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Provérbios e ditos rimados

Da extensa, extraordinariamente extensa relação de adágios, provérbios e expressões rimadas, do nosso opulento adagiário luso-brasileiro, vamos aqui desfilar, com ligeiros confrontos e comentários, alguns daqueles que, principalmente durante o manso correr dos anos menineiros, ouvíamos diariamente à querida Mamãe, sempre sentenciosa e boa, a darmos o justo conselho, “conselho dos antigos”, através dessas “imagens fixas para a referência imediata” e precisa, desses “ditos das velhas”, como se dizia outrora.

Da pequena messe que a memória pôde guardar, vamos referir apenas os ditos e provérbios rimados, porque mais pitorescos, deixando à margem outros em que tal correspondência rímica não ocorre, como, por exemplo: Deus é grande e um só existe; o que é teu às tuas mãos virá ter; Deus escreve por linhas travessas; quem é bom já nasce feito; quando Deus tarda, vem pelo caminho. [ 10 ]

1) Boa romaria faz quem em sua casa fica em paz. [ 11 ]

Velho dito popular, ainda vivo em terras do Espírito Santo. Em Caçaroca, por exemplo, ouvi recentemente quem assim o disse: “Boa romaria faz quem em sua casa está em paz”.

O adágio foi citado por Pereira da Costa em seu clássico Folk-lore pernambucano, à página 580, entre os “Provérbios Rimados”. A versão pernambucana coincide exatamente com a versão em epígrafe.

Também no Rifoneiro português, de Pedro Chaves, (p. 94, n° 203) foi o dito arrolado na mesma forma.

2) Cose o teu pano que dará pro ano,
torna a recoser que tornará a chegar.[ 12 ]

É provérbio conhecido de todos, e ainda hoje vigente em toda a parte.

Nos Adágios Portugueses reduzidos a lugares comuns, do licenciado Antônio Delicado — cuja primeira edição data de 1651 — encontramo-lo na seguinte versão (p. 150): “Remenda o pano, durar-te-á outro ano”.

É mais ou menos como foi registrado no Folk-lore pernambucano, de Pereira da Costa, à página 584: “Remenda o teu pano, e durará mais um ano”.

Também nos Provérbios da língua portuguesa, de Manoel José Pereira Frazão, se pode ler, à página 18, no 182, o mesmo adágio na forma: “Remenda teu pano, que te dura outro ano”.

O acréscimo que se vê na versão nossa: “torna a recoser que tomará a chegar” devera ser também rimado. E o é, na versão original, que se pode, por exemplo, encontrar no Rifoneiro português, de Pedro Chaves, sob n° 62, letra R: “Remenda o pano, durar-te-á outro ano, torna a remendar, outro ano há de passar”, ou na Etnografia da Beira, de Jaime Lopes Dias, (vol. VIII, p. 204): “Remenda o teu pano que te chega ao ano, e se o tornares a remendar tomar-te-á a chegar”. Mais aproximadamente em Camilo Castelo Branco, “Coração, cabeça e estômago”, página 210: “Sentei-me, depois, á sua beira, e vi que ela estava remendando uma camisa. — ‘Remenda o teu pano, e chegar-te-á ao ano; torna-o a remendar, e tornará a chegar'”.

A substituição do verbo remendar, presente em todas as versões citadas, pelo verbo coser e recoser, alterou a rima na parte final do velho rifão português. O sentido, porém, não sofreu com a mudança.

3) De hora em hora Deus melhora.[ 13 ]

Vem-nos de longe este dito ou “provérbio das velhas” — como dizia Francisco Rodrigues Lobo em sua Côrte na Aldeia.

Foi ele registrado nos Adágios portugueses, de Antônio Delicado: “Em pequena hora, Deus melhora” (“Pequena hora”quer dizer “menos de uma hora”, segundo a lição de João Ribeiro, in Frases Feitas, Primeira série, p. 267). No Rifoneiro português se lê: “De hora a hora Deus melhora (p. 135, n° 186). Pereira da Costa, em Folk-lore pernambucano, (p. 581) o refere entre outros “Provérbios rimados”. Vemo-lo, igualmente, na coletânea espanhola Refranero clásico, de Juan Suñé Benages, sob n° 684: “De hora a hora, Dios mejora”. Segue-se a explicação do provérbio: “Refrán que aconseja esperar de la misericordia de Dios el remedio de nuestros males, pues no se olvida de enviarlo pronto cuando conviene.”

Também o conhecem os italianos, conforme se vê da coletânea de G. Franceschi, Proverbi e modi proverbiali italiani (p. 73): “D’ora in ora — Dios ci migliora”.

