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Por que somos capixabas?

Foto: Guilherme Santos Neves, anos 1950.
Foto: Guilherme Santos Neves, anos 1950.

Tema velho — mas ainda não de todo esgotado é o que tenta explicar a razão por que o termo tupi CAPIXABA passou a designar a pessoa que nasce em Vitória ou no Espírito Santo.

O problema continua na pauta das discussões como o prova o interessante estudo da lavra do ilustre escritor Menezes de Oliva — “Por que se diz capixaba todo aquele que nasce no Espírito Santo e mais particularmente em Vitória?”, inserido no seu prestante livro Você sabe por quê? (Laemmert Ltda., Rio, 1962, p. 89/92).

Em atenção ao culto professor baiano — que, em carta, me Instiga e anima a dizer algo a respeito do assunto — ouso meter aqui a minha colher de estanho, ao menos para lembrar aos leitores o que, sobre o tema, se tem dito e escrito.

A dificuldade começa na tradução ou equivalência do vocábulo: que quer, realmente, dizer CAPIXABA?

Os tupinólogos de nota e fama, e os que se interessam pela língua (ou línguas) dos nossos silvícolas, não acertaram entre si uma opinião concorde ou pacífica. Veja-se, por exemplo:

O visconde de Beaurepaire-Rohan, na primeira edição de Dicionário de vocábulos brasileiros (Rio, 1889), verbete CAPIXABA, ensinava: “Este vocábulo de origem tupi é corruptela de copixaba (…) como tradução de quinta e de roça.”

Augusto de Saint-Hilaire — que por aqui andou lá por 1818 — registrava em seu livro Segunda viagem ao interior do Brasil (Col. Brasiliana, vol. 71, p. 36): “os luso-brasileiros da província do Espírito Santo, servem-se, para dizer ‘uma plantação’ da palavra indígena capixabi.”

Couto de Magalhães, em seu Curso de língua tupi viva ou nheengatu insere no exercício da página 100, a frase: “Elle está na roça: Ahé oikó cupixape” e , logo depois: “Roça: cupichau“. Em nota ao pé da pagina explica: “Roça: cupixau ou cupixaua. Na roça: cupixape: a posposição pena, aglutina-se no vocábulo, o qual perde a última letra (curso incluído no livro O selvagem, Col. Brasiliana, vol. 52).

Gonçalves Dias, no Dicionário da língua tupi, define: capixaba: roça” e acrescenta (sic!) espécie de … macaco” (cf. Revista de Língua Portuguesa, fase 5, maio de 1920, p.123).

Teodoro Sampaio, no seu clássico O tupi na geografia nacional, opinava: “a derrubada ou limpa, para a roça, denominava-se ou cópichaba (apud Mário Freire, A capichaba e os capichabas, Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, n. 9, maio de 1953, p.42).

Afonso A. de Freitas, no seu Vocabulário nheengatu (Col. Brasiliana, v. 75, p. 98), ao tratar do vocábulo capuava (“de cáá, mato; pi, derrubar; xava, partícula substantivante — lugar onde o mato foi derrubado para receber plantação. O lugar da derrubada já convertido em roça, isto é, já com a plantação formada. Roça.”), acrescenta: “De cáápixaua os espírito-santenses extraíram o seu capixaba (roceiro), a contrapor-se ao caipira paulista.”

O professor Elpídio Pimentel, em artigo que a antiga Vida Capichaba publicou em sua edição de 15 de setembro de 1928 — tratando da grafia e do sentido do vocábulo túpico, desdobra-o da seguinte maneira: “caa (mato), pi (pele), cha (eu) e hab (torcer), ou mais fora do rigor lexiogênico: arranco a pele do mato, limpo o terreno, capino, ou, por extensão: lavrador, agricultor.”

Outro professor de Português, Ruy Almeida, respondendo a um consulente, através da Revista Filológica (n. 12, dezembro de 1941), escrevia: “pelas informações que obtivemos de alguns espírito-santenses ilustres, dentre os quais cumpre-nos apontar o ilustrado Cel. Rocha Maia, digno professor de latim do Colégio Militar, do Rio de Janeiro, que se prontificou a pedir a pessoas cultas de suas relações residentes naquele Estado, as elucidações de que carecíamos, ficamos sabendo que “capixaba era como chamavam os aborígenes às grandes plantações de milho feitas pelos portugueses na ilha Vitória” (p.76); mas conclui adiante: “o que se nos afigura acertado é que o nome é designativo da roça, roçado ou plantação (p.79).

