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Sobre o café

Foto Andrei Bocan [https://images.unsplash.com/photo-1439591243935-eaaa35b380f1?ixlib=rb-0.3.5&q=80&fm=jpg&crop=entropy&s=a86a7c06affb9a29e6d0985cc8a724a0]
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Os grandes bebedores de café

Um dos maiores nomes da história da música foi Johann Sebastian Bach (1685-1750), que era também um grande bebedor de café. Expressão máxima do Barroco, Bach condensou toda a música criada até a sua época e anunciou o futuro. Foi um trabalhador de varar madrugadas, utilizando diariamente o café como seu companheiro de insônia.

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Bach chegou mesmo a compor uma música para a bebida que tanto gostava, chamada Coffee Cantata, uma opereta de um ato sobre a tentativa de um pai em verificar se sua filha tomava café às escondidas. Na Cantata, a filha Betty diz: “Pai, não seja tão rigoroso. Eu preciso tomar meu copo de café pelo menos três vezes ao dia”.

Outro grande bebedor de café foi o grande escritor francês Honoré De Balzac (1799-1850), autor da grande obra A Comédia Humana. Balzac costumava deitar-se às 18 horas da tarde e dormir até a meia-noite, quando acordava e começava a tomar café. A seguir, escrevia por 12 horas seguidas, apenas bebendo café. Chegou até mesmo a escrever elogiando o café e sua capacidade de estimular sua atenção e concentração:

O café chega ao seu estômago e logo ocorre uma sensação diferente. Em pouco tempo as idéias começam a se movimentar como batalhões de Grande Armada no campo de luta e a batalha então começa. As coisas a serem lembradas aparecem a todo galope, quase atropelando a mente. A cavalaria ligeira de comparações é responsável por uma grande carga de idéias; a artilharia da lógica acelera sua carga e sua munição, e as lanças da inteligência começam a atacar como lanceiros precisos. O papel como um campo de batalha é coberto de tinta e a batalha começa e é concluída com torrentes de água escura, de forma igual a uma outra feita com a pólvora.

O grande general francês e Imperador da França de 1804 a 1815, Napoleão Bonaparte (1769-1821), foi um dois maiores admiradores e consumidores de café. Napoleão disse sobre a bebida: “Um café forte e abundante me deixa desperto e atento. O café me dá uma energia e calor além de uma força incomum, uma dor que não ocorre sem prazer. Mas eu prefiro sofrer a ser um insensato e imbecil”.

Frederico, O Grande tinha seu café feito com champanhe em lugar de água. O general Ulisses S. Grant, durante todas as suas batalhas, contentava-se em fazer suas refeições comendo pepinos com vinagre e um copo de café bem forte. Immanuel Kant tornou-se um admirador do café desde a sua juventude. Jean Jacques Rousseau admirava o café de tal maneira que, no seu leito de morte, lamentava não poder deixar o mundo após tomar uma grande xícara de café. Voltaire, por sua vez, foi um dos maiores tomadores de café, chegando a beber 50 xícaras por dia. Quando lhe disseram que o café era um veneno que matava lentamente, Voltaire respondeu : “Pode ser um veneno, mas eu o estou bebendo há 65 anos e ainda não estou nem um pouquinho morto”.

Palheta, o conquistador

Dizem os historiadores, apoiados por documentos oficiais irrefutáveis, que o homem responsável pela introdução do café no Brasil foi o sargento-mor Francisco de Melo Palheta. Outros, patente posta de lado, preferem classificá-lo como um “desbravador”. E parece ser esta a classificação mais correta. O certo é que este aventureiro esteve em 1727 de passagem por Caiena, capital da Guiana Francesa, em missão oficial e, além de cumprir tarefas protocolares, ficou apaixonado (e vice-versa) por nada menos que a esposa do governador local, madame Claude D`Orvilliers.

Deu a entender à sua amada que gostaria de trazer para o Brasil algumas sementes da infusão de sabor maravilhoso servida por ela a ele, presume-se, além de outras preciosidades mais. Palheta tinha como uma de suas missões de viagem tentar conseguir as sementes de café.

