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Uma nova dimensão poética

— Pelo contrário, Oscar Gama é um poeta à parte. Na poesia capixaba de hoje-agora, sua linguagem e seu processo são inconfundíveis, marca registrada de qualidade. Fisicamente, sua poesia é maciça. É um poeta que não perde tempo nem espaço: há muito que ser dito, e ele o diz numa correnteza de versos. As imagens se desencadeiam, dinâmicas, as idéias se desdobram e se complementam, caleidoscópicas. No decorrer de um poema, Oscar Gama não procura simplificar, mas ampliar as coisas. Não é uma obra fácil. Da cabeça aos pés, seus poemas figuram como enigmas: cada verso o é, e o universo do poema, o poema como um todo, o é também. Poesia oculta, sim, mas não é isso uma das essências da poesia: o enigma, o mistério? E um dos sabores dela? Por aí então circunavegamos, explorando esse continente de irrealidades e surrealidades. É um constante desafio ao nosso comodismo novecentista, à nossa preguiça de ler o que não pareça pão-pão, queijo-queijo. E, no entanto, eis uma poesia digna do mundo de hoje. Obra que prima pela sátira e pela ironia, pela antítese e pelo paradoxo. Uma poesia cortante e ferina: que esfola a nossa civilização humana, arranca-lhe as flores da pele e expõe a carne viva do caos.

Forma e conteúdo disputam primazias em Oscar Gama. Cada poema é um artesanato. Há uma preocupação com a palavra, a sílaba, a letra (como diz Marcos Tavares, poesia é jugo de palavras). As palavras têm aqui dois pesos e duas medidas. O sentido léxico, o sentido poético. O textual e o contextual. E tudo com base num vocabulário muito rico, habilmente manipulado ao longo de cada peça. Aqui se diga que não chega ele, o poeta, gratuitamente a esse estágio. Por trás dessa poesia de inversos e reversos existe toda uma exaustiva formação teórica — um poeta que meteu a cara e queimou pestanas, assimilando teorias e técnicas para poder fazer sua própria e consciente escolha. Ele não faz poesia a esmo. Encara-a como uma ciência artística, cujos fundamentos e fórmulas devem ser aprendidos para serem então rejeitados ou transformados. Não acredita em inspiração, mas em trabalho e retrabalho, fôlego, craniação. Nada leviano, não faz poesia como quem vai às goiabas. Não finge, nem engana. Daí a razão do seu prefácio, confissão de fé, texto em que procura expor toda a sua filosofia de arte.

Diga o que disser, uma coisa, porém, creio ser irrefutável: trata-se, acima de tudo, de um poeta que faz da originalidade um dogma e uma função vital. Para ele, “a originalidade, mais que um pretexto artístico, é sinônimo de mudança, e um pretexto social, político, que, na medida em que subverte as regras de criação em vigor, abre cabeças e implanta novas formas de pensar e agir sobre o tempo em que vive, modificando-o. Assim, não há diferença entre minhas produções de cunho mais comprometido, e as de cunho mais original; ambas pretendem o mesmo, por diferentes métodos: o criminoso e o artista são subversivos sociais, revolucionários”. É poeta irreverente e (por que não?) anárquico, mas sempre sincero e autêntico. E imprevisto. Sua poesia, como o jazz, tem o som da surpresa. Não será fácil de ler, mas reler já é mais fácil. E para aqueles que procuram algo de novo em matéria de poesia, Oscar Gama oferece um prato feito. Não resta dúvida de que conquistou seu lugar à parte na moderna poesia capixaba. Acha-se encontrado.

[In: “Congregação do Desencontro” ou uma Nova Dimensão Poética. Estado de Minas, Belo Horizonte, 19/07/1980, p. 5. Orelha do livro Congregação do Desencontro.]

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Reinaldo Santos Neves é escritor com vários livros publicados e foi responsável pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas da Literatura do Espírito Santo, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Espírito Santo. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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