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Poemas do livro Vírgula

APÓSTROFO SEGUIDO DE S

a minha letra — risco em silêncio
não é a de enxofre
nem consoante fricativa alveolar surda
não é santa ou santo ou são-salavá
a décima-oitava letra do alfabeto
a minha inicial — cronograma em sangue
dois segundos de poema
espírito escrito na cidade
que neon algum ilumina — ofusca em sono
a letra muda desta planta genealógica: cáspite
o esse — cascavel em catacrese
o nome em que me inscrevo no juízo de salomão
minha voz rubricada nestes versos — quatorze no todo

ANGUSTIPENE

à outrance percorro bueiros com bornal vazio
sem frege e aos baldões remo contra o mar destro
vejo o fiapo de lua-boca-e-meia que graceja junto à noite
no fim de blefe — noite — vou e avisto em bolandas rir o roto do esfarrapado
de rojo e roldões sigo e penso que não quero mais o amor bleso
o meu quinhão nesta vida beirã
o dia cáften chega para que eu — Aoristo — aquele que escreve versos no tempo
adormeça e arraste minha sombra bêbeda como um cacho
sob as nuvens cor de cravo na manhã de estopa e cinzas
e a trégua temporã do sono me abasteça de versos banais
mas antes da bonança uma cãibra no órgão-codiforme
indica você — sopro de temporais
você e seu voo estreito que me tranca em nova arapuca
e eu comum-de-dois me deixo no dia-iscariotes ficar e consentir
com o pouso estreito no meu coeur traste galho seco — uva em caixa
eu cisco e caça fico no beiral com aplausos ao seu voo — béguin
pardal no fio — entre postes — que conduz luz
fecha-se em copas nos quintais a serem varridos
solta uma onomatopéia inconveniente em poemas e vai e voa
a todos tombos escolho entre um blues de clapton ao trecho de chopin
indicas a ausência de regras da debandada e — par de asas — passas
passas e eu no dia — blefe e chuva — cato poemas e perdões
e sei que este jogo não é rúgbi e sim passion — i. e. — o famoso love donaire
na volta a casa sequer encontrei atalanta a colher maçãs d’ouro pelo caminho

INTEMPÉRIE

corre à boca pequena certo boato
um zunzunzum um sopro um vento
que escondo um sentimento canhoto — natimorto
diz que estou às boas com mais uma paixão carcomida
e este sentimento cheio de nós pelas costas
escondo no silêncio escandaloso — pote de poemas
e que a finada razão ria às minhas custas
como resposta abotôo meu sobretudo
e me encosto num dos oitões da casa
endereço do frio porta sem número — nevermore
boulevard com casuarinas que choram ao vento à sobreposse
contra a minha vontade a ventania põe ciscos
nos olhos que fitam os umbrais de edgar allan poe

RISQUE O MEU NOME DO MAPA

…entre a dor e o nada, eu escolho a dor.
[William Faulkner]

uma cidade com morros e telhados de eternit
longe do mar e próxima às montanhas
claro que não falo do Condado de Yoknapatawpha
a cidade que me fez e se acha no direito de ter meus pés
mais de duas dúzias de ruas me oferece a cada manhã
e eu — négligé — abdico com uma mesura
ter-se-ia dito que o book do destino
quis e escreveu assim — o deus deles não é poeta
eles que preenchem os cômodos de telhas cobertas de chuva
recuso medir as esquinas ao sol
só quando a noite cai ao tropeçar nos degraus de minha casa
aí sim — mapeio minha condição por calçadas de pedras portuguesas
a condição humana — solidão
isto já foi dito em outros versos
talvez melhores que estes um tanto quanto discursivos
mas — me permitam — passam a ser uma metábole
uma cidade distante do mar — idem
e eu dentro mas longe da cidade — ibidem
redundância escrita a lápis tem os seus conformes
e minhas circunstâncias permitem de tudo um pouco
até neres de pitibiriba e neca
a cidade insiste com seus morros à parte
eu visto um fato e busco o sereno

O MAR NA PONTE QUE ESTALA ÀS ESCONDIDAS

sonhei que um barco
um Drakkar com vários Vikings
passeava sob as cinco-pontes
mas agora — desperto — vejo um guindaste que pesca containers
o que há nos containers que caem no cais?
uma esperança a mais ou a menos
dúzias de marinheiros ou peixes de bom tamanho
um certo estrangeiro com boas falas e outra língua
ou seriam feixes mais feixes de pontos de interrogação
da ponte que são cinco avisto a cidade de bruços
na noite que me resta e basta
eu luthier para novos instrumentos-acordes e rumos
admiro a cidade — ilha sem Crusoé
porto de dreams e minhas âncoras

[Vitória: Cultural-ES, 1996.]

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Sérgio [Luiz] Blank é poeta natural de Vitória, ES, e nasceu em 1964. Publicou diversos livros de poesia, alguns reeditados recentemente. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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