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Vieira da Cunha

No cenáculo literário capixaba, três poetas se confundem com o mesmo sobrenome de Vieira da Cunha.

Não me deterei no contemporâneo Dr. Ciro, espírito-santense adotivo, autor de Espera Inútil e poesias várias, que começou como médico e jornalista no Castelo, foi professor, por muito tempo, em Vitória e tendo-se fixado, por último, no Rio de Janeiro, não desprezou as colunas dos nossos jornais.

Pela ordem cronológica, lembrarei o Dr. Belisário, poeta que escrevia com o pseudônimo de Fídias. Veio ele para o nosso Estado ainda moço e aqui clinicou até a idade de 72 anos, quando faleceu, deixando uma centena de poesias esparsas. Foi poeta de pulso. Na fazenda Prosperidade, município de Cachoeiro, reunia uma plêiade de intelectuais cujos ouvidos fazia vibrar, com os acordes da sua afinada lira, pontificando os poetas cachoeirenses, hoje quase soterrados nos jornais velhos, que a traça e o descaso tomaram a incumbência de fazer desaparecer: João Mota, Mário Imperial e Benjamim Silva.

Na dita fazenda, era feito o panfleto lítero-político Martelo. Tive em minhas mãos um exemplar desse jornal, emprestado para figurar numa exposição, em Vitória. O livreiro Luiz Semprini alentou-me com a promessa do presente de alguns números, bem perdidos no entremeio das suas gavetas de papéis.

Não sei que processo empregava Antônio Belisário Vieira da Cunha (filho do Dr. João Belisário), ao imprimir tal panfleto, todo por ele desenhado. Com gesso, cera ou parafina, o certo é que conseguia exemplares nítidos, nas cores roxa e azul, do papel carbono. As suas charges, assinadas A. Vieira, ou V. da Cunha, evidenciavam um traço seguro e irônico, de caricaturista capaz de brilhar nos centros mais cultos.

O livro do Prof. Domingos Ubaldo, mandado imprimir pelo prefeito Francisco Alves de Ataíde, reproduz uma caricatura que é excelente prova de qualidade: “o maior coco da Bahia”. Tão expressiva que Herman Lima a selecionou para figurar na capa do álbum de caricaturas de Rui Barbosa, editado pelo Ministério da Educação. Em página fronteira ao “coco” do Rui, o Prof. Domingos publicou o retrato do autor, intercalado no texto de um trecho da introdução de um discurso que ele havia pronunciado no Centro Espírito- santense, em cujas primeiras palavras declarava a sua naturalidade capixaba. Faltava acrescentar que era filho das plagas itabirenses.

Procuro, quase em vão, em nossos livros e revistas, a trajetória do conterrâneo, que foi firmar-se no jornalismo carioca, colaborando no matutino A Nação e movimentando as oficinas tipográficas: Vieira da Cunha & Cia., na rua da Alfândega, 182, onde editou, com Caio de Melo Franco e o desenhista Correia Dias, a revista Apolo, de arte, literatura, crítica e ciências.

Era a continuação do ideal forjado pelo grupo da fazenda Prosperidade, que a 8 de setembro de 1910 imprimiu, em Cachoeiro, o 1º. número de Álbum, revista literária bimensal, “modelada”, segundo observação de Atílio Vivacqua, “no gênero de Les Décadents, cujos exemplares o culto capixaba Bernardo Horta remetia religiosamente da Metrópole”.

Dir-se-ia que o pujante grupo representativo dos nossos maiores poetas firmara um propósito de não se perpetuar em livros, propósito só quebrado por Benjamim Silva, sob a força e decisão dos amigos, responsáveis pela edição de Escada da Vida.

Quão singular e estranho me parece o destino que me fez chegar às mãos o exemplar desse livro, com a dedicatória: “A Vieira da Cunha, velho amigo e companheiro de infância, com um abraço do Benjamim.” Acaso idêntico levou-me a outro livreiro, onde consegui adquirir seis números, creio mesmo que a coleção completa, da revista Álbum, espólio do falecido Vieira da Cunha…

Pondo à parte o egoísmo, copiei a conferência Terra natal, que João Mota pronunciou na Prefeitura de Cachoeiro, a 7 de setembro de 1910, estampando-a em três números de Álbum, e a fiz publicar na Revista do Instituto Histórico e Geográfico espírito-santense.

Algumas poesias de João Mota, do Dr. Belisário, de Narciso Araújo e, inclusive, o soneto “Sonhos em revoada”, uma das primeiras produções de Benjamim Silva, dão a constante da revista, escrita pelos maiores incentivadores das musas cachoeirenses.

[In Crônicas de Cachoeiro. Rio de Janeiro: Gelsa, 1966. Reprodução autorizada pela família.]

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Levy Rocha nasceu em 14 de merco de 1916, em São Felipe, então distrito de São João do Muqui. Graduado em Farmácia, residiu em Cachoeiro de Itapemirim e no Rio de Janeiro, interessando pela história de seu Estado natal. Publicou vários livros. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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