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Orelha do livro Vírgula

ORELHA DO LIVRO VÍRGULA

Paulo Roberto Sodré

Ao rol dos glosadores da ausência, dos de Safo, deitada sob as plêiades, Sérgio Blank se junta, dono de seus versos, senhor da persona lírica que vivencia, escruta e define a solidão, “sentença com sete letras e um til”, o tema-rei que impetra para si os acordes dos dezesseis poemas que se apresentam neste livro, Vírgula.

Fruir da poesia de Blank — Estilo de ser assim, tampouco, de 1984; Pus, de 1987; Um, de 1988; e A tabela periódica, de 1993 — requer lições de sobreaviso: ouvido para seus traços imagísticos e ritmos livres; ouvido para os trocadilhos; ouvido para as ironias e alusões; coração sagaz para compreender as vírgulas da emoção assentada entre a eficácia dos versos e o desespero de uma mundividência encurralada pela falta, no caso desses poemas, do dedo de Eros.

As dezesseis estrofes únicas, que compõem cada poema, sovam o tema do indivíduo travado pela agonia de ser só: “a solidão é meu título/ o que eu faço?” Diante disso, o poeta vocifera, mas delicada e ironicamente, sua “sentença”. Remexida, revirada, espremida, a palavra solidão é a senha com que o poeta tenta atravessar o inferno da condição humana: a catarse aguarda o leitor em cada ponto (implícito) do último verso.

Nessa famigerada demanda de sublinhar a ausência, Blank firma a sua maneira de escrever, aduzindo uma estrutura poética que, sem dificuldades, se reconhece como blankiana.

Tal maneira se efetiva, sobretudo, por meio das palavras retiradas da poeira dos dicionários e da estranheza das falas esquecidas: “no fim blefe — noite — vou e avisto em bolandas rir o roto do esfarrapado / de rojo e roldões sigo e penso que não quero mais o amor bleso / o meu quinhão nesta vida beirã”. A essas palavras e expressões desacostumadas do ouvido, juntem-se os estrangeirismos, as frases re-feitas (“a traça do ofício do osso faz a festa”), as aliterações e assonâncias (“luto com lustre lupa lume luvas / luto sem velas vestes véus vultos”), os versos-apostos (você “pedrada no fim falso e fosco brilhante / paralelepípedo ignaro e ignavo”) e a, parece, inevitável intertextualização. Esses recursos da arquitetura poética de Sérgio Blank, pinçados aqui e ali apenas para uma breve noção, fundamentam seu texto musical, espesso no arranjo de idéias, texturizado no achado das palavras.

Com esse repertório estilístico, o poeta de Vírgula afasta de seu cancioneiro solitário a amargura óbvia e o estado meramente depressivo. Seus poemas se erguem num discurso que concilia a dor experienciada e a experiência da montagem de seus versos. A voz que se revela, lobo da estepe ou fantasma da ópera, ressoa tristeza e canto, abarcando os olhos, o afeto e os passos desacompanhados comuns aos urbanóides atarantados entre a azáfama do dia e as esquinas ilhadas da noite.

Blank apresenta Vírgula. Safo não está só.

[Cultural-ES, Vitória, 1996.]

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Paulo Roberto Sodré, nascido em Vitória em 1962, é poeta, escritor, pesquisador e professor universitário de Literatura na Ufes, com vários livros e artigos publicados. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui.)

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