Não importa aqui o registro dos dicionaristas (Aulete-Santos Vicente, Cândido de Figueiredo, Laudelino Freire etc.) que se cingiram, quase sempre, a repetir uns aos outros, ou a reiterarem definições colhidas de alguns dos citados autores. Temos, assim, que capixaba pode ser: quinta, roça , roçado , derrubada ou limpa, plantação de milho, roceiro, lavrador, agricultor, além daquele inesperado macaco, segundo a tradução muito pouco poética de Gonçalves Dias…

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Vimos anteriormente a divergência dos autores no que se refere ao exato sentido do vocábulo tupi.

A respeito do encaixe restritivo: “plantação ou roça de milho”, convém relembrar aqui um tópico do Relatório “lido perante a Assembleia Provincial, em 9 de dezembro de 1882, ao passar (o Dr. Herculano Marcos Inglês de Souza) o governo ao digno Dr. Martim Francisco Ribeiro de Andrade Júnior.” Esse tópico no capítulo relativo à “Exposição Antropológica” relata o que, entre nós, se fez, no sentido de atender às determinações do Governo Imperial, promotor daquela exposição. Eis o trecho que aqui nos interessa – fruto de pesquisa séria do venerando e saudoso historiador capixaba, Dr. Antônio Francisco de Ataíde (Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, v. 9, 1935, p.17): “Para conseguir esse desideratum encarreguei ao Engenheiro João Cassiano de Castro Menezes de ir ao Rio Doce, para onde seguiu a serviço, agenciar a maior soma de objetos que fosse possível, adquirir para aquela exposição. Conseguiu ele fazer a aquisição de alguns, bem como trazer uma família de silvícolas composta de sete pessoas, acompanhadas de intérprete do aldeamento do Mutum, Tertuliano Rodrigues do Carmo (…)” A seguir, Antônio Ataíde, com base no citado Relatório, sintetiza o que foi a viagem “cheia de peripécias, perigos e de surpresas”, do rio Doce até Vitória; a tristeza e inquietação dos índios, seus ímpetos de fuga, e o pedido que, a certa altura, fizeram, para que a canoa Joncati em que vinham todos, acostasse a uma das margens do rio . “Enquanto os entretinha com brinquedos, lembrou-se o intérprete de mandar imediatamente um dos barqueiros comprar, em uma roça próxima, algumas espigas de milho verde, o que seria para eles uma delícia. Não demorou o mensageiro em vir sobraçando alguns pés de milho que arrancou com as respectivas espigas, já madurando.” Então: “Conta o dr. Cassiano que os botocudos levantaram-se bruscamente na canoa, numa alacridade infernal, numa vozearia ensurdecedora, quando viram a chegada do barqueiro, e prorromperam numa festiva saudação ao milho, cantando cáá-piim-chaba! cáá-piim-chaba!” E prossegue: “O intérprete, sr. Tertuliano do Carmo, declarou que os índios apreciavam muito o milho verde; era para eles um regalo, e que, satisfeita a sua vontade, ia-se fazer uma boa viagem. Efetivamente, a profecia foi correspondida. Não houve mais incidente a interromper o percurso a pé, passando por Santa Teresa e Santa Leopoldina, onde tomaram canoa, no Porto de Cachoeiro, até Vitória.”

Testemunho valioso, sem dúvida, esse que o eminente (e sempre lembrado) capixaba Antônio Ataíde, recolher e divulgou.

Mas o que, realmente, aqui mais nos importa é sabermos por que razão capixaba passou a designar o nascido em Vitória ou no Espírito Santo.

Vamos ver que, também nesse caso, as opiniões divergem.

