Santa Maria, bem como o da Barca de Cachoeiro de ltapemirim [sic]”. E dava conta das providências que tomara, prevenindo-se das hostilidades do gentio: “…fiz marchar prontissimamente uma suficiente força para guarnecer cada um daqueles pontos indicados por V. Exa. e para que o Destacamento do Cachoeiro se conserve ali efetivamente, sem distraição das praças que o compõem, lembra-me ser muito conveniente que V. Exa. expeça as primeiras ordens a fim de serem estas socorridas de seus respectivos vencimentos e farinhas pelo Recebedor das Rendas Públicas de Itapemirim…”

Os pedestres formavam uma tropa de ordem inferior, constituída, ordinariamente, de vinte mulatos ou negros livres, sob o comando de um alferes. Além do patrulhamento, eles faziam o Correio oficial. Ganhavam uma diária de oitenta réis, tão pequena que o Governo os desobrigara de usarem uniforme e dava-lhes a ajuda anual de quatro mil réis, para as roupas.

Quando o português Manoel José Esteves de Lima veio de Mariana (1820), pela Estrada Nova do Rubim, com uma grande comitiva, para povoar a região, encontrou as condições primordiais para colonizar. As vias de comunicação, ainda que precárias, funcionavam, patrulhadas pelos pedestres e palmilhadas pelos tropeiros e “cometas”, ou viajantes.

[In Crônicas de Cachoeiro. Rio de Janeiro: Gelsa, 1966. Reprodução autorizada pela família.]

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Levy Rocha nasceu em 14 de merco de 1916, em São Felipe, então distrito de São João do Muqui. Graduado em Farmácia, residiu em Cachoeiro de Itapemirim e no Rio de Janeiro, interessando pela história de seu Estado natal. Publicou vários livros. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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