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Taquaras e Taquarinha

Foto Gilson Soares, 2014.
Foto Gilson Soares, 2014.

Na manhã da sexta-feira, 6 de junho, quando completava uma semana que havia saído de Vila Velha, eu deixei Pedro Canário com destino a Cristal do Norte.

O arremedo de planejamento que orienta as minhas viagens, indicava que ao final daquele dia, eu ancoraria a magrela em Montanha, onde tinha um compromisso importante, no sábado à noite.

Mas não foi o que aconteceu. Veja só.

Cheguei a Cristal ainda pela manhã.

Pedalei um pouco pela vila, conversei, comi uma coisa, bebi outra, e dali parti para o meu objetivo mais importante daquele dia: Três Corações.

Enfim, posso, agora que estamos chegando, esclarecer pra você, leitor, o motivo do meu interesse por esse lugarejo, de cuja existência ficara sabendo naquela conversa de botequim – você se lembra? – na mais que pretérita Itaúnas.

É que Três Corações, que também atende pelo nome de Taquarinha, é uma pequena vila, distrito de Mucuri, portanto em território baiano, que está assentada no extremo oeste daquela linha reta fronteiriça que se estica pelo norte capixaba, a partir do mar.

Em um ponto da periferia de Taquarinha essa linha-lâmina, estranha à cartografia, esbarra numa aresta de chão mineiro. E para.

Dá-se então ali uma tríplice fronteira estadual: Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia.

Na minha viagem ciclística de 2013, havia descoberto, também meio sem querer, a Fazenda Três Estados, no município de Dores do Rio Preto, que abriga nossa tríplice fronteira sul: Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Lá a linha é líquida, límpida e curvilínea: o rio São João que começa a descer, cortando o costado do Caparaó pelo lado mineiro, encontra-se com o rio Preto que desce com comportamento parecido, só que do lado capixaba. Desse encontro dos dois rios recém-nascidos, forma-se o Itabapoana, que, desde ali, até o mar, marca a divisão dos territórios capixaba e fluminense.

Esse encontro fluvial demarcatório pode ser observado de um terreiro grande à frente do vistoso casarão mais que centenário que sedia a tal fazenda. O que autoriza que ele, o casarão, ostente, na lapela, o nome de batismo da propriedade: Fazenda Três Estados.

Não fica, então, difícil para o leitor entender o meu imediato interesse por Três Corações, quando, em Itaúnas, tomei conhecimento da existência desta vila.

Pedalando, eu concluía ali – quase ao meio daquela sexta-feira junina, na silenciosa Taquarinha – uma linha imaginária e torta, que tracei, ao acaso, entre as duas tríplices fronteiras que distinguem a cartografia do nosso estado: da Fazenda Três Estados até a Vila de Três Corações.

E curioso é que aquele mesmo ponto à margem do vilarejo, marca também, a fronteira de quatro municípios: Mucuri, pelo lado baiano; Nanuque – cidade que se apresenta como a “Capital da Tríplice Fronteira” – pelo lado mineiro; e Pedro Canário e Montanha, pelo lado capixaba.

Se bem deduzi, a história do duplo topônimo da vila em que me encontrava, é a seguinte: dada sua situação político-geográfica diferenciada, houve-se por bem, em algum momento de sua história que Taquarinha passasse a ser nominada oficialmente de Três Corações.

Taquarinha é o riacho que corre – ou corria? – por ali até encontrar o córrego Taquaras, que por sua vez leva a sua modesta contribuição para avolumar o braço norte do Rio Itaúnas.

Antes de chegar a Taquarinha, passei por Taquaras, vila do município de Pedro Canário, que talvez só perca para Itabaiana, Mucurici, o importante título de núcleo populacional mais setentrional do Espírito Santo.

Embora eu não tenha encontrado muitos interlocutores em Taquarinha, guardei a impressão de que há controvérsias, talvez veladas, quanto a alteração do seu nome original.

Que nos peitos daqueles tricordianos que me recebiam taciturnos, pulsam – e, certamente, se entrelaçam – corações baianos, corações mineiros e corações capixabas, disso não há dúvida. Mas tanto pra uns, quanto pra outros, pode parecer, me pareceu, mais conveniente o tradicional – e fluvial – nome da vila.

Eu, embora não tenha sido convidado a opinar e não tenha nenhuma simpatia auditiva por diminutivos, confesso que Taquarinha, o nome primevo daquela vila que se me apresentou introvertida, açoda minha audição com cativante alegria.

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Gilson Soares é poeta e nasceu em Ecoporanga, no extremo noroeste do Estado do Espírito Santo, em 10 de fevereiro de 1955. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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