Era terminantemente proibido ceder mudas ou sementes da planta naquela ocasião, pois ela era produzida em poucos países, e os que a tinham vendiam apenas os grãos torrados a preço alto. Mas Palheta conseguiu. No dia em que embarcou de volta para o Brasil, além de muitas lágrimas, madame D’Orvilliers presenteou-o com um vaso com flores. Na terra, escondeu algumas sementes da planta que havia tanto impressionado seu amado. Palheta agradeceu o mimo e embarcou de volta ao seu país.

Não consta que ele tenha retornado mais a Caiena, mas sabe-se — com certeza — que, ao chegar ao Pará, passou a cultivar as sementes que logo se tornaram mudas e, em seguida, se reproduziram para, em pouco tempo, romperem as fronteiras daquele estado brasileiro. Hoje, existem em praticamente todos os lugares. Aqui no Espírito Santo, por exemplo, o café é um dos carros-chefes de nossa economia.


Ácidos clorogênicos e vitamina PP

A torrefação do café interfere de forma drástica no teor final dos componentes da bebida. Diversas substâncias encontradas nos grãos podem desaparecer após uma torra excessiva — café de cor preta. A trigonelina é uma substância presente no café, que forma durante a torrefação a niacina (vitamina PP de Pelagra Preventing).

Da mesma forma, os ácidos clorogênicos do grão formam, durante a torra, pelo menos cinco ésteres do ácido quínico: ácido cafeoilquínico (CQA), ácido dicafeoilquínico (diCQA), ácido feruloilquínico (FQA), ácido coumaroilquínico (CoQA) e ácido cafeoferuloilquínico (CFQA). Pelo menos um destes componentes — o ácido feruloilquínico — possui um potente efeito antagonista opióide. E estes derivados do ácido clorogênico podem até ser mais importantes que a cafeína do café, pois são mais abundantes (7 a 10%).

As lactonas do ácido feruloilquínico presentes no café — e talvez dos demais componentes, pela mínima diferença na estrutura química — possuem a capacidade de bloquear os receptores opióides — propriedade antagonista opióide — da mesma forma que medicamentos como naltrexone e a nalexone. Por isso, possuem um comportamento e efeitos diferentes dos da cafeína.

Enquanto que a absorção da cafeína ocorre de forma lenta, atingindo um nível máximo apenas 1 a 2 horas após a ingestão de uma xícara de café, os ácidos clorogênicos parecem atingir níveis no sangue em poucos minutos. Desta forma, os efeitos sobre o cérebro são mais rápidos e mais importantes que os da cafeína. A Figura acima mostra uma comparação entre os níveis de cafeína e de lactonas do ácido feruloilquínico (FQA), após o indivíduo tomar uma xícara de café.


O preconceito feminino

Um dos preconceitos contra o consumo de café ocorreu logo após o final do preconceito religioso. Na Inglaterra, um grupo de mulheres publicou, em 1674, um panfleto intitulado “Petição Feminina contra o Café, apresentando à consideração pública as grandes inconveniências ao seu sexo do uso excessivo deste licor sicativo e debilitante”. As mulheres argumentavam que os homens consumiam muito café e, como resultado, eram “infecundos e inúteis como os habitantes de onde esta planta inútil nasce e é cultivada”.

As mulheres sentiam-se realmente infelizes, pois o panfleto continha ainda: “…O palato de nossos cidadãos tornou-se tão fanático como as suas vontades; como pode ser possível que eles possam renunciar ao antigo e bom costume de beber cerveja, para perseguir este líquido pervertido, jogar fora o tempo disponível, mudar suas lojas, despender seu dinheiro, tudo para beber um pouco desta água suja, nauseante, desagradável, amarga e escura…”

Os homens costumavam despender muitas horas nas inúmeras cafeterias, elaborando o texto da “Resposta dos Homens à Petição das Mulheres contra o café”, que dizia: “… Por que deve a inocente bebida oriunda do café ser objeto de vosso mau humor? Este licor inócuo e curativo, que a providência divina mandou para nós… não é esta bebida que diminui nossa atuação no esporte de Vênus, e nós esperamos que vocês aceitem esta exceção…” E o problema foi resolvido e o preconceito logo desapareceu quando as mulheres passaram a fazer café em casa a partir da manhã, para estimular os maridos a ficarem nos lares ou voltarem para eles a fim de tomar um bom café antes de deitar. Assim, ficavam excitados e felizes. E suas esposas também.

