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Uma cantiguinha de trabalho

Não sei bem em que setor se deve encaixar este “monólogo”, no vasto campo da ciência folclórica.

Trata-se de uma expressãozinha que se dizia ou se rezava outrora, durante as vãs tentativas desse trabalho singelo e rotineiro, que é o de enfiar uma linha na agulha. Com seus olhos já cansados, a querida velhinha de Leça da Palmeira, toda vez que tentava embutir o fio de linha na agulha, dizia, com aquela paciência de santa, que Deus lhe deu:

Puxa, Maria Ramalho. Vês, não puxaste, fugiu…[ 24 ]

Uma, duas, três vezes ou mais, a mesma cantilenazinha, até que, afinal, conseguia o intento — e a linha não fugia.

Não vimos registrada essa “cantiguinha de trabalho”, em qualquer coletânea de folclore. Talvez não lhe houvessem dado importância, esquecidos de que, no folclore, as mais simples e somenos ninharias têm tanto valor quanto os aspectos mais sérios e graves da bela ciência.

Aliás, faça-se uma ressalva: Leite de Vasconcelos parece ter incluído fórmula usual para o mesmo fim, nos seus Opúsculos. Lá está, à fl. 1.331 do tomo VII, parte 2ª, este “ditado”, que deveria, segundo cremos, ser “recitado” em ocasiões como a da nossa cantiguinha:

“Pouca bulha,
Que está aqui um cego a enfiar uma agulha.”

NOTAS

[ 24 ] Informação colhida de Albina da Silva Neves, mãe do autor.

[Alto está e alto mora — Nótulas de folclore. Vitória: edição do autor, 1954.]

Guilherme Santos Neves foi pesquisador do folclore capixaba com vários livros e artigos publicados. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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