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Poemas selecionados do livro Exercício do corpo

AQUELA COISA INTRÍNSECA

devolve a minha derme: a noite vive
e, pública — vivendo —, ainda fere
o largo da memória — via estreita,
onde trafego em alma, estranho e inerme.

conserva a minha derme: a noite gira
e eis que — em girando — a tudo adere:
à lâmina que sangra; ao gesto que persiste;
ao que resiste ao aço
— e cede ao gel.

as coisas já são outras. ouve as casas
brilharem no quintal, com voz de cor.
é bom que seja assim — mercê do dia —

reter a nossa vida, que anda solta.
a noite vai voltar, e a fantasia.
devolve a minha derme, ou qualquer outra.

POEMA ALUNADO

A Nilza “Polenta” Del Pupo

          a lua que extra
vasa a noite
sem clara
idade
redunda em nós
feito ferida aberta ao relento
e em seus poros de são jorge
o sangue da luz se dispersa
aos nossos corpos de embriões

(a lua que bóia
em ar de etéreos e estrelas
não possui reticências
mas a solidariedade da pausa
onde se inscrevem nossos olhos)

e no crepom de nossa pele
quando o breu se desgasta
nossas almas de aprendizes
formaram um lago
de suor e êxtase

BUCÓLICA

as mulheres escancaram as portas
e a lua passa
em ritmo de valsa

as mulheres apagam as casas
e varrem cada
riso para
a varanda

(tenho a imagem velada
de pássaro nu
na
madrugada
sumarenta
de vento
sul)

a noite é uma prostiputa
onde cada grau centígrado
pode ser um motivo novo
para escancarar as pernas

RETRATO

madrugada descerrando a paisagem
assim teu corpo

tuas coxas claras
feito um bicho
carente de mato

teu lábio e teu olho
crianças mudas
sem abrigo nas horas

assim o teu corpo
líquido
tuas narinas urgentes
e teus peitos indomáveis (:) madrugada
descobrindo a paisagem
de concreto

SIMPLES

a madrugada se coagulou em nossa pele
e tingiu de brisa nosso suor
então nos comungamos
e num arroubo de lirismo
te roubei um poema de manuel bandeira

[In Exercício do corpo. Edição mimeografada, 1981. Reprodução autorizada pelo autor.]

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© 2001 Textos com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
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Miguel Arcanjo Marvilla de Oliveira nasceu em Marataízes, ES, em 29 de setembro de 1959 e faleceu em Vitória, em 2009. Mudou-se com os pais para Vitória em 1964. Poeta, concluiu em 1996 o curso de graduação em Letras-Inglês na Ufes e cursou o mestrado em História na mesma universidade. Publicou diversos livros. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui.)

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