Na atualidade, é uma prática perfeitamente normal e comum uma reunião em grupo, consumindo um bom cafézinho, sobre o fato de que não havia fundamento na idéia de que o café diminuía a excitabilidade sexual, causava a esterilidade ou reduzia a lascívia. Certamente os árabes também não acreditavam nestas afirmações, pois o consumo do café disseminou-se por todo o mundo islâmico e depois por todo o mundo cristão.

Preconceito político-econômico

Com o final dos primeiros preconceitos surgidos contra o café, apareceu um novo deles: o político-econômico. Já em Mecca, como os islâmicos costumavam ficar muitas horas nas cafeterias, estas passaram a ser proibidas e o suprimento de café, a ser destruído. Entretanto, a sabedoria de alguns governantes prevaleceu e a proibição foi retirada. Em meados do século XVII, situações semelhantes ocorreram, mas em locais diferentes. Cafeterias surgiram na Inglaterra (1650) e na França (1671), criando novos costumes. Nas cafeterias, as pessoas reuniam-se para descansar, relaxar, aprender as novidades, vender barganhas e até mesmo conspirar.

Esta última prática levou o Rei Carlos II, da Inglaterra, a proibi-las, temeroso de algum complô contra seu reinado. O Rei teve menos sucesso que as mulheres. Onze dias após sua proibição, as cafeterias foram reabertas e proliferaram de forma avassaladora. Algumas ficaram conhecidas como “universidades baratas” no início do Século XVIII. Por alguns trocados para a compra de um cafezinho para um orador, era possível ouvir e aprender com grandes figuras literárias e políticas da época. A grande companhia de seguros Lloyd’s de Londres, iniciou suas atividades em torno de 1700, na cafeteria de Edward’s Lloyds.
Do outro lado do canal, o vinho de boa qualidade e barato na França fez com que o consumo de café fosse recebido com menor entusiasmo. Mas o consumo foi crescendo lentamente e a popularidade na nova bebida atuou decisivamente no surgimento do CanCan. Os proprietários dos cabarés franceses, temendo a diminuição do número de clientes que procuravam cada vez mais as cafeterias , conseguiram convencer as bailarinas a dançarem sem as anáguas, para atraírem mais a clientela masculina. Apesar de todos os recursos empregados, as cafeterias sobreviveram e o consumo de café aumentou. Em 1974 o consumo anual de café na França foi em torno de 6 kg por pessoa . O uso de café disseminou-se ainda mais com a conquista das Américas. Mas, devido às condições climáticas, o cultivo do café tornou-se viável apenas em países pobres e subdesenvolvidos. E isto criou um novo preconceito: o político-econômico. Os países ricos queriam um produto bom e barato dos países inferiores. E a melhor maneira de conseguir algo é pechinchar. E criticar o objeto de compra para diminuir seu valor no mercado.

Na presente década — e final de milênio — parece estar havendo um decréscimo no consumo de café. Em 1987, a importação de café pelos Estados Unidos foi da ordem de 3,13 bilhões de dólares, com uma diminuição em torno de quase 15%, comparando com a importação de 3,9 bilhões de dólares em 1980. O consumo per capita diminuiu também de 3,8 kg em 1983 para 3,6 Kg em 1985 e para menos de 3,0 kg a partir da década de 90. Ao mesmo tempo o consumo de drogas vem aumentando de forma acelerada.

[Texto reproduzido com autorização do autor.]

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Álvaro José Silva, autor deste texto, é jornalista.

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