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Sexta parte: Os três primeiros anos do século XXI

Já lá se foram os três primeiros anos do século XXI. Foi um triênio meio magro para a literatura feita no Espírito Santo.

No gênero romance destacaram-se O capitão do fim, de Luiz Guilherme Santos Neves, e Menino, de Pedro J. Nunes, lançados, ambos, em 2001. O primeiro, uma publicação do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo em parceria com a Cultural-ES, é uma biografia fantástica de Vasco Coutinho, primeiro donatário da capitania do Espírito Santo. O segundo, premiado no Concurso Capixaba de Literatura promovido pela Secretaria de Estado da Cultura em 1998, é um painel da infância numa cidade do interior capixaba na virada das décadas 60 e 70.

Na poesia o grande destaque foi O relógio marítimo, de Oscar Gama Filho, lançado em 2001, inaugurando a Coleção Columba, da Editora Imago. O livro é estruturado em duas partes: “O relógio marítimo” é uma antologia de poemas extraídos de seus livros anteriores, enquanto “Últimos poemas — desesperados — de amor” constitui um livro à parte, reunindo poemas até então inéditos, o que permite uma visão panorâmica da obra poética de Oscar. Em seu prefácio, o poeta Carlos Nejar diz que os poemas de Oscar Gama Filho se caracterizam pela ida e volta das palavras, em torno de um núcleo, como roldana — o círculo do tempo e do Destino. E os vocábulos assim se forjam, fosfóricos — criaturas tão mágicas quanto absorventes. Com a inclinação do delírio. A linguagem do poema entra no âmago do sonho, por ter a gramática do delírio”. E, mais adiante: “T. S. Eliot adverte que o grande poeta tem três qualidades: a excelência, a abundância e a diversidade. Oscar Gama Filho preenche a abundância e a desmedida. Também indubitável é sua excelência, com achados verbais peculiares e espantosos (inseridos no próprio processo de carnavalização). E a diversidade é imperiosa na poesia oscarina. Desde a variedade de ritmos e metros, até a exuberância de tons e temas.” O volume inclui também um ensaio de teoria literária, “A essência da poesia”.

Adilson Vilaça deixou a sua esfera habitual — a prosa — para lançar em 2001, pela Secretaria de Esportes da Prefeitura de Vitória, um livro de poemas, Art&sporte, tendo como temas as diferentes modalidades esportivas. Cite-se ainda, no gênero poesia, o livro Poemas terceiros, de Tércio Ribeiro de Moraes (1956—), sem data, mas lançado em 2001. De Tércio Moraes como poeta disse Adilson Vilaça: “Tércio Ribeiro de Moraes é bendito transgressor. Contra a normalidade cabisbaixa da sintaxe permitida alevantou a insurgência aflita, pictórica, daliniana. Suas armas assinaladas são ferino habeas-corpus contra a coação imposta pelo conservadorismo, contra o senso comedido dos comuns, contra a inutilidade dos boquiabertos, dos perplexos, dos pasmos. Todo útil é fútil — eis a lição de sua prisão no labirinto.[ 134 ] Além desses, saiu em 2003 pela Léo Christiano Editorial uma Antologia poética de Geir Campos, organizada por Israel Pedrosa. Merecem menção, por fim, três outros lançamentos de 2003: O abismo, de Evandro Albani (1973—), O livro do afeto, de Luiz Carlos Almeida Lima, e O camaleão sobre o muro, de Marco Berger.

O gênero que mais se destacou pelo número e pela excelência dos textos foi o conto. Francisco Grijó lançou Licantropo, pela Florecultura, em 2001. No prefácio, assinado por Reinaldo Santos Neves, lê-se: “O que realmente importa, lato sensu, na literatura escrita por Francisco Grijó é que é uma literatura escrita com inteligência. […] Sua literatura é inteligente, sobretudo, pela maquinação. E maquinação, em literatura, tem a ver com a logística do escritor. Tem a ver com os preparativos e preparamentos do texto. Tem a ver com o grau de reflexão e de raciocínio que o escritor põe na escolha do tema, no planejamento da trama, no desenvolvimento da narrativa, no fecho — com ou sem desfecho — da história.”