O douto baiano Bernardino José de Souza, em seu informativo Dicionário da terra e da gente do Brasil (Col. Brasiliana, v. 164, 4ª ed.), apoiando-se em “informação do Dr. Carlos Xavier Paes Barreto”, assevera a respeito de capixaba: “Primitivamente era o nome de um sítio onde se levantaram as primeiras roças de milho e de feijão, na ilha de Vitória, hoje compreendido pelo bairro da Capixaba” (p.103). E adiante: “a alcunha [capixaba] se ampliou com o tempo, e hoje designa todo filho do Estado do Espírito Santo e tudo que lhe é relativo.”

O professor Elpídio Pimentel, no seu já citado artigo, estampado na Vida Capichaba (edição de 15/9/1926), escrevia: “O sítio […] onde se levantaram as primeiras lavouras de milho e feijão na ilha da Vila Nova, pouco depois, da Vitória – atual metrópole deste Estado – limpo pelos colonos e bugres mansos, às vistas vigilantes dos jesuítas, era chamado, no idioma dos silvícolas, capichaba, nome que permaneceu com esse lugar.” E depois: “O termo tupi, por fácil metalepse, estendeu-se da coisa possuída ao possuidor, e, perdida a noção primitiva (terra lavrada ou lavrador) sua etimologia, incorporou-se à classe dos substantivos gentílicos brasileiros, sem o menor desdouro para nós, a quem ele se aplica.”

Esta, aliás, a mais corrente explicação, a mais simples e fácil de entender e aceitar, malgrado os rebarbativos nomes gregos com que os gramáticos pretendem batizar o trivial fenômeno lingüístico: metonímia, metalepse, sinédoque…

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Capixaba – dizem alguns autores – era o nome de um sítio (lavoura ou roça de milho e feijão), outrora localizado “ao sudeste da ilha [Vila-Nova da Vitória] em São João das Pedreiras”, “e os índios ali aldeados apelidados – capichabas” (cf. Antônio Francisco de Ataíde, Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, v.9, 1935, p.4).

Dele – dizem esses entendidos – é que provém o termo capixaba, extensivo a todos os nascidos em Vitória.

Há, porém, outra opinião (talvez ligada à primeira, da qual se desviou com o decorrer dos tempos).

Creio que o primeiro a propor essa versão foi o visconde de Beaurepaire Rohan, em seu Dicionário de vocábulos brasileiros, onde se pode ler, no verbete capixaba: “Os habitantes da cidade de Vitória têm o apelido de capixabas, por causa de uma fonte que ali existe, e donde bebem” (cf. edição da Livraria Progresso, Salvador, 1956, p. 72).

Aceita essa hipótese, o Ten. Cel. Rei Almeida, professor do Colégio Militar, do Rio: “Os filhos da ilha de Vitória, hoje capital do formoso Estado, receberam esse apelido (capixaba) não diretamente da palavra designativa de roça, roçado ou plantação, mas das fontes de que bebiam água de excelente qualidade e que brotavam entre essas plantações” (Revista Filológica, fasc.13, dezembro de 1941, p.79).

A essa conclusão chega o ilustre professor, relembrando fatos outros que, até certo ponto, a justificam. Por exemplo: Os nascidos na atual Guanabara são denominados cariocas que – segundo se pensa – provém “do nome do riacho [Carioca] que vindo do lado de Laranjeiras [Cosme Velho] deságua no Flamengo depois de passar pelo Catete.”

Se os cariocas assim são chamados em decorrência do riacho Carioca, por que capixaba – espírito-santense – não poderia provir da fonte da Capixaba, a cuja existência se referem velhos documentos de nossa História?