4) É de pequenino que se torce o pepino.[ 14 ]

Incluído entre os adágios pelo licenciado Antônio Delicado, em seu clássico Adagiário (p. 252), em versão mais breve: “De pequenino se torce o pepino”, esse conhecido dito popular perdura ainda hoje na linguagem viva, como sensato conselho para a educação dos pirralhos.

Está ele citado também em Tradições populares, de Amadeu Amaral, (p. 270), na mesma forma registrada nos Adágios portugueses.

Nos Colóquios aldeões, de Cormenin, tradução de Antônio Feliciano de Castilho, se vê, no último capítulo, a expressão proverbial: “De pequenino se torce o pepino”.

Mais completo se averba o velho dito no Rifoneiro português, de Pedro Chaves, forma, porém, que não cremos corrente no Brasil: “De pequenino se torce o pé ao pepino” (p. 137, n° 237).

5) Filha és, mãe serás; assim como fizeres, assim receberás.[ 15 ]

Também incluído nos Adágios portugueses, de Delicado (p. 155), na forma: “Filho és, pai serás; assim como fizeres, assim acharás.”

Frazão o cita entre os 575 de sua coletânea de Provérbios portugueses (n° 465), também com referência a filho em vez de filha, e pai em lugar de mãe: “Filho és, e pai serás; como fizeres, assim haverás.”

Corre, porém, aqui no Espírito Santo, a forma — digamos — masculina, do provérbio. Pelo menos temos um registro colhido em Santa Leopoldina que diz: “Filho és, pais serás; assim como fizeres, assim acharás”.

6) Mais vale quem Deus ajuda. do que quem cedo madruga.[ 16 ]

Tem cabelos brancos este velho provérbio português. Na Comédia Eufrosina, de Jorge Ferreira de Vasconcelos (edição de 1919, “conforme a impressão de 1561”) deparamos, à página 32, linha 32/33, a conhecida expressão na seguinte forma: “mais vale a quem Deus ajuda que quem muito madruga”.

Anteriormente ao século XVI, podemos topar o velho dito popular na famosa comédia La Celestina, de Fernando de Rojas, escrita, segundo Menendez Pelayo, “por 10 menos en el último decenio del siglo XV” (La Celestina, p. 8). Lá está o adágio no 3° ato, em forma incompleta: “aunque vino tarde, más vale á quien Dios ayuda etc.” (La Ce1estina, ed. Julio Cejador, p. 142, vol. 1), e também no 8° ato, completa: “Por esto dizen, más vale a quien Dios ayuda, que quien mucho madruga”(idem, ibidem, vol. II, p. 15).

Em nota a esses dois passos da Celestina, Cejador cita variantes da frase proverbial: “Más vale á quien Dios ayuda, que al que mucha madruga”, “Más puede Dias ayudar, que velar ni madrugar”, “Quien madruga, Dios ayuda”.

Também do mesmo dito se valeu Cervantes, não apenas na 2ª parte do Don Quixote, Capítulo XXXIV, mas num dos seus conhecidos “Entremeses”. Naquele, diz Sancho: “mas vale al que Dios ayuda, que al que mucho madruga” (El ingenioso hidalgo Don Quixote de La Mancha, tomo II, p. 133). No “Entremês” — “Rufián viudo llamado Trampagos”, é a Pizpita quem diz: “No te penes,/ Pues vale más aquel que Dios ayuda,/ Que el que mucho madruga”.(Entremeses, Cervantes, p. 30).

Como se vê, é revelho o rifão, que, todavia, continua vigente entre nós até hoje.

Nas coleções de provérbios, como na de Delicado, Frazão e Pedro Chaves, encontra-se ele registrado: “Mais vale quem Deus ajuda que quem muito madruga”(op. cit. p. 135), “Mais vale quem Deus ajuda, que quem cedo madruga”(op. cit. n° 407), “Mais vale (ou pode) quem Deus ajuda do que quem muito madruga”(op. cit. n° 224).

Afonso Cláudio, em Trovas e cantares capixabas, entre os 23 provérbios que cita, inclui, como corrente no Espírito Santo, o nosso: “Mais vale a quem Deus ajuda do que a quem cedo madruga” (p. 83).

Pereira da Costa (op. cit. p. 582), averba o mesmo rifão: “Mais vale a quem Deus ajuda, que a quem cedo madruga”. Do mesmo modo, Antônio Osmar Gomes, em Tradições populares colhidas no Baixo São Francisco, tal como o nosso.

Igualmente Amadeu Amaral, em Tradições Populares (p. 265): “Mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga”. Machado de Assis, em cuja obra se poderá respigar precioso rifoneiro ou farta relação de frases-feitas e expressões proverbiais — encaixou o velho dito popular em seu Quincas Borba: “mais vale quem Deus ajuda, do que quem cedo madruga” (p. 26).