Outros livros de contos de qualidade foram Os fios da trama, de Cristina Lugão Porcaro (1955—), mineira, graduada em Artes Plásticas pela UFES; Dessa vez pegaram pesado, de Rodrigo Cravo Neto (1976—), com prefácio de Reinaldo Santos Neves; e Corações de barro e outros contos, de Marcelo dos Santos Netto (1978—), todos eles publicados pela Florecultura em 2002. Pela Textus saiu, também em 2002, uma coletânea de contos de Adilson Vilaça intitulada Identidade para os gatos pardos – Contos afro-brasileiros, reunindo contos inéditos e alguns publicados em livros anteriores. Pela Cultural-ES saiu em 2002 A medida de todas as coisas, de Marco Berger, com orelha de Reinaldo Santos Neves e apresentação de Deny Gomes. Nesse livro, diz Deny Gomes, “a tentação fascinante da morte ou os sombrios caminhos da loucura são sublimados nos contos, salvaguardas que repelem a ameaça do vazio mortal do silêncio. As histórias aliviam as pulsões reprimidas e exorcizam os demônios com o mistério da transformação operado pela palavra da ficção.”

Em 2003, ainda no gênero conto, foram lançados Contos desiguais, do veterano Marien Calixte, pela Cidade Alta, A fama e a cama, do também veterano José Augusto Carvalho, pela Bom Texto, e O colecionador de segundos, da estreante Mara Coradello (1974—), pela 7Letras. Deste livro disse Robério Oliveira Silva, mestre em Literatura pela Universidade Federal Fluminense: “Mara Coradello mostra-se uma autora contemporaníssima, é do aqui, do agora, e do daqui a pouco que ela nos fala. A impossibilidade de comunicação, tema já decantado pela cultura moderna, declina-se aqui numa configuração angustiante do poder e da transformação que o mundo tecnológico opera sobre a subjetividade: os casais se separam por um mal-entendido de recados virtuais, morrem em frigoríficos de supermercados, entre outras insólitas aventuras.”

Em termos editoriais, o Instituto Histórico e Geográfico manteve sua retração no que se refere à publicação de textos de literatura, dando prioridade aos estudos de história e geografia, mais de acordo com os propósitos originais da instituição. Por outro lado, a Florecultura Editores, de Miguel Marvilla e Christoph Schneebeli, se consolidou como principal produtora de livros de alta qualidade gráfica no Estado. Dentre os títulos publicados, citem-se as coletâneas Escritos entre dois séculos — textos literários capixabas, organizada por Miguel Marvilla e Maria Helena Teixeira de Siqueira, A parte que nos toca — literatura brasileira feita no Espírito Santo, organizada por Marvilla e Reinaldo Santos Neves, e Alguns de nós em verso e prosa, de novo organizada por Marvilla e Maria Helena, as duas primeiras lançadas em 2000, a terceira, em 2001; uma segunda edição de Dédalo, de Miguel Marvilla e o livro de contos de Francisco Grijó, Licantropo, ambos lançados em 2001; e os livros de contos de Cristina Porcaro, Rodrigo Cravo Neto e Marcelo dos Santos Netto, acima citados, todos em 2002.