Seria, porém, oportuno e interessante referir aqui o seguinte tópico do escritor Gastão Cruls, tirado ao seu livro Aparência do Rio de Janeiro (José Olympio, Col. Documentos Brasileiros, v. 60, 1949, tomo I, p.105, nota) – tópico que serve, mutatis mutandis, ao assunto que estamos estudando: “Em matéria de etimologias túpicas, cada cabeça, cada sentença. A palavra carioca não escapou a essa garabulha. Para uns ela traduziria água corrente da pedra, para outros, casa da fonte, ou ainda casa do branco, corrente saída do mato ou do monte, casa da corrente do mato… Há também quem lhe vá procurar origem na palavra cari ou acari, o peixe cascudo, tão comum nos nossos rios e muito comido pelos silvícolas. Carioca seria paradeiro, abrigo, casa dos acaris. Três razões poderiam ter levado os nativos a chamar o português de carioca: ou porque o índio houvesse feito a sua casa à beira do rio que já lhe era conhecido por Carioca, uma vez que era a morada dos acaris ou porque usasse roupa grossa, a lembrar o casco duro dos mesmo peixes; ou ainda porque a casa feita pelos reinóis, toda de pedra, dava-lhe a ideia do indumento do referido peixe. Assim, carioca seria a casa dos acaris de fato, ou em sentido figurado. Se o leitor é carioca e quer saber porque é carioca, nada mais lhe resta do que optar por qualquer daquelas traduções ou algumas dessas explicações…”

O eminente escritor Menezes de Oliva (que também estuda o problema do vocábulo carioca) aceita a hipótese de ter sido a fonte ou a água da Capixaba a primitiva nascente do nome que, afinal, veio a denominar os espírito-santenses. Mas o faz sugerindo uma versão nova e curiosa.

Escreve o ilustrado autor em seus prestadio livro Você sabe por quê? (Rio, 1962, p.91), depois de referir a existência da fonte da Capixaba, “isto é, a fonte da lavoura, da roçada aberta no seio umbroso da mata.” E prossegue: “O povo, que adora os mitos e gosta de embelezar com o colorido da fantasia e as cores do sobrenatural suas ingênuas história, acabou emprestando virtudes miraculosas às águas daquela fonte. Dizia que a criancinha que tomasse o primeiro banho com as águas da fonte da Capixaba, seria rica e feliz. Tanto bastou para que tal prática logo entrasse nos hábitos dos seus moradores. É assim que, assistindo ao banho do recém-nascido, indagavam as comadres, apontando para a água da bacia – é capixaba? No caso afirmativo estariam asseguradas ao bebê, pela existência em fora, felicidade e fortuna. Opulento e venturoso também seria todo aquele que, mesmo tendo nascido longe da fonte da Capixaba, pudesse misturar às águas do primeiro banho um pouco do precioso líquido, que dali lhe houvesse sido enviado por algum parente ou amigo dedicado. Destarte, com o decorrer do tempo, o nome da fonte veio a determinar, por distensão, os que tivessem nascido perto ou distante da Capixaba.” Como se vê, a hipótese é amável e interessante, e envolve a milenar crendice que atribui altos poderes a certas águas, campo líquido de espíritos benéficos e favoráveis.

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Como vimos anteriormente, segundo alguns entendidos – a nascente, a fonte ou as águas da Capixaba é que transferiram este nome aos habitantes ou aos nascidos na ilha de Vitória. Da fonte da Capixaba é que fluiu, além da boa, cristalina e saborosa água, o nome com que se batizaram todos os que nasceram (e nascerão) nas terras do Espírito Santo.

A existência dessa fonte da Capixaba está comprovada em documentos de nossa História. O Dr. Mário Freire – constante e devotado estudioso dos fatos da nossa terra – citando a Memória estatística da província do Espírito Santo no ano de 1817, do Governador Alberto Rubim, refere dela o seguinte tópico relativo a Vitória: “… tem 3 fontes de excelentes Águas, a da Capixaba e a da Lapa, nas extremidades da Vila, e a Fonte Grande quase no centro”(publicações do Arquivo Nacional, v. XIV, p.104, in Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, v.9, maio de 1935, p.41).

Antes desse registro, numa Informação, datada de 11 de junho de 1790, assinada pelo Capitão-mor Inácio João Monjardino e dirigida ao Governador da Bahia – fazia-se menção expressa a fontes e calçadas e outra obra famosa” então existentes na Vila da Vitória (apud José Teixeira de Oliveira, História do Estado do Espírito Santo, Rio, 1951, p.231).

Outros elementos informativos de maior ou menor antigüidade devem ter registrado o nome dessa Fonte famosa.