Note-se, por fim, que, pelo que fica exposto, o adágio sofreu, no Brasil, ligeira alteração, substituindo-se o “muito madruga”, da península, por “cedo madruga”. É como está ele no livreto de Provérbios de Pereira Frazão, em Pereira da Costa, Afonso Cláudio, Amadeu Amaral, Osmar Gomes e Machado de Assis, e na versão que nos legou a sempre querida e lembrada Mãezinha.

7) O que arde, cura; o que aperta, segura.[ 17 ]

É conselho medicinal doméstico. Iôdo, álcool, arnica, éter etc., postos em talhos, cortes ou picadas. E lá vinha o dito rimado. Ouvíamo-lo sempre em tais ocasiões.

O dito é velho entre nós. Pereira da Costa o registrou na variante: “O que aperta, é o que segura; o que dói, o que cura” (op. cit. p. 582). Oswaldo Cabral, em sua excelente “contribuição para o folclore catarinense” — A medicina caseira — cita a expressão, tal como a conhecemos aqui; e acrescenta: “Medicação que não faça o doente sofrer não faz efeito. É comum ouvir-se mesmo dizer que ‘o remédio está mexendo com a doença’. Assim, medicação que não tenha gosto ruim, ou cheiro insuportável, que não arda, que não faça de qualquer maneira o doente sentir, não adianta. Pois só o que aperta é o que segura” (p. 49).

É o mesmo que refere Mário de Andrade, em Namoros com a Medicina, (p. 123): “É coisa mais que observada pelos médicos, e mesmo confessada por doentes, que o remédio que dói tem um poder, além de curativo, sugestivo, de enorme importância na cura. O povo prefere o iôdo à água oxigenada ou ao líquido de Dakin, na desinfecção. Porque o iôdo dói. Um remédio ruim de tomar tem um poder sugestivo muito maior ao paciente popular (e até culto…) que o remédio insosso. O médico paulista Dr. Neri Siqueira da Silva me passou mesmo este delicioso provérbio popular: O que arde, cura; / O que aperta, segura.

8) Pão de ontem, carne de hoje
e vinho de outro verão
fazem um homem são.[ 18 ]

Está em Delicado (op. cit. p. 203), na seguinte variante: “Pão de hoje, carne de hontem, vinho do outro verão, fazem o homem são.” Da mesma forma Pedro Chaves, em seu Rifoneiro (p. 289, n° 76). Aí mesmo, à página 109, rifão no 214, inclui o autor uma variante em que o pão é substitui do pelo peixe: “Carne de ontem, peixe de hoje, vinho do outro verão fazem o homem são.” Frazão o registra em forma idêntica à da versão nossa: “o pão de ontem e a carne de hoje”. (op. cit. n° 328).

A respeito do vinho, da carne e do pão, o folclorista espanhol Dr. Castillo de Lucas, em interessante estudo “Refranerillo del buen beber”, publicado na revista Hostal (n° 13, ano II, agosto de 1951, Madri) e reproduzido em nosso Folclore (n° 13-15, julho a dezembro de 1951), cita um velho provérbio de sua terra: “Vino de año y dia, pan de antedia y carne del mismo dia”. E acrescenta: “Antes de este tiempo, el vino, aun que tiene pocos grados, y se abusa del mismo por estar todavía en fase de fermentación lenta, es también perjudicial. Vino nuevo y cerdo fresco, cristianillo al cementerio”.

Como se vê, é precisamente o que diz o nosso provérbio: pão de ontem, ou de “antedia”; carne de hoje ou “del mismo dia”, e vinho do outro verão, isto é, “de año y dia”. Só faltou ao rifão espanhol a conclusão da sabedoria popular: hacen al hombre sano. Aliás, o provérbio é conhecido em seu inteiro teor na Espanha, como se verifica da seguinte versão, recolhida por Francisco Rodríguez Marín, em 12.600 refranes más (p. 245): “Pan de ayer, vino de antaño y carne manida, dan al hombre la vida”. E, tal qual a forma lusa: “Pan de ayer, carne de hoy, vino de antaño, traen al hombre sano” (Castillo de Lucas, in revista Medicamenta, tomo XIII, n° 181, p. 326).