Numa iniciativa da Divisão Cultural da Gráfica Espírito Santo, em parceria com o Centro de Ciências Humanas e Naturais da UFES e o seu Programa de Pós-Graduação em Letras, foi criada a Coleção Gráfica Espírito Santo de Crônicas, com a finalidade de publicar livros de cronistas capixabas, podendo estes ser cronistas do passado, cronistas em atividade ou cronistas iniciantes. O título inaugural da coleção foi uma reedição de Praça Oito, de Eugênio Sette, lançada em setembro de 2001, com apresentação de Renato Pacheco. Durante o ano de 2002 foram lançados Crônicas daqui e dali, de Alda Estellita Lins (1932—), uma reedição de Vento Sul, de Carmélia M. de Souza, e Bordando memórias, da estreante Sônia Bonzi (1949—), cujas crônicas tratam, com fina sensibilidade e minúcia de detalhes, da infância da autora na vila onde nasceu, Alto Calçado, no interior do Espírito Santo. Novas crônicas de Roberto Mazzini, de Ivan Borgo, foi o lançamento de 2003. Aí “Roberto Mazzini revisita alguns dos seus temas mais caros, refletindo com ironia […] sobre questões que afetam o ser humano não só como indivíduo mas também como espécie, ou seja, sobre nossa árdua convivência tanto conosco mesmos, no âmago da alma, como com os que conosco dividem o espaço, cada vez mais estreito e mais tenso, do planeta”.

A Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Vitória, através da Lei Rubem Braga, continua sendo também uma alternativa editorial para os escritores capixabas. Em paralelo, a Secretaria publicou mais três títulos da Coleção Roberto Almada, destinada a divulgar a obra de alguns dos mais representativos escritores capixabas contemporâneos. Em 2001 saiu Múltiplas escrituras, de Djalma Vazzoler e Mônica Sant’Anna, sobre vida e obra de Reinaldo Santos Neves. Em 2002 saíram Nomes pra viagem, de Andréia Delmaschio, sobre vida e obra de Renato Pacheco, e Porque e por quê: Blank, Sérgio Luiz, de Reinaldo Santos Neves, sobre vida e obra de Sérgio Blank.

Na internet, o Núcleo de Estudos e Pesquisas da Literatura do Espírito Santo, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Ufes, criou e colocou no ar a página Bravos Companheiros e Fantasmas, no site www.estacaocapixaba.com.br., contendo informações sobre a produção literária espírito-santense e sobre os autores capixabas. No ano de 2001 foram inseridos nessa página verbetes relativos a 17 autores, contendo notícia biobibliográfica, amostra da obra, depoimentos e fortuna crítica.

Como opção para divulgação de textos, criou-se na mesma página o Canteiro de Obras, à semelhança do projeto Crônicas Capixabas, concebido em 1997 por José Irmo Gonring. O Canteiro entrou no ar em 2001 e, desde então, ocuparam esse espaço virtual: Renato Pacheco, com a publicação, em fascículos, do romance O senhor Kurtz morto, a que se seguiram os contos de Veneno para matar uma rata e outros contos. Ivan Borgo, com Novas crônicas de Roberto Mazzini, que em 2003 foram convertidas em livro incluído na Coleção Gráfica Espírito Santo de Crônicas; Reinaldo Santos Neves, com alguns textos da segunda parte de Dois graus a leste, três graus a oeste, e também “entretenimentos” como o conto “Estudo em ébano”; Luiz Romero de Oliveira (1959—) que, tendo publicado alguns textos na revista Você e na antologia A parte que nos toca, contribuiu para o Canteiro de Obras com Corte & costura – reflexões sobre a vida doméstica, narrativa contemporânea, além de alguns contos avulsos; Luiz Guilherme Santos Neves, com crônicas reunidas sob o título geral de Chapot Prevost 252.

Renato Pacheco publicou, em 2003, pelas Edições Galo Branco, Ensaios de sociologia da literatura, livro que reúne três trabalhos compostos originalmente na década de 50: “Emília, personagem de Monteiro Lobato”; “O imigrante na literatura brasileira de ficção”; e “O juiz em alguns romances brasileiros.”

E foi só.

Vitória, novembro de 2003
Reinaldo Santos Neves
Núcleo de Estudos e Pesquisas da Literatura do Espírito Santo
Programa de Pós-Graduação em Letras
Departamento de Línguas e Letras
Universidade Federal do Espírito Santo

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NOTA

[ 134 ] Adilson Vilaça [2001], p. 7.

Reinaldo Santos Neves é escritor com vários livros publicados e foi responsável pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas da Literatura do Espírito Santo, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Espírito Santo. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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