Mas, tirante o ensaio de Menezes de Oliva , não encontrei nos mais autores à mão qualquer referência a forças prodigiosas das águas da Capixaba, neste ponto diferentes das águas do rio ou ribeiro Carioca que, no dizer ufanístico do historiador Rocha Pita, davam “vozes suaves aos músicos e mimosos carões às damas”… (apud Menezes de Oliva, Você sabia por quê?, Rio, 1962, p.84) também Gastão Cruls, Aparência do Rio de Janeiro, Rio, 1949, tomo I, p.106).

Mas, se os livros em geral não falam nessas mágicas virtudes, a tradição popular tem dado às águas da Capixaba, pelo menos, o dom de prender aqui em Vitória quem delas bebe, feitiço amorável que o povo atribui a certas águas privilegiadas. Lá em São Mateus, por exemplo, com ufania se diz: “Quem bebe água da bica, aqui fica”…

Ouvimos coisa parecida a respeito das águas da Capixaba em conversa informal com Dona Adalgisa Martins Cândido que, há perto de cinquenta anos, reside no sopé da Pedra da Vigia, local onde se situa a nascente dessas águas. Além desse poder de fixação à terra, as águas da Capixaba – segundo a informante – são ótimas para quem sofre dos rins, além de possuir outras virtudes terapêuticas.

Dona Adalgisa fez também alusão a velha crença popular (já anteriormente registrada pelo escrito Adelfo Monjardim em seu estudo Vitória física) segundo a qual, em certas ocasiões, da Pedra da Vigia se precipitava, na direção do Penedo (ou do Mestre Álvaro) uma fulgurante bola de fogo. Chegou mesmo a dizer-nos a simpática velhinha que, quando tinha ela os seus catorze anos, viu com os próprios olhos assombrados o misterioso fenômeno. Confronte o leitor essa “visão” com lenda semelhante: uma bola de fogo que, do Muxuara ou Muxanara (Cariacica) se desloca, pelo Natal, até Mestre Álvaro (Serra) (Cf. Omyr Leal Bezerra, Cariacica, Vitória, 1951, p.149).

Também nos contou Dona Adalgisa outro fato curioso: certa feita, impressionara a todos os moradores do morro o caso dos gravatás que se desprenderam misteriosamente da pedra e, com rumos de trovões, rolaram escarpa abaixo.

Dessa Pedra da Vigia, assim tão cheia de encantamento, é que desliza, límpida e gostosa, a nascente da Capixaba.

A fonte lá está ainda (graças a Deus), mal resguardada por uma fachada tosca, em cujo gasto reboco se pode ler uma data: 13 de novembro de 187… (1871, 1873, 1878?), certamente para marcar a época da construção.

Mais embaixo, cinco metros talvez, a água clara e cantante escorre dum caco de telha – é a bica – e desce para os escaninhos do Morro.

 Foto Magid Saad. Reprodução autorizada pelo autor.
 Foto: Magid Saad. Reprodução autorizada pelo autor.

Cá embaixo, ao lado da antiga escadaria Cristóvão Colombo, levanta-se, com imponência inválida, o chafariz da Capixaba (1828, reconstrução 1940) com suas torneiras quebradas e… secas, a testificar o proverbial desinteresse dos poderes públicos, o seu eterno descaso pelas mais caras tradições de nossa gente.

O chafariz está seco e, em breve, dizem, é possível que também seque de todo a lendária fonte da Capixaba. Esse o receio dos moradores daquele recanto histórico – alguns dos quais ouvimos – temerosos ante a impiedosa dizimação da mata – outrora frondosa e espessa e hoje aberta em claros para a deprimente sementeira das favelas que lá estão brotando sob os olhos indiferentes das autoridades.

Então, devastada a mataria, ressequida a nascente – cujas águas lustrais batizaram os primeiros capixabas e a todos os mais estenderam esse expressivo nome – deploraremos, em vão, a perda de uma das mais firmes e antigas tradições de nossa terra – tradição que não ficou circunscrita apenas aos acanhados limites do Estado, mas – como vimos – teve, desde há muito, ressonância interessada e simpática fora do Espírito Santo, em vários recantos do Brasil.

Neste transe, para quem apelar, Senhor?

[SANTOS NEVES, Guilherme. Por que somos capixabas? A Gazeta, Vitória-ES, 19, 21, 22 e 23 de maio de 1963.

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