Note-se, por derradeiro, a freqüência com que se encontram, num mesmo provérbio, o pão, a carne e o vinho: em Delicado (op. cit. p. 127): “Pão, que sobre; carne, que baste; e vinho, que falte”. Em Pedro Chaves (op. cit.), além desse: “Pão, carne e vinho andam caminho que não moço garrido”, citado em umas trovas de Camões, em espanhol: “pan y vino anda el camino, que no mozo garrido” (Camões Lírico, col. Agostinho de Campos, vol. I, p. 225). “Pão com olhos, queijo sem olhos e vinho que salte aos olhos”, “Pão e vinho levam o homem a caminho”, “Pão e vinho, um ano meu outro do meu vizinho” (p. 289), “0 pão pela cor, o vinho pelo sabor” (p. 290). Em Rodríguez Marin (op. cit. p. 245): “Pan de tienda y vino de taberna mantienen la casa negra”, “Pan durete y vino agrete te sacarán pobrete”, “Pan, jamon y vino añejo son los que hinchen el pellejo”, “Pan por pan y vino por vino, que yo no soy griego ni latino”. E no italiano: “Pane finché dura — ma vino a misura” (G. Franceschi, op. cit. p. 145).

9) Quem canta seus males espanta.[ 19 ]

Antiga expressão essa, de longa data, presente no falar pitoresco do povo. Dela refere Câmara Cascudo a existência nas Geórgicas, I, 293, e na Écloga, IX, 61, 64 — de Vergílio, bem como no Diálogo sobre a ressurreição, de Gil Vicente. (“Com Dom Quixote no Folclore do Brasil”, in Dom Quixote de La Mancha, José Olímpio, tomo I, p. 23).

Lá está, no citado auto vicentino, representado em 1527, logo no início do “Diálogo”, naquele feixe de provérbios dito pelo Rabi Levi, figura da peça: (Obras Completas, vol. II, p. 217):

“Quem com mal anda, chora e não canta;
quem só se aconselha, só se depena;
quem não faz mal, não merece pena;
quem chora ou canta. fadas más espanta”

Também na Comédia Eufrosina, de Jorge Ferreira de Vasconcelos, do mesmo século XVI, vamos topar o velho dito, no seguinte passo: “Quero me entender com esta minha costura, e cantar por me desviar destes cuidados, que quem canta fadas más espanta” (Ed. Academia Ciências Lisboa, p. 203).

“Quem chora ou canta, fadas más espanta” — tal devera ter sido a forma primitiva do provérbio, demudado e reduzido, mais tarde, por brevidade, à expressão por que hoje é conhecido.

Aliás, a alteração vem de longe. Na Feira de anexins, de Francisco Manoel de Melo, ao tratar dos anexins “em metáfora de chorar”, registra o autor ao velho provérbio, já na forma atualizada, e com um acréscimo: “Quem canta, seus males espanta; e quem chora os aumenta” (p. 129).

O dito tem sido aproveitado nas cantigas ou quadras do povo, como se vê deste exemplo, tirado ao livro de Afonso do Paço, Cancioneiro de Viana do Castelo, quadra n° 1.227:

“Quem canta seu mal espanta,
Quem chora seu mal aumenta;
Eu canto por espalhar
Uma dor que me atormenta.”

10) Quem parte e reparte
e não fica com a maior parte,
ou é tolo ou não entende da arte.[ 20 ]

Velho conselho aos tolos ou aos sabidos. Já lá estava o provérbio, em forma reduzida. nos Adágios portugueses, do padre Antônio Delicado (p. 126): “O que reparte, toma a melhor parte”.

Frazão o refere em duas variantes (n° 572 e 573): “Quem reparte, tira a melhor parte”, e “Quem parte e reparte, e não tira a melhor parte, ou é tolo, ou não tem arte”.

No Rifoneiro português, de Pedro Chaves, se nota, à página 538, a forma alongada: “Quem parte e reparte não fica com a maior parte ou é tolo ou não tem arte”; à página 323, o rifão abreviado: “O que reparte toma a melhor parte”.

Conhecida no nordeste, a expressão consta, na seguinte disposição estrófica, do Folk-lore Pernambucano, de Pereira da Costa, (p. 579):

“Quem parte e reparte,
E não tira para si
A maior parte,
Ou é tolo,
Ou não tem arte.”

No sul de Minas, temos ciência de que se diz, estropiando talvez intencionalmente o velho dito:

“Quem parte e reparte
E não lhe cabe a maior parte,
Ou é bobo ou bacamarte…”

NOTAS

[ 10 ] Informação colhida de Albina da Silva Neves, mãe do autor.

[ 11 ] Idem.

[ 12 ] Idem.

[ 13 ] Idem.

[ 14 ] Idem.

[ 15 ] Idem.

[ 16 ] Idem.

[ 17 ] Idem.

[ 18 ] Idem.

[ 19 ] Idem.

[ 20 ] Idem.

[Alto está e alto mora — Nótulas de folclore. Vitória: edição do autor, 1954.]

Guilherme Santos Neves foi pesquisador do folclore capixaba com vários livros e artigos publicados. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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