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Pesca artesanal na praia de Itapuã: entrevista e observação

Damião Miranda Ferreira. Foto Maria Clara Medeiros Santos Neves, 2013.
Damião Miranda Ferreira. Foto Maria Clara Medeiros Santos Neves, 2013.

Entrevistado: Damião Miranda Ferreira
Idade: 43 anos
Filiação: Maria Miranda (artesã de redes); Evaristo Ferreira (pescador)
Endereço: Rua São Paulo, Itapuã, Vila Velha.
Barco: Clarícia (nome da esposa)
Colônia: Z2
Ponto de pesca: Praia de Itapuã
Data da entrevista: 07/12/99
Horário: 16:00h

Começou a pescar entre os 14 e 15 anos de idade com o pai, mas relatou que normalmente os meninos são iniciados aos 10 anos. Seu pai, mãe e avó — D. Teresa, com cerca de 100 anos de idade, antiga artesã de redes — estão vivos.

Tipos de pesca

1. Pesca de anzol: realizada em barcos de remo chamados “baiteiras”, que avançam até 1.000 metros da praia e que contam com apenas dois tripulantes, pois o barco é pequeno; nesse barco levam também dois remos, âncora e anzóis; o entrevistado costuma partir para o mar às 5:00h e volta entre 14:00 e 15:00h.

2. Pesca de arrastão: é feita com uma grande rede chamada “arrastão”, nome que se aplica também à técnica; envolve cerca de 15 pessoas e ocorre a mais ou menos 200 metros da praia; se realiza quando os pescadores avistam o cardume e a divisão é feita da seguinte forma: 50% para o dono do arrastão e 50% para os demais participantes.

3. Pesca com rede de espera: é colocada em ponto mais afastado da praia e permanece no local entre um dia e uma semana.

Calendário de pesca

Sobre o calendário de pesca, o entrevistado informou que a maré é boa o ano inteiro com exceção do mês de março, quando o mar atinge o calçadão e não permite aos pescadores realizarem seu trabalho. Nesse período dedicam-se a atividades variadas, fazendo biscates. O entrevistado trabalha então como pedreiro para sustentar a família. Durante a desova do peixe e do camarão aparecem os barcos motorizados vindos do Suá chamados “baloeiros” que usam uma rede chamada “balão”, de malha fina, para a pesca do camarão. Essa atividade prejudica a pesca artesanal, pois nessa malha fina são também apanhados os pequenos peixes.




Tipos de peixes encontrados

Os peixes normalmente encontrados são a manjuba, o chicharro, a pescadinha e a sarda.

Comercialização

Geralmente vendem o peixe no próprio local, onde têm uma banca para exposição, pesagem e limpeza. Quando a pesca é muito boa (cerca de 1.000 quilos) o pescador vende o seu produto para comerciantes de Vila Rubim.

Barcos

São confeccionados em estaleiro localizado na Glória, próximo ao presídio. Custam, em média, sem pintura e sem os remos, R$ 600,00.

Consertando rede. Foto Maria Clara Medeiros Santos Neves, 2013.
Consertando rede. Foto Maria Clara Medeiros Santos Neves, 2013.

Redes

O arrastão tem a medida da abertura da malha determinada pelo Ibama e é composto de três partes, uma de rede de seda que fica no meio e serve para emaranhar os peixes, e duas outras partes, sendo uma em cada extremidade e feitas de nylon. São compradas, atualmente, a metro em lojas especializadas (somente o “pano”, ou malha) e preparadas pelos próprios pescadores que fazem o “entralho” – colocação das cordas com bóias e chumbos. O artesanato parece ter-se extinguido, mas era feito principalmente pelas mulheres, que assim contribuíam para o sustento da família.

Indicação de outros pescadores

· João Dizeco (o mais antigo), que fica em Itapuã;
· Mizinho, Itapuã.

OBSERVAÇÃO

Arrastão. Foto Maria Clara Medeiros Santos Neves, 2013.
Arrastão. Foto Maria Clara Medeiros Santos Neves, 2013.

Arrastão

Dono da rede: Damião Miranda Ferreira
Local: Praia de Itapoã
Data: 10/12/99
Horário: 14:00h

O barco foi para o mar com dois tripulantes — o dono e mais um auxiliar que cuidava dos remos — um pouco antes das 14:00h e a colocação da rede não foi demorada, pois por volta das 14:45h o barco já estava voltando com as pontas das cordas que começaram a ser puxadas pelos “marujos” — homens puxadores que são também pescadores, alguns deles proprietários de barcos. Além desses “marujos” outras pessoas — banhistas e moradores das redondezas — se aproximam e participam da puxada para obterem um pagamento ou parte do pescado. O arrastão, colocado a mais ou menos quinhentos metros da praia, forma uma espécie de bolsão que é arrastado do fundo até a beira, trazendo consigo os peixes emaranhados em sua malha pelo trabalho da “tresmalha”, como é chamada a puxada.

Esta que observamos foi feita por cerca de seis marujos em uma das pontas enquanto na outra, por alguns adultos, várias crianças e mulheres cujos nomes haviam sido registrados no caderno do Seu Damião. Essa atividade é orientada pelo “mestre” — um dos marujos mais experientes —, e os participantes se sucedem, passando do último para o primeiro lugar na fila. O dono do arrastão também participava dessa atividade, ficando na ponta esquerda, onde se viam muitas crianças e mulheres.

Em certa altura do trabalho outros elementos se integraram (veranistas e crianças) e por volta das 15:00h a rede se prendeu em algum ponto ao fundo obrigando o Sr. Damião a voltar ao mar para soltá-la. Feito isso, os tripulantes do barco acenavam para os marujos orientando-os, e a tresmalha continuou assim, lentamente, terminando por volta das 16:00h, quando a rede finalmente chegou à praia. Então todos se juntaram para desvencilhar os peixes. Esse arrastão não rendeu muitos peixes, mas normalmente metade deles pertence ao dono e a outra, aos marujos que ajudaram na tresmalha. Nesse dia, o Seu Damião pagaria R$ 1,00 a cada participante inscrito. Ele diz que a divisão e o pagamento costumam gerar confusão.

Arrastão. Foto Maria Clara Medeiros Santos Neves, 2013.
Arrastão. Foto Maria Clara Medeiros Santos Neves, 2013.

A tresmalha é um trabalho demorado e extremamente árduo, e os homens parecem aproveitar o movimento favorável das ondas para adiantar o processo. As cordas são marcadas por laços, de espaço em espaço, que algumas vezes servem para reter as mãos no movimento da puxada.

Pesquisa, texto e fotos: Maria Clara Medeiros Santos Neves

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Maria Clara Medeiros Santos Neves, coordenadora do site ESTAÇÃO CAPIXABA, é museóloga formada pela Universidade do Rio de Janeiro e pós-graduada em Biblioteconomia pela UFMG, autora do projeto do Museu Vale e de diversas publicações. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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