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A EEEFM Ecoporanga e a Pedra da Igrejinha. Foto Gilson Soares, 2014.
A EEEFM Ecoporanga e a Pedra da Igrejinha. Foto Gilson Soares, 2014.

Minha paixão pelo jornalismo começou a se desenvolver ainda na infância, em Ecoporanga, no início da década de 1960.

Meu pai, comerciante, tinha uma loja de tecidos, confecções, calçados, utilidades domésticas e armarinho na nascente cidade – Ecoporanga se emancipou no mesmo ano em que nasci, 1955.

Quando de suas viagens para as compras que sustentavam os estoques da loja, ele, meu pai, sempre trazia revistas e jornais, que eu recebia ansioso: O Cruzeiro, Revista do Esporte e O Jornal, eram as nossas publicações preferidas.

Por um período meu pai chegou a assinar O Jornal, que chegava a Ecoporanga – na melhor concatenação possível das logísticas envolvidas – em três ou quatro dias depois da publicação. Quando não, uma semana.

E tinha o Rádio, claro, que era a nossa fonte mais rotineira e imediata de informação.

Assim, sempre tive o jornalismo, antes até que a literatura, como um sonho, um ideal de realização. E cheguei a trabalhar na imprensa e no Rádio por curtos períodos e em épocas distintas.

Só muito tempo depois – e bem lentamente – fui deixando que essa paixão infantil se desfizesse.

Aliás, nem fui eu que deixei.

Na verdade o rumo que tomou o jornalismo no Brasil é que foi destruindo em mim esse sonho, esse ideal.

Naquele período, mesmo, de 2014 – que antecedeu esta viagem realizada em junho – o jornalismo brasileiro dera uma aberrante demonstração da sua crescente desfaçatez.

A grande imprensa empresarial brasileira trabalhou com um afinco descarado pra que aquela Copa do Mundo – que se realizou no Brasil depois de 64 anos da Copa de 50 – fosse um fracasso.

Ou até mesmo para que a Copa não acontecesse.

Diziam – sustentados unicamente por contraposições partidárias – que os estádios não estariam prontos e que nós não tínhamos preparado a infraestrutura necessária para receber um dos maiores eventos esportivos do planeta.

Noticiário este que gerou desconfiança e até um certo desinteresse do público brasileiro pela Copa.

Foi preciso que a mídia internacional descobrisse que o país estava preparado sim e que aquela poderia ser – como foi – uma Copa do Mundo que se destacaria na história do futebol, a Copa das Copas.

A isenção, o equilíbrio honesto e justo na construção do relato informativo, atitudes que estão na raiz do conceito de bom jornalismo – daquele jornalismo sonhado na infância em Ecoporanga – desapareceram do cenário jornalístico brasileiro.

Isso começou a ficar mais evidente no período posterior à ditadura civil-militar, que amordaçara a imprensa nacional. Quando a democracia política e eleitoral – mesmo que longe da democracia social – permitiu que as ideias chegassem ao espaço do debate e da discussão, cada um tomou o seu lugar.

Aí as grandes empresas do mercado de informação, que se consolidaram exatamente no – e com as benesses do – regime ditatorial, mostraram as suas caras ferozes e assumiram o seu posto de cães de guarda da estrutura capitalista.

Agora, já neste século, a imprensa brasileira entrou decididamente na disputa partidária e eleitoral.

Só que usando os recursos da mentira e da hipocrisia.

Assim, quer enganar – e o que é pior, engana – a um grande número de pessoas desatentas ou desinformadas.

Digo isso, leitor, porque depois de aproveitar o presente que o acaso me deu – aquele pôr-do-sol sem igual de Ecoporanga – tive tempo ainda de entregar exemplares de Minério para a biblioteca da EEEFM Ecoporanga – que se chamava Colégio Pio XII, quando ali estudei – e para a Biblioteca Pública da cidade.

Feito isso me hospedei, arranjei uma acomodação – sempre meio improvisada – para a minha valente magrela e me preparei para um noturno passeio pedestre por esta cidade a que me dou o direito de chamar de minha.

Mas antes de botar o pé na rua – a noite só começava – considerei conveniente – a sede exigia – tomar uma cerveja na calçada privilegiada do hotelzinho que me hospedou, o histórico Hotel, Bar e Restaurante do Dico.

Minha intenção era só ficar ali naquela calçada quieto, observando a cidade e rememorando a história – a minha história – cuja locação estava ali, feito quadro vivo, à minha frente.

Mas o acaso tinha um pouco mais a me oferecer.

Foi só eu me sentar que chegou, como se estivesse ali só pra conversar comigo, o Vilmar.

Na infância e adolescência nós o chamávamos, não me pergunte por que, de Toboi.

Logo de início ele me informa – me atualiza – que agora o seu nome oficial é Tô.

Abreviaram o apelido.

Tô é um repórter, um cronista da cidade.

O tempo que permanecemos ali, não foi muito diferente de uma hora. Se mais, pouco. Se menos, muito pouco.

E só não se alongou indefinidamente, porque eu queria fazer o meu passeio pedestre pela cidade noturna.

E pegar a estrada cedo, no dia seguinte.

Mas foi tempo suficiente pra que ele, Tô, me deixasse atualizado da revista social da cidade.

A sua memória cronológica, a precisão das informações, e a isenção – o que constatei mais de uma vez na nossa conversa – que ele mantém no decorrer dos relatos não me deixaram dúvida: eis aí Tô, um jornalista, um espírito, uma consciência jornalística, que o jornalismo brasileiro precisa conhecer e adotar.

Talvez ele nem sonhe em ser jornalista, não sei.

Mas, ele, abstêmio – só eu bebi enquanto conversávamos – encara, talvez, diariamente, a dura rotina dos bares, das praças, das ruas ofertando a sua inteligência, a sua capacidade de diálogo e de atenção, e a sua memória para levar e buscar a informação que sustenta a história da cidade.

Com honestidade, justiça, isenção e o visível prazer de realizar tão importante trabalho.

Que no caso dele é espontâneo e voluntário.

Como talvez pudesse ser o velho e heroico jornalismo com que sonhei ainda na infância ali, em Ecoporanga.

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Gilson Soares é poeta e nasceu em Ecoporanga, no extremo noroeste do Estado do Espírito Santo, em 10 de fevereiro de 1955. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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